Europa rema contra plano que alarga soberania de Israel na Cisjordânia

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu Reuters

A União Europeia está a abrir uma tímida ofensiva diplomática para demover o primeiro-ministro israelita do plano de anexação do que sobra ainda da parca autonomia palestiniana na Cisjordânia e Vale do Jordão. Benjamin Netanyahu poderá avançar dentro de semanas, a 1 de Julho, com uma proposta no Knesset para arrancar com a extensão da soberania israelita nos territórios, projecto que arrasaria uma futura constituição do Estado Palestiniano. Com o sim tácito dos norte-americanos, é na Velha Europa que crescem as reticências ao sonho do primeiro-ministro israelita.

A progressiva anexação na Cisjordânia e Vale do Jordão é um dos principais suplementos da negociação entre o Likud de Benjamin Netanyahu e a plataforma Azul e Branco de Benny Gantz, com quem o actual primeiro-ministro combinou uma chefia de governo rotativa. Gantz, agora no cargo de ministro da Defesa, deverá assumir o gabinete de primeiro-ministro em Novembro de 2021.

Netanyahu tem desta forma o apoio interno, contando também com os Estados Unidos, que apresentaram no início do ano um plano de paz israelo-palestiniano em que apenas as duas partes mais fortes andaram de volta da planta da Palestina: precisamente Estados Unidos e Israel. As resistências ao plano Netanyahu de extensão da soberania israelita na Cisjordânia e Vale do Jordão levantam-se porém na Europa, com os líderes do Velho Continente a deixarem ameaças veladas a uma política que, na verdade, tem décadas de progressão mais ou menos acelerada, consoantes as possibilidades da maré.

Na semana passada, o presidente da Autoridade Palestiniana (AP), Mahmoud Abbas, fez uma declaração dramática, anunciando a morte de todos os acordos com Israel, para colocar uma mira apontada a qualquer cooperação da AP em matérias de segurança. Não foi a primeira vez que Abbas extremou o discurso e será ainda cedo para avaliar as consequências desta nova posição dos palestinianos. Abre-se no entanto uma brecha no diálogo israelo-palestiniano, o que, por outro lado, não parece incomodar Netanyahu, que contará em todos os cenários com o apoio norte-americano.
Silêncio de Biden faz eco dos desejos de Trump

Depois de terem arrasado o plano de paz da equipa de Trump, os palestinianos apontam agora o silêncio de Joe Biden, o candidato democrata às presidenciais de Novembro. Apesar de em múltiplas ocasiões ter afirmado que as anexações seriam uma condenação de qualquer oportunidade para a paz, num cálculo eleitoralista, Biden tem mantido um silêncio sobre a sua política para a região e isso está a incomodar os palestinianos.

Mais concreta é a promessa do candidato, de que não reduzirá a ajuda americana a Israel caso seja eleito, “dada a séria ameaça que Israel enfrenta” na região. “Isso seria, penso, irresponsável”, declarou Joe Biden ainda na semana passada.
Apesar de tudo, a galopante anexação israelita dos territórios ocupados é vista como uma linha vermelha até pelos norte-americanos em geral, um ponto de não-retorno – na expressão do embaixador palestiniano para o Reino Unido, Husam Zomlot – que estenderia de forma definitiva a soberania de Israel na Palestina, deitando por terra a solução de dois Estados para a região.

Esta terça-feira, Husam Zomlot criticou Joe Biden por esse vazio democrata no dossier do Médio Oriente, essa ausência de censura a um passo que Netanyahu se prepara para dar na Cisjordânia. O diplomata acredita que uma declaração do candidato democrata poderia ser um importante factor de dissuasão para as intenções do primeiro-ministro israelita: “Não estamos a ver nenhuma alavanca política na campanha de Biden que realmente altera a posição de forças. Até agora, não há nada que realmente possa fazer recuar Netanyahu”.

“E se ninguém pede agora a aplicação de sanções, se a anexação não merece a imposição de sanções pelos Estados Unidos, não sei o que realmente é necessário, [porque] se Netanyahu não ouvir a palavra sanções, então o seu plano prosseguirá e vai [decretar a] anexação”, alertou o embaixador palestiniano.
Europa quer mas não manda

Com o Novo Continente relativamente cómodo com o evoluir da situação no Médio Oriente é a Europa que se levanta contra os intentos israelitas. Aliás, sem o apoio dos líderes europeus, a Autoridade Palestiniana estaria relativamente isolada, já que à, excepção do rei da Jordânia, os Estados árabes da região também não se mostram particularmente interventivos na questão, num cenário que franqueia o caminho ao plano de Netanyahu para a Cisjordânia e Vale do Jordão.

Uma das vozes europeias mais activas contra a progressão israelita nos territórios palestinianos é a de Josep Borrell, alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança. Borrell tem-se manifestado muito crítico das intenções de Benjamin Netanyahu, de estender a soberania na Cisjordânia. No entanto, após uma conversa mantida ontem com o ministro israelita dos Negócios Estrangeiros, poucas ou nenhumas foram as palavras sobre o assunto da anexação em concreto.

De acordo com a edição online do The Times of Israel, o que ficou dessa conversa resume-se no “compromisso inequívoco da União Europeia para com a segurança do Estado de Israel, que não é negociável para a UE” e na intenção da União, de “abordar questões conjuntas de interesse mútuo” e de “trabalhar com Israel para promover a paz e a segurança globais e contribuir para a construção da confiança, em particular na região”.

Depois das críticas das últimas semanas, essa garantia de Borrell do vínculo europeu para com “a segurança de Israel” surge como uma quase concessão face às críticas do Ministério israelita dos Negócios Estrangeiros, que acusou o chefe da diplomacia da União de ter verberado o plano israelita como uma ameaça quase definitiva à solução dos dois Estados para a questão israelo-palestiniana.

Virtude diplomática ou cedência de Borrel, a verdade é que depois da conversa com Ashkenazi nem uma palavra sobre o assunto que, apesar de incómodo, é o único que interessa tratar neste momento. Ou seja, nem uma palavra sobre o tema da anexação.

A contestação partiria mais de cima. Vários líderes de governo da União terão enviado cartas a Benjamin Netanyahu para demover o executivo israelita dos seus objectivos na Cisjordânia e Vale do Jordão.

Um desses líderes foi o presidente francês, Emmanuel Macron: “Peço-lhe, num espírito de amizade, que o seu novo governo não tome medidas unilaterais [na Cisjordânia]. Isso desestabilizaria o Médio Oriente. Só o diálogo com os palestinianos e uma solução justa e equilibrada proporcionarão paz, segurança e estabilidade a Israel”.

O conteúdo da missiva, tornado público esta terça-feira pelo Channel 13 revela o mote de cartas semelhantes enviadas por outros políticos de proa da liderança europeia: o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, ou o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte.

Circulam ainda informações que apontam para uma acção mais firme, com o delinear de uma estratégia que leve Netanyahu a pensar duas vezes antes de pôr em marcha a anexação, mas as mesmas fontes deixam perceber que os europeus estão divididos quanto ao caminho a tomar neste momento. Em particular, Hungria e Áustria estarão a ser o maior travão a medidas concretas em caso de avanço do plano do governo israelita.
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