A Índia é o caso de estudo mais conhecido, mas a tendência é internacional. O fecho das escolas devido à pandemia de Covid-19 deu um novo fôlego à exploração do trabalho infantil e às redes de tráfico de crianças, para exploração laboral ou sexual.
Contra a meteórica proliferação do trabalho infantil, pouco tem podido a legislação indiana, que proíbe o emprego de crianças abaixo dos 14 anos, e que proíbe também o emprego entre os 14 e os 18 anos em trabalhos que possam afectar o normal desenvolvimento físico, intelectual e emocional das crianças.
O fecho das escolas coincidiu com a perda de emprego de milhões de adultos e as famílias, para terem algo que comer, passaram a tolerar ou mesmo a encorajar a exploração laboral das crianças. E, depois, muitas dessas crianças são levadas para trabalhar fora da sua área de residência e ficam à mercê de empregadores nada escrupulosos, sem possibilidade de voltarem a recorrer à família.
Segundo Prabhat Kumar, vice-diretor da organização Save the Children India, "nos últimos seis meses, o trabalho infantil e o casamento de crianças tornaram-se mecanismos compensatórios para famílias que se endividaram ou caíram na pobreza durante a pandemia. Ao mesmo tempo, a procura de trabalho barato, infantil, aumentou enormemente".
As perspectivas são sombrias, porque, ainda segundo Kumar, "a nossa experiência mostra que, uma vez tendo a criança começado a trabalhar e a ganhar mesmo pouco dinheiro, é pouco provável ela voltar para a escola. O que se segue é um ciclo de pobreza e vulnerabilidade e exploração. Estas crianças trabalham 16 horas por um salário inferior ao mínimo e muitas vezes desenvolvem graves problemas de saúde".
Calcula-se em dezenas de milhões o número de crianças que, desde o início da pandemia, foram traficadas para trabalhar em fábricas de vestuário ou de joalharia, em fabriquetas imundas ou em oficinas de mecânica automóvel das grandes cidades.
Para cúmulo, a partir de junho, quando a economia começou a desconfinar, os industriais procuraram compensar três meses de prejuízos recrutando apenas o trabalho mais barato possível - ou seja, recusando empregar adultos e dando absoluta preferência às crianças. As famílias endividadas cederam a essa pressão mas, segundo Tingal, sem terem a noção de como o simples regresso a casa iria ser difícil para as crianças embarcadas de autocarro para outra cidade.
O trabalho das organizações humanitárias para resgatarem crianças das mãos dos traficantes equivale a uma gota de água no oceano: no Estado de Bihar, um dos mais pobres da Índia, Kumar admite que o resgate se limitou a uma 300 crianças, sendo certo que há cerca de um milhão de crianças a sofrer os efeitos da exploração do seu trabalho.