Estudo prevê que Covid-19 seja "constipação leve" em dez anos

por Joana Raposo Santos - RTP
Os autores do estudo basearam-se num modelo matemático que reproduz a propagação do vírus. Toby Melville - Reuters

Os especialistas acreditam que o novo coronavírus veio para ficar e nunca será erradicado. Mas, daqui a dez anos - quando a maioria dos adultos se tornar imune através da vacina ou do contágio -, o SARS-CoV-2 poderá assemelhar-se a uma simples constipação nas crianças e nem sequer deverá provocar sintomas entre os adultos. O estudo que traz esta esperança foi esta semana publicado na revista Science.

Neste momento, o novo coronavírus é uma ameaça significativa por não ser familiar ao nosso sistema imunitário, que ainda não foi treinado para o combater. No entanto, quando toda a gente já tiver sido exposta ao vírus, quer através de contágio, quer através da vacina, o cenário irá alterar-se.

Nessa altura, os adultos tornar-se-ão mais resistentes ao SARS-CoV-2 e o vírus deverá produzir uma infeção assintomática na maioria dos casos. Com as crianças a situação é diferente: por estarem constantemente expostas a vírus que são novos aos seus corpos, têm mais dificuldade em combatê-los.

Ainda assim, o estudo publicado na revista Science sugere que o novo coronavírus apenas deverá produzir sintomas em crianças com menos de cinco anos, e até nesse caso, não deverá ser motivo de preocupação: os sintomas serão semelhantes aos de uma "constipação leve".

Nessa altura – estimada para daqui a dez anos – o SARS-CoV-2 tornar-se-á endémico, ou seja, será uma patologia que circula a níveis baixos e apenas raramente provoca doença grave.

“O tempo que demorará a chegarmos a este estado endémico depende do quão rapidamente a doença se espalha e do quão rapidamente as pessoas são vacinadas”, explicou ao New York Times Jennie Lavine, principal autora do estudo.

“Por isso, o importante é tornar toda a gente exposta pela primeira vez à vacina o mais rápido possível”, recomendou. Se a vacinação fosse extremamente eficiente em todo o mundo, o prazo para chegarmos a um estado endémico poderia ser tão breve como um ano, ou até seis meses. Mas esse cenário não é realista.

Para além da rapidez da propagação do vírus e da vacinação, há ainda um terceiro fator: o tempo durante o qual alguém fica imune à Covid-19 depois de ter sido infetado ou de ter recebido a vacina. “O ideal é que a capacidade de bloquear a doença seja duradoura, mas que a capacidade de transmissão seja mais curta”, clarificou Lavine ao espanhol El Pais.

Os autores do estudo basearam-se num modelo matemático que reproduz a propagação do vírus e concluíram que o estado endémico deverá ser alcançado dentro de uma década, no máximo.

“O nosso modelo sugere que esta transformação demorará entre um a dez anos”, avançou Lavine. As conclusões do estudo foram já apoiadas por peritos independentes especialistas em evolução viral e imunologia.
SARS-CoV-2 será “como o sarampo”
Para além do SARS-CoV-2, os autores deste estudo observaram seis outros coronavírus em busca de pistas sobre o destino da atual pandemia. Um dos coronavírus estudados foi o que provoca a SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), outro deles é o que causa a MERS (Síndrome Respiratória do Médio Oriente), e os restantes quatro provocam apenas a gripe comum.

Os quatro vírus da gripe comum são endémicos, provocando apenas sintomas ligeiros. Já os vírus que provocam a SARS e a MERS podem deixar os pacientes gravemente doentes. A diferença é que os primeiros estão já difundidos entre a população, enquanto os últimos nunca se espalharam largamente.

Segundo o estudo, o SARS-CoV-2 tem mais semelhanças com os quatro vírus da gripe analisados do que com os da SARS e MERS, o que é um bom sinal.

A primeira infeção com a gripe comum costuma ocorrer, em média, entre os três e os cinco anos de idade. Depois disso, as pessoas são infetadas uma e outra vez no decorrer dos anos, aumentando a imunidade e mantendo o vírus em circulação sem ficarem seriamente doentes.

Muitos especialistas acreditam que será este o futuro do novo coronavírus. Alguns chegam mesmo a compará-lo com o sarampo: “se a vacina impedir as pessoas de apanharem o vírus, haverá um cenário como o do sarampo, em que vacinamos toda a gente, incluindo crianças, e não vemos o vírus a infetar ninguém atualmente”, considerou ao NYT o virologista Shane Crotty.
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