EUA. Menino negro de cinco anos detido, algemado e ameaçado pela polícia

Uma criança de cinco anos foi detida, repreendida e até algemada e ameaçada por dois polícias no Condado de Montgomery, nos Estados Unidos, por ter fugido da escola. Um departamento de polícia do Estado de Maryland divulgou um vídeo no qual se vê o menino a chorar enquanto os agentes lhe chamam "bestinha" e ameaçam bater-lhe. As imagens do momento estão a revoltar os que acham que esta não é a melhor forma de ensinar uma criança que agiu incorretamente.

Inês Moreira Santos - RTP /
Reuters

Na mesma semana em que começa o julgamento do polícia norte-americano que agrediu e assassinou George Floyd no ano passado - julgamento considerado pelo advogado da família do afroamericano como "um referendo" à justiça e igualdade na América - são partilhadas imagens de agentes da polícia a ameaçar bater numa criança afroamericana de cinco anos.

O incidente ocorreu em janeiro de 2020, depois de o menino ter saído da escola primária sem autorização e ter sido encontrado pela polícia sozinho na rua. O vídeo, divulgado na passada sexta-feira pelo Departamento de Polícia do Condado de Montgomery, mostra um dos policias a gritar insistentemente com a criança negra que chorava, com o rosto a centímetros do dele.

"Oh, meu deus, eu batia-lhe tanto", disse o agente na presença do menino antes de lhe dizer: "Não me envergonhas assim na escola".



O menino foi encontrado encostado a um carro depois de um funcionário da East Silver Spring Elementary School ter alertado as autoridades para o seu desaparecimento. Quando os polícias se aproximaram, começaram por tratá-lo por "pequeno companheiro", mas a abordagem posterior começou a deixar a criança cada vez mais nervosa.

"Achas que já podes tomar as tuas próprias decisões? Achas que és um adulto? O que estás aqui a fazer? Porque é que há pessoas à tua procura?", questionou um dos agentes.

O menino de cinco anos foi, então, obrigado a entrar no carro da polícia e levado de volta para a escola, onde um dos agentes continuou a repreendê-lo, indiferente ao choro da criança, enquanto aguardavam a chegada da mãe.

Ao longo dos 50 minutos do vídeo, vê-se que as interações entre os policias e a criança se intensificam: o menino chora e grita inconsolável, enquanto os agentes lhe dizem repetidamente que ele é "mau" e que deviam bater-lhe.

"A tua mãe bate-te? Ela vai bater-te hoje", ouve-se um dos polícias a dizer.

O vídeo mostra ainda um polícia a obrigar a criança, que não parava de chorar, a sentar-se numa cadeira na sala do diretor da escola.

"Cala a boca agora", gritou o polícia aproximando-se cara a cara com a criança. "Espero que tua mãe me deixe bater-te".

As imagens também mostram o administrador escolar a contar abertamente aos dois policias que o aluno tinha problemas de comportamento anteriores, fazendo comentários sobre os métodos de educação que a mãe da criança aplicava, na presença do menino, segundo o Washington Post.

Os polícias chegaram a colocar-lhe umas algemas, afirmando que se continuasse com estas atitudes, estas seriam as suas únicas amigas quando fosse adulto. Já depois de a mãe da criança ter chegado à escola, um dos polícias fechou as algemas num dos pulsos do menino e disse: "Sabes para que servem? São para prender pessoas que não querem ouvir e não sabem agir".
Comunidade revoltada pede demissão de agentes

Este incidente aconteceu em janeiro e a mãe do menino apresentou uma queixa contra a forma de atuação dos agentes, contra o Departamento da Polícia de Montgomery, contra o Sistema de Escolas Públicas do condado e contra o Conselho do Condado. Os advogados de Shanta Grant afirmam que esta quer justiça e uma compensação pelo trauma causado à criança e alegam que o vídeo mostra os agentes a tratar a criança "como se fosse um criminoso implacável".

"Ela também espera que este incidente traga mudanças na política e na formação, tanto da escola como da polícia", disseram os advogados, Matthew Bennett e James Papirmeister, num comunicado.

Também a administração escolar emitiu um parecer, no qual admite que as imagens são difíceis de ver.

"Não há justificação para se falar assim com uma criança. Enquanto pais e avós, sabemos que quando uma família envia o seu filho para a escola, espera que os educadores tratem bem dele, o mantenham seguro, e tenham uma intervenção apropriada", acrescenta.

Entretanto, o departamento de polícia de Maryland fez saber que na sequência do sucedido abriu uma investigação à forma de atuação dos dois agentes, cujas conclusões não serão reveladas, mas fez saber que os dois agentes continuam em funções.

"Está em curso uma investigação completa", garantiu o departamento da polícia num comunicado.

Para além de não serem mencionados os nomes dos agentes envolvidos no incidente com a criança, o porta-voz da polícia, Rick Goodale, disse que o departamento não ia comentar as conclusões judiciais nem mais detalhes sobre os polícias em causa por serem "registos pessoais e confidenciais de acordo com a lei [de Maryland]", escreveu numa mensagem à Associated Press no sábado.

Sabe-se apenas, segundo Goodale, que os dois agentes eram de origem afroamericana, assim como o menino de cinco anos.

Mas as imagens que estão a ser partilhadas desde sexta-feira estão a revoltar os líderes políticos e comunitários de Maryland.

O vereador do Condado Montgomery, Will Jawando, disse que o vídeo o deixou "doente".

"Assisti com horror ao que só pode ser descrito como um pesadelo que se desenrolou durante quase uma hora", reagiu Jawando através de um comunicado publicado no Twitter. "Todos nós vimos um menino a ser ridicularizado, ameaçado, colocado no banco de um carro da polícia(...). Isto é violência", acrescentou.



Já o governador do Condado de Montgomery, Marc Elrich, afirmou num comunicado que instruiu o chefe da polícia do Condado para rever a formação e a forma de atuação dos agentes com crianças.

"Os nossos polícias não são assistentes sociais, psicólogos ou terapeutas e não devem dar conselhos ou orientações sobre a educação que compete aos pais. As funções policiais devem terminar assim que o pessoal da escola estiver presente para tomar conta da criança", disse.

Elrich disse ainda que está "limitado" no que pode dizer sobre o assunto enquanto o processo judicial está a decorrer e que não pode revelar os "resultados disciplinares".

Quase 500 pessoas da comunidade de Montgomery assinaram uma carta aberta online exigindo que os dois agentes envolvidos no caso sejam suspensos ou demitidos. A carta também exige que o sistema escolar reveja os procedimentos para quando a polícia interage com as crianças nas escolas.

"Este incidente tornou-se uma notícia nacional, mas mais de um ano depois, ainda não foi totalmente abordado. Esse atraso na prestação de contas é injustificável e inaceitável", lê-se na carta.

"Este vídeo deixa claro que os polícias aterrorizaram esta criança de cinco anos quando era suposto que qualquer criança se sentisse segura e protegida na escola", disse também Tiffany Kelly, uma mãe e associada das Escolas Públicas do Condado de Montgomery e ativista da comunidade, num comunicado divulgado pela Coligação de Justiça Silver Spring.

O processo tem nomeados quatro réus: os dois agentes, o executivo do Condado de Montgomery como um todo e o Conselho de Educação do Condado.

Os polícias foram acusados ​​por agressão, imposição intencional de sofrimento emocional à criança e ainda outras acusações, de acordo com documentos judiciais a que o Washington Post teve acesso. Já o sistema escolar foi acusado por negligência.

"Os funcionários da East Silver Spring Elementary School tinham o dever de proteger [a criança] de danos e supervisioná-la adequadamente"
, esclarecem os mesmos documentos.
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