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EUA. Nancy Pelosi tramada por uma ida ao cabeleireiro

por Graça Andrade Ramos - RTP
A porta-voz do Presidente Donald Trump, Kaileigh McEnany, olha, dia 03 de setembro de 2020, para uma imagens do vídeo de Nancy Pelosi num cabeleireiro de São Francisco, apesar das regras sanitárias impostas pela pandemia de Covid-19 proibirem o atendimento dentro de portas. Reuters

A presidente da Câmara dos Representantes dos EUA está a ter uma das semanas mais difíceis da sua longa carreira política, com a agravante de ter servido de bandeja ao Presidente Donald Trump, que detesta, motivos de sobra para a denegrir. Tudo começou com uma ida ao cabeleireiro, segunda-feira, em São Francisco.

Câmaras de vigilância, instaladas pela dona do salão há alguns anos, captaram a terceira figura política mais importante da nação americana, de roupão e sem máscara, a passar uma porta após ter lavado o cabelo, e seguida por um homem de máscara.

No dia seguinte, a ida ao cabeleireiro de uma das mulheres mais poderosas do Partido Democrata era notícia em todo o país depois de as imagens terem sido transmitidas pela Fox News.

Deixando de lado os múltiplos memes sobre a cabeleira de Pelosi, que de imediato encheram as redes sociais, o caso era grave. Em plena pandemia, e quando ordens do Governo da Califórnia obrigam pequenos negócios, incluindo cabeleireiros, a manter as portas fechadas devido à pandemia de Covid-19, a exceção feita a Nancy, que é representante do Estado da Califórnia, acendeu um rastilho de críticas.O facto de a presidente da Câmara dos Representantes, uma das maiores defensoras do uso de máscara e de distância social, ser vista a desrespeitar ambas as recomendações, apenas reforçou as acusações de hipocrisia e de tratamento preferencial enquanto a economia local agoniza.

Quarta-feira, Nancy Pelosi tentou defender-se.

Lembrou que ninguém lava o cabelo de máscara, que frequenta aquele cabeleireiro há anos, que quando telefonou a marcar lhe garantiram que este procedimento era habitual e que estaria sozinha no salão. Finalmente, acusou a dona do cabeleireiro, Erica Kious, de lhe ter montado "uma armadilha" e exigiu um pedido de desculpas.

Sobre a violação de várias imposições num cenário pandémico, incluindo ter atravessado a linha do Estado de Washington para ir a São Francisco e ter ido arranjar o cabelo num local encerrado por ordens estaduais, nem uma palavra.
Pedido de desculpas
Na sua auto-defesa, Pelosi voltou a dar um tiro no pé. Atacou alguém no polo oposto da linha de poder, muito mais fraco e em enorme contraste com ela mesma.

Erica Kious é não só mulher e mãe solteira de duas crianças, sem qualquer experiência política, uma pessoa comum, mas também uma pequena empresária em extremas dificuldades, devido ao encerramento do seu estabelecimento desde a declaração da pandemia de Covid-19.

"Estamos quase acabados. Perdemos pelo menos 60 por cento dos nossos clientes. Perdi a maioria dos meus empregados", disse Kious, numa das suas múltiplas entrevistas após ser involuntariamente catapultada para a celebridade. "Seis meses é muito tempo para estar encerrado".

Ao defender-se das acusações de Pelosi, num comunicado lido e transmitido pelo YouTube, Erica Kious esclareceu que não foi ela quem fez a marcação, mas sim um cabeleireiro, Jonathan, a quem aluga uma cadeira e espaço de trabalho no salão.

Este mesmo confirmou, afirma Kious, que falou com a presidente da Câmara dos Representantes sobre a necessidade de reabrir os cabeleireiros ou, pelo menos, autorizar o atendimento pessoa a pessoa, tal como estava a fazer com ela. "Ninguém a tramou", afirmou, criticando a forma como Pelosi se apresentou como vítima. 



"Não devo desculpas a ninguém", afirmou, depois de contar aos microfones da Fox News que estava num avião quando a visita se deu e que foi só depois de aterrar que viu o vídeo de Pelosi, de roupão e sem máscara.

"Quem deve um pedido de desculpas ao país inteiro é a senhora Pelosi", acrescentou Kious.

A dona do salão explicou também que a razão para divulgar o vídeo foi a indignação ao ver Pelosi a violar as ordens sanitárias quando tantos salões de beleza e barbeiros que obedecem às regras se debatem para conseguir sobreviver. "Quis ajudar outros estilistas, como eu e como o Jonathan", afirmou.

Se Pelosi, de 80 anos e membro de um grupo de alto risco caso contraia Covid-19, se sente confortável a ir a um cabeleireiro em São Francisco, e pode ser responsável e cuidadosa, outros americanos deveriam poder fazer o mesmo, argumentou Kious. "Foi esse o meu objetivo", garantiu no seu comunicado, quase em lágrimas.
Ameaças de morte vs menina querida
Nancy Pelosi estará a ter uma semana difícil. Erica Kious está a viver um autêntico pesadelo. Tornou-se uma pária na cidade onde vive e entre os apoiantes do Partido Democrata. Recebeu mesmo ameaças de morte e de perseguição.

"O pior disto tudo é que vivo naquela comunidade há 12 anos e, desde que isto sucedeu, só tenho sido objeto de ódio - mensagens de texto, ameaças de morte, vão incendiar o meu salão. A minha página do Yelp está incrível de críticas negativas", lamentou numa entrevista quarta-feira à noite. "É pena que a minha comunidade faça isto, diga que eu a tramei quando não o fiz... Creio que não posso fazer mais nada aqui".

Em contraste, Kious tornou-se instantaneamente a menina querida dos republicanos.

De todos os Estados Unidos, doaram mais de 100 mil dólares numa campanha na rede GoFundMe iniciada pela antiga presidente do Partido Republicano no Nevada, Amy Tarkanian, para a ajudar a deixar São Francisco com a família. A governadora, republicana, do Dakota do Sul convidou-a a estabelecer-se no Estado.

"Enquanto antiga pequena empresária, nem consigo imaginar quão esmagadores estes últimos meses devem ter sido", tweetou Kristi iNoem. "E agora isto? Erika, se quiser dirigir o seu salão num Estado que respeita a liberdade e que não lhe irá fechar as portas, o Dakota do Sul está à sua espera".
Prenda a Trump
Enquanto isso, as imagens de Nancy em roupão e sem máscara, de cabelo molhado, inauguraram a conferência de imprensa da Casa Branca quinta-feira, numa iniciativa no mínimo surpreendente.

O vídeo passou em loop enquanto a porta-voz do Presidente Donald Trump, Kaileigh McEnany, denunciava Nancy Pelosi como alguém hipócrita, que se considera não só acima da lei como acima dos outros americanos, a quem obriga a condutas que ela mesma não respeita.



Pior, Pelosi, em vez de estar a trabalhar para o país e a defender aqueles mesmos pequenos empresários, como os cabeleireiros, tem feito nos últimos meses tudo para bloquear os programas de apoio à economia lançados pelo Presidente, acusou McEnany, dando vários exemplos.

A conduta de Pelosi na sua ida ao cabeleireiro tem sido objeto da análise perplexa de muitos comentadores norte-americanos.

"Pelosi sabe que a campanha de Trump não lhe irá dar o benefício da dúvida. Nunca. E que eles estão sempre à espreita de provas de que os líderes liberais [do Partido Democrata] têm realmente dois pesos: um para eles e outro para todos os outros", escreveu a analista da CNN, Chris Cilliza, num artigo titulado Nancy Pelosi deu uma prenda de campanha a Trump.

"Com tudo isto, é difícil de imaginar as razões que a levaram a cometer um erro destes" escreveu Cillizza.

Nancy Pelosi, como já lembrou Donald Trump, é a terceira figura do país. Se as eleições de novembro não produzirem um vencedor claro e se se der um impasse pela necessidade de eventuais recontagens e acusações de fraude, devido, por exemplo, a complicações com o voto postal, será ela enquanto Presidente da Câmara dos Representantes, a assumir a Presidência dos Estados Unidos.

Trump já perguntou aos americanos se é isso que querem. E o caso do cabeleireiro, ou o Pelosigate, como já é chamado, poderá tornar-se um dos seus maiores trunfos, se Nancy não preferir demitir-se.
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