Faixa de Gaza. ONU acusa Israel de "crime de guerra" por "utilizar" alimentação como arma

por Cristina Santos - RTP
Palestinianos, deslocados pela guerra Israel-Hamas, com ajuda alimentar no norte da Faixa de Gaza. EPA

Mais duas dezenas de pessoas foram mortas a tiro, na última madrugada em Gaza, por balas israelitas perto de um centro de distribuição de alimentos. A ONU acusa Israel de utilizar a fome e a distribuição de comida como arma de guerra na Faixa de Gaza.

As Nações Unidas sublinham que está em causa “um crime de guerra” e apelam ao exército de Israel que "pare de abater a tiro as pessoas que procuram comida”. 

A denúncia surge depois de mais 21 pessoas terem sido mortas enquanto procuravam alimentos próximo de um centro de distribuição da Fundação Humanitária de Gaza (grupo de entrega de alimentos apoiado por Israel e pelos EUA).

De acordo com a Defesa Civil da Faixa de Gaza, para além das 21 vítimas mortais, cerca de 150 pessoas ficaram feridas quando “as forças de ocupação israelitas atacaram civis que aguardavam ajuda na Estrada Salaheddine (entre o chamado cruzamento de Netzarim) e a ponte sobre Wadi Gaza”.

À France Press (AFP), um porta-voz desta organização palestiniana garante que foram “disparadas balas e foram lançados projéteis de tanques" contra a população durante a madrugada, entre as 2h00 e as 6h00, hora local (00h00 e 4h00 em Portugal continental) desta terça-feira.

Dadas as restrições à presença de jornalistas na Faixa de Gaza e as dificuldades de acesso ao território, a AFP sublinha que não pode verificar de forma independente o número de mortos anunciado pela Defesa Civil. 

No entanto, a Agência France Press contactou o exército israelita que não fez, para já, quaisquer comentários.
“Crime de guerra”O escritório de direitos humanos da ONU acusa Israel de transformar "os alimentos para os civis em armas" e sublinha que isso constitui um crime de guerra. 

Estas são as acusações mais duras da ONU sobre o novo modelo de distribuição de ajuda administrado por uma organização apoiada por Israel.

Numa conferência de imprensa em Genebra, esta terça-feira, o porta-voz do gabinete da ONU para os Direitos Humanos afirma que "pessoas desesperadas e famintas em Gaza continuam a ter que fazer uma escolha desumana”. Têm que escolher entre “de morrer de fome ou correr o risco de serem mortas enquanto tentam obter alimentos", sintetiza Thameen Al-Kheetan.
O porta-voz das Nações Unidas para os Direitos Humanos assegura que "a transformação de alimentos para civis em armas, para além de restrição ou proibição de acesso a serviços essenciais à vida, constitui um crime de guerra e, em certas circunstâncias, pode configurar outros crimes” à luz do direito internacional.

Desde 26 de maio que a distribuição de ajuda está nas mãos da Fundação Humanitária de Gaza (GHF), apoiada por Israel e pelos EUA e por Israel. Isto depois de o governo israelita ter proibido o fornecimento de ajuda humanitária da ONU à Faixa de Gaza durante mais de dois meses. As Nações Unidas e os principais grupos de ajuda humanitária recusam-se a cooperar com a GHF — uma iniciativa supostamente privada com financiamento obscuro. 
Temem que a Fundação Humanitária de Gaza tenha sido criada para promover objetivos militares israelitas.

O porta-voz da ONU para os direitos humanos afirma que, desde que a GHF começou a operar, "o exército israelita bombardeou e disparou contra palestinianos que tentavam chegar aos pontos de distribuição, resultando em inúmeras baixas". "Pelo menos 3.000 palestinianos ficaram feridos nestes incidentes", afirma Thameen Al-Kheetan, e "mais de 410 palestinianos foram mortos” em menos de um mês.
São ainda contabilizadas “pelo menos outras 93 pessoas que também foram mortas pelo exército israelita enquanto tentavam aproximar-se dos raros camiões de ajuda da ONU e de outras organizações humanitárias" que conseguem entrar na Faixa de Gaza.

O Gabinete de Direitos Humanos da ONU exige medidas imediatas para resolver a situação e acabar com um sistema que "coloca os civis em perigo e contribui para a grave situação humanitária em Gaza".

O porta-voz apelou ainda à comunidade internacional para "tomar medidas concretas para garantir que Israel – a potência ocupante em Gaza – cumpre a sua obrigação de assegurar que a população recebe alimentos e bens de necessidades básicas suficientes". 

Em maio, as Nações Unidas declararam que toda "a população" do território palestiniano estava "em risco de fome".

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