Farinha produzida a partir de insetos aprovada na Europa para consumo humano

Foi dada luz verde, por parte da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, ao consumo humano da designada "farinha amarela" produzida a partir de insetos. Uma autorização que, aos olhos do cidadão comum, pode parecer no mínimo arrepiante, mas que do ponto de vista económico - e proteico - surge enquadrada num mercado cada vez mais rentável.

Geralmente, quando falamos em insetos, no contexto europeu, somos remetidos para mercados asiáticos, onde o consumo destes bicharocos é uma presença regular. Mas se ao cidadão ocidental repugna, normalmente, este tipo de alimentação, já o setor industrial vê este mercado como um forte potencial económico, quer para alimentação animal, quer agora para alimentação humana.

Com a aprovação por parte da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (ESFA), os insetos deram um pequeno, mas gigante passo para ficar mais perto dos pratos europeus.
Farinha amarela a partir de insetos Besouros fritos, larvas cozidas, escorpiões crocantes são só um pequeno exemplo da variadíssima palete de sabores e de nutrientes que os insetos nos podem oferecer e que os mercados orientais já utilizam.

E por cá? Será que esse mercado também já faz parte do consumo dos europeus?

Embora ainda não encontremos nas grandes superfícies de consumo produtos tão exóticos como os referidos, existem, contudo, no mercado paralelo e em determinados locais em Portugal produtos deste tipo que é possível adquirir. A questão - além da pergunta quero mesmo provar isto? - é a garantia que o adquirido é mesmo saudável e sem riscos para a saúde humana.

Perguntas legítimas que foram colocadas a escrutínio pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, entidade reguladora alimentar da União Europeia, relativamente a produtos com origem nestes pequenos seres. Mas não se pense que, lá por se comer insetos nos países asiáticos, por cá também passe a ser normal surgirem grilos ou larvas frescas nas prateleiras dos supermercados.

As regras são muito apertadas e até agora a única autorização para a criação de um produto alimentar feito a partir deste produto é a farinha amarela.

A "farinha amarela" é o sub-produto derivado das trituração e secagem de larvas do besouro da farinha. Foto: Direitos Reservados
Feita a partir da forma larval do besouro da farinha, "a farinha amarela é um produto bastante testado e considerado seguro para o consumo humano, na forma completa e como aditivo em pó". A afirmação é feita pela órgão de vigilância alimentar da União Europeia, depois de um pedido realizado por um criador de insetos francês EAP Group SAS - Micronutris, agora conhecido como Agronutris.

Este parecer da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos é apenas um primeiro passo neste campo. O objetivo é fornecer o mercado com produtos destes derivados como barras proteicas, bolos e biscoitos e outros alimentos que contenham os insetos como ingrediente.

Produtos cada vez mais procurados, para já de origem animal (ex-claras de ovo), sendo estes encontrados nas zonas Bio, e que fornecem suplementos alimentares necessários ao corpo humano.

Um mercado que não está a escapar às indústrias transformadoras que começam a apostar cada vez mais neste promissor cluster alimentar.Até os bugs são rentáveis O mercado já conhece e usa a potencialidade dos insetos para alimentação animal. Mas a decisão tomada agora pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos vem trazer uma nova perspetiva económica.

Para a consultora Arcluster, citada pela Bloomberg, a previsão para o negócio de criação de insetos vai crescer cerca de dez vezes, chegando ao valores que podem rondar os 3,4 mil milhões de euros, globalmente até 2025.


Este tipo de alimento está a emergir comofonte ainda mais sustentável de proteína graças ao menor impacto ambiental e alto valor nutricional, atraindo recordes de financiamento de capital de risco e atenção de gigantes como Cargill Inc. e Nestlé SA.

"É um marco claro e importante para todo o setor”, disse Antoine Hubert, co-fundador da Ynsect SAS de França, criador de larvas de farinha.

Hubert, com esta aprovação, diz mesmo que está já a pensar na expanção deste tipo de produto para nutrição desportiva. "Com esta aprovação da EFSA haverá um efeito de bola de neve. Isso aumentará o potencial para investir em mais capacidade e atrair mais financiamento para apoiar o crescimento", refere o co-fundador da Ynsect SAS. 


Para já, a empresa francesa dedica-se em exclusivo à criação de minhocas para alimentar peixes e animais de estimação. Com esta aprovação no campo alimentar humano, o mercado financeiro não ficou alheio e há já, de acordo com a Bloomberg, investidores de capital de risco a injetar dinheiro na Ynsect SAS.

Entre os financiadores estão nomes como o belga Astanor Ventures, a Upfront Ventures Management, com sede em Los Angeles, e a FootPrint Coalition, um grupo de investimento fundado pelo ator Robert Downey Jr., conhecido, entre outros, pelo papel de Iron Man, disse a empresa Ynsect SAS numa declaração à cadeia informativa económica.

Estima-se que o investimento ronde um total de 185 milhões de euros, o que elevará o financiamento da empresa e impulsionará a exploração agrícola de insetos.

"Para os investidores, este é de facto um sector mais do que promissor", diz Antoine Hubert. "Não é o futuro, é agora".

De acordo com a empresa, o dinheiro irá para a construção de uma das maiores explorações de insectos do mundo em Amiens, no norte de França, e para a expansão das operações para a América do Norte e Ásia.Autorização desperta outros pedidos A aprovação e avaliação de risco de insetos como novos alimentos por parte da EFSA está a ser seguida de perto por outras empresas no ramo, que têm outros 14 pedidos pendentes, mas com base em grilos a gafanhotos.

Apesar da aprovação, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos diz poderem existir reações alérgicas à farinha proveniente das larvas. Continuam a decorrer testes mais minuciosos sobre o produto para consumo humano.

Foto: Protix/DR

A Europa está na vanguarda da crescente aposta nesta área, identificando já os insetos como parte da agenda alimentar sustentável . As autoridades da União Europeia continuam a investir dinheiro em pesquisas e fábricas e este sector económico já fornece regularmente farinha para alimentação para peixes, cães e gatos (eventualmente gado).

A aposta é claramente no futuro, cada vez mais presente, e colocar os insetos e seus derivados na cadeia alimentar pode ser a solução para alimentar o mundo.Insetos para animais e humanos?
A Plataforma Internacional de Insetos para Alimentos e Rações espera que, no seguimento natural deste produto, esteja a alimentação de animais para consumo humano (aves, suínos e bovinos).

De acordo com o lobby que defende esta área económica, sediado em Bruxelas, da produção projetada para consumo europeu, cerca de três milhões de toneladas de proteína de inseto em 2030, apenas dez por cento será para alimentação humana, sendo grande parte canalizada para a alimentação animal.

“Há cada vez mais oportunidades de trabalhar com novos ingredientes sustentáveis para a indústria de ração animal”, disse Helene Ziv, diretora de gestão de risco e sourcing do negócio de nutrição animal da Cargill, numa entrevista. “Na verdade, acreditamos muito nos insetos. Estamos muito confortáveis com sua qualidade nutricional”.

As larvas da mosca soldado negra [Hermetia illucens] é a fornecedora principal para a criação da ração proteica para peixes e animais domesticos. Foto: Direitos Reservados.
Cargill tem uma parceria com a InnovaFeed SAS para fornecer proteína com base em insetos para alimentação piscícola. Mas há já quem queira apostar em projetos de maior escala, como a Archer Daniels-Midland Co., que pretende cultivar e produzir larvas da mosca soldado negra [Hermetia illucens] em Illinois, mas não só. A bem conhecida Nestlé, maior empresa de alimentos do mundo, já veio referir estar a criar uma linha de rações para animais de estimação feita a partir de insectos.
Europa rende-se (aos poucos) aos insetos Apesar de na Europa este mercado alimentar ainda não estar muito difundido, existe já um grupo de países, incluindo Finlândia, Bélgica e Holanda, que já permitem a venda de alimentos contendo insetos.

Estima-se que haja já duas mil espécies de insetos na dieta de cerca de dois mil milhões de pessoas em todo o mundo.

Uma empresa que está já a movimentar-se na direção à mesa do consumidor é a Protix, que opera a maior produção de insetos na Europa. Com investidores como a Aqua-Spark e o Rabobank, para o fabricante de Dongen, com sede na Holanda, a criação de larvas de moscas pretas para alimentar peixes e animais de estimação é uma forte aposta. No verão passado, esta empresa abriu uma loja online que vende alimentos feitos com grilos e larvas de farinha e com resultados bastantes positivos.
Os insetos são a solução, afirma a empresa europeia Protix. Na sua página na internet pode ler-se que "a proteína proveniente dos insetos é a resposta para muitos dos problemas que hoje enfrentamos. As fontes convencionais de proteína, como soja e carne, consomem grandes quantidades de terra e água e costumam ter um impacto severo nos ecossistemas. Os insetos são os maiores estimuladores da natureza. Eles podem transformar resíduos de frutas e vegetais em valiosa massa corporal muito rápido e com baixo impacto sobre os recursos: uma tonelada de insetos pode ser cultivada em quatorze dias numa área de terra de apenas 20 metros quadrados."
É um produto que, à partida, não parece ser muito estimulante ao consumo, mas de acordo com Kees Aarts, CEO da Protix BV, numa entrevista recente, a receita mais do que quadruplicou no ano passado.

“É tão bom estar na vanguarda de uma categoria totalmente nova de nutrição”, diz Aarts. “Veremos uma nova gama de aplicações a surgir neste setor. Estamos apenas a arranhar a superfície do potencial que estas pequenas criaturas nos oferecem [Hermetia illucens]”.

Neste campo, a exploração Amiens, pertencente à empresa Ynsect SAS, é atualmente gerida em grande parte de forma automata, e estima-se que irá produzir cerca de um milhão de toneladas de produtos derivados dos insetos por ano. Produtos com destino à alimentação de peixes, animais de estimação e fertilizantes para  plantas.

Com abertura agendada para o início de 2022 de uma nova fabrica nesta área, a Ynsect SAS, que gere já uma pequena fábrica na Borgonha, França, assegurou mais de 86,5 milhões de euros em contratos de venda, incluindo do produtor espanhol de vinho Miguel Torres SA e do produtor de alimentos para peixe Skretting AS.