"Eu nunca dei ordens para matar ninguém"

O primeiro-ministro timorense, Mari Alkatiri, garantiu nunca ter dado ordens para matar os seus adversários políticos, rejeitando acusações de que ordenou a distribuição de armas a civis para esse efeito.

Agência LUSA /
Mari Alkatiri, Primeiro-Ministro de Timor-Leste, em entrevista à RTP

"Eu nunca dei ordens para matar ninguém, antes pelo contrário. Nunca dei armas a ninguém. Tenho a consciência tranquila", afirmou Mari Alkatiri, em entrevista à Lusa e RTP, em Díli.

Mari Alkatiri respondia às acusações formuladas pelo militante da FRETILIN Vicente da Conceição "Railos", um veterano da resistência contra a ocupação indonésia, e que estão na base da abertura pelo Ministério Público de um processo de averiguações contra o seu ex-ministro do Interior, Rogério Lobato.

Sobre Vicente da Conceição "Railos", o primeiro-ministro revelou ter recebido hoje de manhã um telefonema daquele militante da FRETILIN.

"Interessante que ele telefonou-me esta manhã para me pedir desculpas pelo que disse. Na verdade, ele sabe melhor que ninguém que não tenho nada a ver com isso", afirmou Alkatiri.

O comandante "Railos" denunciou há cerca de duas semanas ter recebido armas e fardamento de uma das unidades de elite da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) e um plano de acção que visava eliminar adversários políticos do primeiro-ministro e da FRETILIN.

Segundo "Railos", o plano e as armas foram alegadamente distribuídos pelo ex-ministro Rogério Lobato, que tutelava a PNTL, seguindo indicações de Mari Alkatiri, na sequência de uma reunião em casa do primeiro-ministro.

Referindo-se às declarações de "Railos", proferidas segunda-feira em Leutala, 50 quilómetros a oeste de Díli, na sequência de uma visita àquela aldeia do ministro da Defesa, José Ramos Horta, o primeiro-ministro rejeitou as acusaçõ es.

"Depois de tantos `abaixo Alkatri`, recebi hoje um telefonema do senhor `Railos`. Ele pediu algumas coisas, claro que eu não vou mandar nada, porque não estou aqui para alimentar pessoas que usam fardas e armas da polícia, e estão completamente fora das instituições e aceitam ser instrumentos de outrem no assalto ao poder", frisou.

Questionado se o seu governo e a FRETILIN saem fragilizados deste processo, Mari Alkatiri disse não ter "dúvidas nenhumas" sobre esse objectivo.

"Esse é o objectivo. Não haja dúvidas: fragilizar o governo e ao fazê-lo, fragilizar a FRETILIN. Talvez seja uma esperança de reduzir a vantagem da FRETILIN para as eleições de 2007", respondeu.

A FRETILIN venceu confortavelmente as primeiras eleições gerais, realizadas em 2001, com 57,37 por cento.

Quanto à abertura de um processo de averiguações contra Rogério Lobato, que é também vice-presidente da FRETILIN, Mari Alkatiri considerou que o facto da investigação se iniciar desta maneira indicia uma "perseguição".

"Acho que começar logo por ele dá um sentido de perseguição. Mas tudo bem, se nós próprios tomámos a decisão de fazer um inquérito, tem que começar por alguém", afirmou.

Alkatiri disse estar disponível para colaborar com os investigadores, se para tal for solicitado.

"Naturalmente que tenho consciência disso [de que pode ser solicitado a prestar declarações] e também tenho a consciência bem tranquila", disse.

Implicado por "Railos" no processo de distribuição de armas a outros grupos de militantes da FRETILIN, Mari Alkatiri rejeita essa terminologia.

"Implicado não é a melhor palavra para ser usada. Mas se for solicitado para depor, irei", assegurou.

Com o processo de averiguações a começar pela audição de Rogério Lobato , Mari Alkatiri disse que falou hoje ao telefone por duas vezes com o seu ex-ministro.

"E falei uma vez presencialmente, olhos nos olhos. Ele disse-me que vai depor. Porque é que não há-de depor?", questionou.

Em entrevista publicada na última edição do semanário Expresso, Rogério Lobato reconheceu que preparou o grupo de "Railos" para ajudar a polícia a "actuar numa situação de guerrilha".

A este respeito, Mari Alkatiri comentou que se Rogério Lobato admitiu ter preparado o grupo "vai ter agora de apresentar a justificação das suas razões ".

Rogério Lobato "é um indivíduo responsável", sublinhou.

Relativamente à existência de grupos armados, Mari Alkatiri reconheceu ser tradicional em Timor a existência do que denominou "unidades de segunda linha".

"Neste país sempre houve, historicamente, as unidades de segunda linha.

Sempre houve. Já no tempo português havia a segunda linha, de tal forma que a fronteira era guardada por essas unidades. E as primeiras forças da FRETILIN eram da fronteira, formadas pela segunda linha", recordou.

O primeiro-ministro timorense garantiu que não foram criadas unidades de segunda linha com o objectivo de eliminar os seus adversários políticos.

"Isso de certeza que não. Falei com ele [Rogério Lobato] hoje e depois de ter dado a entrevista ao Expresso. Não há de certeza interesse nenhum. Muito menos de liquidar todos os peticionários. Isso seria um massacre", salientou, referindo-se aos cerca de 600 ex-membros das forças armadas, cujo afastamento este ve na base do actual conflito em Timor-Leste.

"Francamente. E abater um [Fernando] Lasama (líder do maior partido da oposição, o Partido Democrático)? Qual o interesse da FRETILIN em abater o presidente de um outro partido? Isso tudo soa-me a manipulação", continuou.

A referência aos peticionários e aos líderes da oposição como constando da alegada lista de alvos a eliminar foi feita segunda-feira por "Railos".

"Como se utilizaram todos os argumentos para tentar denegrir alguém, para tentar endemoninhar alguém, agora têm que utilizar mais um. Depois disto não sei o que virá. Estou convencido que não vão ficar por aqui", acrescentou Mari Alkatiri.

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