Etiópia. Conflito em escalada com aliança de rebeldes a montar cerco à capital

Está a intensificar-se o conflito no Tigray, norte da Etiópia, com os rebeldes e seus aliados cada vez mais próximos da capital, Adis Abeba. Após terem anunciado, nos últimos dias, que tinham assumido o controlo de três cidades em redor da capital, nove grupos armados aliaram-se agora contra o Governo do primeiro-ministro Abiy Ahmed. As autoridades, por seu lado, apelaram aos antigos membros das forças armadas para que contribuam com os seus conhecimentos no combate aos dissidentes.

RTP /
EPA

Nove fações antigovernamentais na Etiópia anunciaram, nas últimas horas, que se juntaram para formar uma aliança, numa altura em que aumentam os receios de que os dissidentes tentem derrubar o Governo central e invadam a capital etíope, Adis Abeba.

"Temos o prazer de anunciar a criação da Frente Unida das Forças Federalistas e Confederalistas da Etiópia", declarou Admassu Tsegaye, representante do Movimento Democrático Agew, durante a cerimónia de assinatura da coligação, em Washington. "Esta frente é composta por forças que lutam contra o regime genocida na Etiópia".

A coligação de grupos armados e políticos opositores do Governo inclui a Frente Popular de Libertação de Tigray (TPLF, na sigla original) - que tem estado na linha da frente do conflito -, o Exército de Libertação Oromo (OLA), grupo armado de etnia Oromo que já tinha formado uma aliança com a TPLF, e sete movimentos menos conhecidos "de alcance incerto" – organizações que têm como origem várias regiões (Gambella, Afar, Somali e Benishangul) e grupos étnicos (Agew, Qemant, Sidama) que compõem a Etiópia e que, em tempos, já foram rivais.

"Esta frente unida está a ser formada em resposta às crises que o país enfrenta" e "para reverter os efeitos negativos do domínio de Abiy Ahmed sobre o povo da Etiópia e não só", declararam num comunicado, acrescentando que é "necessário trabalhar em conjunto e unir forças para uma transição" no país.

"Não há limite para nós", afirmou Berhane Gebrechristos, ex-ministro etíope dos Negócios Estrangeiros e membro das Forças do Tigray, na conferência em Washington, nos Estados Unidos.

"Definitivamente, temos de mudar a Etiópia antes que a Etiópia caia", continuou Gebrechristos, que confirmou que a nova coligação antigovernamental não reconhece legitimidade ao Governo de Abiy e pretende estabelecer acordos de transição no sentido de alcançar "um futuro democrático" para o país.
Frente Unida é "golpe publicitário"
O Governo já reagiu à notícia da formação da aliança antigovernamental e considera que se trata de "um golpe publicitário", sendo que - sublinha - alguns dos grupos envolvidos na Frente Unida "não são organizações que realmente tenham algum poder".

"A abertura do espaço político há três anos deu oportunidade aos opositores de resolverem as suas diferenças nas urnas, em junho de 2021"
, escreveu Billene Seyoum, porta-voz do primeiro-ministro etíope, em resposta à Frente Unida.

Horas mais tarde, noutra publicação, acrescentou: "O primeiro-ministro e o seu Governo continuam comprometidos com a estabilidade e o crescimento da Etiópia. Dispensar responsabilidades constitucionais para evitar a ameaça de grupos terroristas e insurgentes que optaram por pegar em armas em vez de participar em processos democráticos continua a ser fundamental".



O procurador-geral da Etiópia, Gedion Timothewos, afirmou em videoconferência, esta sexta-feira, que os membros da aliança antigovernamental, incluindo os combatentes leais à TPLF, são "profundamente impopulares entre a esmagadora maioria dos etíopes". Segundo o mesmo, o estado de emergência foi declarado pelo Governo, na terça-feira, apenas "por excesso de cautela", para prevenir caso os insurgentes tentem "criar confusão" na capital ou noutras cidades do país.

Timothewos assegurou ainda que a vida na capital continua a decorrer com "normalidade", negando qualquer tipo de cerco ou ameaça e acusando os meios de comunicação social internacionais de "deturpar a situação".

Contudo, o Guardian avança que a população está a preparar-se e a correr aos supermercados para comprar produtos alimentares e bens essenciais em massa. Segundo a Efe, na capital etíope, dezenas de residentes formaram filas em mercados e lojas de comida para se abastecerem de alimentos básicos e outros artigos de primeira necessidade e procuram aprovisionar também bilhas de gás.
Autoridades etíopes pedem apoio a antigos membros das forças armadas
A criação da Frente Unida é o mais recente desenvolvimento num conflito que dura há um ano. Poucas horas depois do anúncio da coligação dos nove grupos armados anti-governamentais, o Exército etíope apelou aos antigos membros das forças armadas para que se mobilizem e contribuam com os seus conhecimentos e experiência para combater os rebeldes da região do Tigray que se aproximam de Adis Abeba.

"Apelamos aos antigos membros das forças armadas que ajudem a nossa campanha para salvar o país", declarou o Exército etíope na sua página da rede social Facebook.

Já na segunda-feira, Abiy Ahmed pediu a todos os cidadãos etíopes residentes na capital que "abandonassem temporariamente" os seus assuntos diários e "colocassem todas as armas e todas as energias" ao serviço da guerra contra a TPLF.

"Todos os residentes devem ser organizados por quarteirões e bairros para proteger a paz e a segurança da sua área de origem, em coordenação com as forças de segurança, que coordenarão as atividades com a polícia comunitária e os agentes federais", anunciou na altura Kenea Yadeta, chefe do Escritório de Administração de Paz e Segurança de Adis Abeba.

Perante os avanços dos dissidentes, o primeiro-ministro da Etiópia pediu unidade e cooperação na luta contra a TPLF, argumentando que "a vitória é possível se a força total do país for colocada contra os rebeldes".

O Governo está em guerra há exatamente um ano, no norte do país, contra os rebeldes da TPLF, que nos últimos meses têm avançado para além da região do Tigray, caminhando inclusive para a capital.

Os rebeldes anunciaram, no início desta semana, que tinham tomado o controlo das cidades de Dessie e Kombolcha na região de Amhara, a apenas 400 quilómetros da capital da Etiópia, tendo o Governo central respondido com a declaração de estado de emergência em todo o país, numa fase inicial por seis meses. Entretanto, na quarta-feira a TPLF indicava ter chegado à cidade de Kemissie, na vizinha região de Amhara, a 325 quilómetros a norte da Adis Abeba, onde se juntou aos combatentes da OLA - as forças do Tigray aliaram-se em agosto a combatentes rebeldes de etnia oromo reunidos no Exército de Libertação Oromo (OLA), que afirmou na quarta-feira que a capital poderá cair dentro de semanas.

Todavia, o Governo etíope nega qualquer avanço rebelde e disse, na quinta-feira, que não iria recuar nesta "guerra existencial".

"Este país não vai ceder à propaganda estrangeira! Estamos a travar uma guerra existencial", afirmou o Ministério etíope da Informação, numa declaração publicada na rede social Facebook, dias após as forças da TPLF afirmarem a intenção de avançar sobre a capital.

Ambos os lados continuam a ignorar os apelos dos Estados Unidos, da União Europeia e da comunidade internacional para um cessar-fogo e dialogarem entre si para negociar a paz.

Após um ano de conflito, que começou a 3 de novembro de 2020, milhares de pessoas foram mortas, cerca de dois milhões estão deslocadas internamente no Tigray e pelo menos 75.000 etíopes fugiram para o vizinho Sudão, de acordo com números oficiais. Além disso, quase sete milhões de pessoas enfrentam uma "crise de fome" no norte da Etiópia, de acordo com o Programa Mundial Alimentar.
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