Flagelo da pandemia agrava flagelo do trabalho infantil

por RTP
Reuters

A Índia é o caso de estudo mais conhecido, mas a tendência é internacional. O fecho das escolas devido à pandemia de Covid-19 deu um novo fôlego à exploração do trabalho infantil e às redes de tráfico de crianças, para exploração laboral ou sexual.

Dhananjay Tingal, diretor da organização indiana Bachpan Bachao Andolan, dedicada ao resgate de crianças vítimas de tráfico, divulgou uma estimativa de dados apurados pela organização, com base em 1.200 crianças que esta resgatou desde o início da pandemia. Essas crianças, com idades geralmente compreendidas entre os oito e os 18 anos, mas frequentemente bem mais jovens, ganham em média 1.000 rupias por mês (menos de 12 euros).

Contra a meteórica proliferação do trabalho infantil, pouco tem podido a legislação indiana, que proíbe o emprego de crianças abaixo dos 14 anos, e que proíbe também o emprego entre os 14 e os 18 anos em trabalhos que possam afectar o normal desenvolvimento físico, intelectual e emocional das crianças.

O fecho das escolas coincidiu com a perda de emprego de milhões de adultos e as famílias, para terem algo que comer, passaram a tolerar ou mesmo a encorajar a exploração laboral das crianças. E, depois, muitas dessas crianças são levadas para trabalhar fora da sua área de residência e ficam à mercê de empregadores nada escrupulosos, sem possibilidade de voltarem a recorrer à família.

Segundo Prabhat Kumar, vice-diretor da organização Save the Children India, "nos últimos seis meses, o trabalho infantil e o casamento de crianças tornaram-se mecanismos compensatórios para famílias que se endividaram ou caíram na pobreza durante a pandemia. Ao mesmo tempo, a procura de trabalho barato, infantil, aumentou enormemente".

As perspectivas são sombrias, porque, ainda segundo Kumar, "a nossa experiência mostra que, uma vez tendo a criança começado a trabalhar e a ganhar mesmo pouco dinheiro, é pouco provável ela voltar para a escola. O que se segue é um ciclo de pobreza e vulnerabilidade e exploração. Estas crianças trabalham 16 horas por um salário inferior ao mínimo e muitas vezes desenvolvem graves problemas de saúde".

Calcula-se em dezenas de milhões o número de crianças que, desde o início da pandemia, foram traficadas para trabalhar em fábricas de vestuário ou de joalharia, em fabriquetas imundas ou em oficinas de mecânica automóvel das grandes cidades.

Para cúmulo, a partir de junho, quando a economia começou a desconfinar, os industriais procuraram compensar três meses de prejuízos recrutando apenas o trabalho mais barato possível - ou seja, recusando empregar adultos e dando absoluta preferência às crianças. As famílias endividadas cederam a essa pressão mas, segundo Tingal, sem terem a noção de como o simples regresso a casa iria ser difícil para as crianças embarcadas de autocarro para outra cidade.

O trabalho das organizações humanitárias para resgatarem crianças das mãos dos traficantes equivale a uma gota de água no oceano: no Estado de Bihar, um dos mais pobres da Índia, Kumar admite que o resgate se limitou a uma 300 crianças, sendo certo que há cerca de um milhão de crianças a sofrer os efeitos da exploração do seu trabalho.

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