Fillon, Juppé, Sarkozy: quem pode fechar a estrada a Le Pen?

Depois de Washington, as atenções viram-se para Paris. Em 2017, uma França confrontada com o crescimento da extrema-direita elege um Presidente. A direita republicana escolhe por estes dias o seu candidato, numa escolha seguida atentamente por Marine Le Pen. Há candidatos que tornariam mais credível a chegada da extrema-direita à liderança da República da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

2016 transformou-se num ano de surpresas políticas. A vitória do Brexit no referendo britânico e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos assim o confirmam. Em curso, ainda um referendo que poderá derrubar Matteo Renzi da chefia do Governo italiano.

O ano de 2017 poderá não ser melhor, com eleições presidenciais em França e na Alemanha, ambas confrontadas com o crescimento da extrema-direita.

No caso francês, o futuro começa a decidir-se ainda este ano, com as eleições primárias da direita e do centro. Com Hollande num verdadeiro abismo de popularidade que deverá mesmo afastar a esquerda da segunda volta, a escolha do candidato republicano ganha importância redobrada.

O ex-primeiro-ministro Alain Juppé, mais moderado e próximo do centro, é apontado como favorito, seguido do ex-Presidente Nicolas Sarkozy, que tem radicalizado o discurso perante a ascensão da Frente Nacional.

No entanto, os números mais recentes indicam que esta não será uma mera corrida entre os dois. François Fillon, ex-primeiro-ministro de Sarkozy, cresce nas sondagens e poderá mesmo sair vencedor das primárias. A prejudicar as contas de Alain Juppé está ainda o anúncio de candidatura do ex-ministro da Economia Emmanuel Macron.

Perante a ascensão da Frente Nacional de Marine Le Pen, a primária do centro e da direita ganha novo relevo. Tanto Juppé como Sarkozy aparecem como vencedores de uma eventual segunda volta frente à candidata da extrema-direita. Mas não há favas contadas.

A ter em conta, a vitória de Donald Trump nas Presidenciais norte-americanas e o efeito que esta pode ter na campanha nacionalista.

1. Uma primária inédita
2. Quem vai vencer a Primária?
3. Le Pen pode chegar ao Eliseu?
4. Caos à esquerda



Uma primária inédita

Pela primeira vez, o candidato presidencial da direita será eleito no âmbito de uma primária aberta a todos os franceses. A eleição reúne candidatos do centro e da direita, com sete nomes a disputar um lugar privilegiado na corrida ao Eliseu.

A primeira volta da primária republicana realiza-se este domingo. Uma segunda votação entre os dois candidatos preferidos terá lugar no dia 27 de novembro.A maioria dos candidatos liderou ministérios durante a presidência de Nicolas Sarkozy. Conheça-os aqui.

Todos os que estão inscritos nas listas eleitorais podem votar, tendo no entanto que assinar uma declaração em que dizem “partilhar os valores da direita republicana e do centro”. Devem ainda pagar dois euros para votar em cada uma das voltas.

Estarão abertos mais de dez mil locais de voto em território francês, sendo o voto eletrónico, mediante registo prévio, permitido para franceses que residem no estrangeiro. O voto por procuração não é permitido, depois de irregularidades terem pautado a última eleição para a presidência do partido.

O resultado final dependerá sempre da afluência que se registará às urnas, não havendo estimativas oficiais.

Algumas sondagens indicam que cerca de dez por cento dos eleitores têm interesse nesta primária, o que equivaleria a cerca de 4,5 milhões de votantes. A concretizar-se, a primária do centro e da direita teria o dobro da participação do que a registada na primária socialista de 2011.



Quem vai vencer a primária?

A maioria das sondagens prevê que Alain Juppé saia vencedor da primária da direita e do centro. O cenário mais provável é o autarca de Bordéus ser o mais votado na primeira volta, com a sondagem divulgada esta quinta-feira por Le Monde a atribuir 36 por cento de votos ao candidato.

O ex-Presidente Nicolas Sarkozy deverá chegar em segundo lugar, apurando-se para a segunda volta. Na segunda ida às urnas, entre Juppé e Sarkozy, as sondagens indicam que o ex-primeiro-ministro sairia vencedor frente ao ex-Presidente.



Um terceiro elemento tem vindo a baralhar as contas. No espaço de uma semana, François Fillon, impulsionado pela boa prestação nos debates televisivos, cresceu dez pontos percentuais nas intenções de voto e ameaça quer Sarkozy quer Juppé. 

O inquérito da OpinionWay coloca Fillon em segundo lugar com a mesma percentagem de votos de Nicolas Sarkozy. Esta sondagem atribui mesmo a vitória na segunda volta a François Fillon, contra qualquer um dos outros dois candidatos. A projeção feita para Le Monde mantém Fillon fora da segunda volta, mas em trajetória ascendente.


Os números das sondagens apresentam variações relevantes entre institutos e a própria fiabilidade destes inquéritos é posta em causa, uma vez que está muito dependente dos níveis de participação e da própria definição do corpo eleitoral. Os eleitores de esquerda tentarão votar? Os eleitores de extrema-direita participarão na primária?

Mais do que possíveis vencedores, as sondagens revelam que há uma tendência de crescimento das intenções de voto em François Fillon e uma descida do apoio a Alain Juppé. Resta perceber como se traduzirá esta tendência no voto e na afluência às urnas.



Le Pen pode chegar ao Eliseu?

Feitas as contas à direita, importa perceber a forma como o candidato escolhido condicionará a eleição nacional. Afinal, a França assiste há vários anos a um forte crescimento da Frente Nacional de Marine Le Pen.

A FN saiu vencedora das eleições europeias em 2014 e tem conseguido resultados significativos quando se contabilizam os votos totais – resultados que acabam por não ver traduzidos em poder real no Parlamento, nas autarquias, regiões e departamentos devido às especificidades do sistema eleitoral francês. 
A seis meses da eleição reina ainda a indefinição quanto aos principais candidatos ao Eliseu. As sondagens jogam ainda com as diferentes hipóteses possíveis.

Marine Le Pen apresenta-se, novamente, como a candidata da Frente Nacional ao Eliseu. As sondagens indicam que a filha de Jean-Marie Le Pen poderá mesmo ser a mais votada na primeira volta.

O estudo do CEVIPOF para Le Monde coloca, em qualquer caso, Marine Le Pen na segunda volta.

Mesmo assim, o percurso e a vantagem da candidata da extrema-direita variam em função dos seus opositores. Alain Juppé apresenta-se como o melhor posicionado para enfraquecer a candidatura nacionalista.



A sondagem publicada na quinta-feira por Le Monde prevê mesmo que Alain Juppé seja o mais votado na primeira volta: teria 36 por cento de votos se François Hollande fosse o candidato do PS e 34 por cento caso a escolha socialista recaísse sobre o primeiro-ministro Manuel Valls.

A mesma sondagem indica que Alain Juppé fica prejudicado com a entrada na corrida de Emmanuel Macron, que deverá tentar chegar ao Eliseu sem passar pela primária socialista. Com Macron, Juppé perde cinco pontos percentuais nas intenções de voto.

Mesmo assim, o autarca de Bordéus permanece à frente de Marine Le Pen, também ela prejudicada pela entrada de Macron.

Numa segunda volta, Juppé derrotaria Le Pen com alguma facilidade. Em outubro, a sondagem da Ifop atribuía 68 por cento de intenções de voto a Juppé e 32 por cento a Marine Le Pen.

A vitória de Nicolas Sarkozy nesta eleição primária já daria lugar a um cenário diferente. A sondagem de Le Monde prevê que o candidato passe à segunda volta, mas apenas em segundo lugar. Marine Le Pen seria a mais votada na primeira volta.

A candidatura do ex-Presidente fica prejudicada com a entrada em cena de François Bayrou. O candidato do Modem, um partido do centro, apoia Juppé e não deverá candidatar-se caso o autarca de Bordéus vença a primária. Caso seja Sarkozy, o caso muda de figura.


Bayrou conseguiria entre 11 a 12 por cento das intenções de voto, enquanto Nicolas Sarkozy se ficaria pelos 21 a 22 por cento – um valor muito inferior ao conseguido por Juppé. É ainda de notar que a sondagem publicada por Le Monde não inclui nenhum caso em que Sarkozy tem de concorrer com Emmanuel Macron, uma candidatura que o deverá prejudicar.

Em outubro, o instituto Kantar previa que o ex-ministro da Economia conseguisse até 18 por cento de votos, ficando a escassos três pontos percentuais de Nicolas Sarkozy (21 por cento) e do apuramento para a segunda volta.

A concretizar-se o apuramento de Sarkozy para a segunda volta, a sondagem de outubro do Ifop prevê uma vitória do ex-Presidente por 58 por cento. Uma margem curta para uma personalidade política à partida mais facilmente atacável.

Afinal, vários casos judiciais afetam ainda este homem que deixou o poder há relativamente pouco tempo e cujo balanço muitos franceses não terão esquecido. Ainda é preciso contabilizar o efeito que a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos poderá ter na candidatura de Marine Le Pen. A seis meses das eleições, ultrapassar uma diferença de dez pontos percentuais não é assim tão impossível.

Afinal, a poucos meses das eleições de 2012, as sondagens chegaram a dar uma vantagem de 28 pontos percentuais a François Hollande. Na volta decisiva das eleições, o candidato socialista acabaria por vencer Sarkozy com uma vantagem de apenas três pontos percentuais.

Seja por convicção ou para pressionar o eleitorado mais moderado, a possibilidade de Marine Le Pen chegar ao Eliseu tem sido evocada por responsáveis de todos os quadrantes políticos.



Confusão à direita, caos à esquerda

As sondagens revelam bem a forma como o candidato escolhido pelos partidos irá influenciar a eleição presidencial. Aliás, os estudos até agora realizados apresentam-se como verdadeiros puzzles, fruto da elevada indefinição que reina no tabuleiro político francês.

Pode parecer bizarro, mas o centro e a direita até são os que se encontram mais bem definidos. Os Republicanos terão apenas um candidato, que será decidido na eleição primária. Em aberto está a possibilidade do centrista Modem apresentar um candidato próprio caso Alain Juppé não seja o vencedor da primária.

À esquerda há mais dúvida. O Partido Socialista e seus aliados organizam no princípio de 2017 a primária da Bela Aliança Popular. É ela quem vai definir um dos candidatos da esquerda. Por enquanto, ainda não são conhecidos todos os candidatos a esta primária.

Os ex-ministros socialistas Arnaud Montebourg e Benoît Hamon, associados à ala esquerda do partido, já oficializaram a candidatura, bem como vários candidatos menos conhecidos do grande público. O Presidente François Hollande ainda não anunciou se avança com uma recandidatura. O primeiro-ministro Manuel Valls também poderá entrar na corrida.

As candidaturas à esquerda apresentam bem o rumo que tomou o Governo de François Hollande. Dois candidatos à primária foram seus ministros, e o seu próprio primeiro-ministro poderá avançar contra uma recandidatura do Presidente. O quadro não fica ainda fechado.


O seu ex-ministro da Economia Emmanuel Macron oficializou já a candidatura ao Eliseu, embora o deva fazer fora do quadro da primária socialista. É mais um candidato a incluir no quebra-cabeças em que se transformou o tabuleiro político francês. As sondagens indicam mesmo que Emmanuel Macron conseguirá mais votos do que o candidato que sair da primária socialista.

No lado esquerdo do espectro político há ainda que contar com o candidato ecologista Yannick Jadot que saiu vencedor da primária que se realizou em outubro e novembro de 2016.

Jean-Luc Mélenchon será o candidato da Frente de Esquerda, o equivalente gaulês do Bloco de Esquerda. As sondagens indicam que Mélenchon deverá crescer em relação a 2012, quando conseguiu 11,1 por cento dos votos na primeira volta.

As sondagens do Ifop, Kantar e BVA admitem que Mélenchon possa ficar à frente do candidato que sair da primária socialista. Nos números do CEVIPOF, Mélenchon fica à frente do candidato socialista em todos os cenários.

Quem também apresenta forte crescimento em relação a 2012 são os partidos mais à direita. O nacionalista Nicolas Dupont-Aignan do partido Debout la France poderá conseguir cinco por cento dos votos, valor muito superior aos 1,8 por cento que tinha obtido em 2012.

Os extremos do espectro político crescem, encabeçados pela nacionalista Marine Le Pen. O que parecia impossível há poucos anos torna-se agora um cenário credível. A passagem à segunda volta não é surpresa, nem inédito.


Aconteceu já em 2002 quando, com um discurso mais radical do que o apresentado agora pela filha, Jean-Marie Le Pen conquistou o segundo lugar na primeira volta, remetendo para a terceira posição o socialista Lionel Jospin.

Aí houve surpresa. Aí, Jean-Marie Le Pen foi derrotado na segunda volta por Jacques Chirac, que conquistou 82 por cento dos votos. Em 2017, ninguém poderá dizer que foi surpreendido pela vitória de Le Pen na primeira volta. Uma vitória na segunda votação e a chegada da Frente Nacional ao Eliseu serão menos expectáveis mas a possibilidade não é de todo descabida.

Nas palavras de Marine Le Pen, a vitória de Donald Trump tornou “possível o que antes se apresentava como impossível”.

Grafismo: Sara Piteira - RTP
Fotografias: Martin Bureau, Stephane Mahe, Jean-Paul Pelissier, Philippe Wojazer - Reuters