Forças de Kiev sob pressão máxima no leste do país

por Lusa
Yevhen Titov - Reuters

As Forças de Defesa da Ucrânia encontram-se sob pressão máxima no leste do país, à medida que a Rússia intensifica as suas investidas em superioridade de homens e equipamento militar antes da chegada do novo apoio militar a Kiev.

Desde a queda de Adviivka, em fevereiro passado, pouco antes de se assinalar o segundo aniversário da invasão russa, as tropas de Moscovo têm concentrado fogo na direção de Chasiv Yar, uma pequena cidade na província de Donetsk que tinha apenas 13 mil habitantes antes da guerra e que se encontra semi-destruída.

Nas últimas semanas, as forças russas fizeram progressões na região, aldeia após aldeia, com casos em que a mesma localidade muda sucessivamente de mãos no mesmo dia, a par de campanhas de ataques com bombas aéreas e planadoras que saturam os deficitários militares ucranianos.

Na quinta-feira, o comando do Exército de Kiev reafirmou que a situação na linha da frente no leste da Ucrânia estava a piorar, mas que os defensores conseguiam manter-se firmes face a um esforço concertado das tropas russas em vantagem.

"O inimigo está a atacar ativamente ao longo de toda a linha de frente e em várias direções conseguiu certos avanços táticos", descreveu Nazar Voloshyn, porta-voz do comando estratégico ucraniano no leste do país, acrescentando que a situação estava "a mudar dinamicamente".

De acordo com analistas militares, a conquista de Chasiv Yar parece uma inevitabilidade e permitirá às tropas de Moscovo tomar um importante centro logístico das forças ucranianas e abrir caminho contra outros objetivos na região, como Sloviansk e Kramatorsk, na região do Donbass, com graves consequências para a posição estratégica de Kiev.

Chasiv Yar tem sido ainda apontada como uma "prenda" simbólica a exibir pelo Kremlin no desfile do Dia da Vitória em Moscovo, em 09 de maio, que assinala a capitulação nazi na II Guerra Mundial.

Nos últimos dias de abril, o comandante das Forças de Defesa da Ucrânia, Oleksandr Syrskyi, já tinha admitido uma deterioração na frente, em particular nos setores de Kramatorsk e Kupyansk, descrevendo combates violentos e "sucessos táticos" da Rússia, apesar de as forças ucranianas conseguirem, em alguns casos, conservar posições.

Notícias dão também conta da transferência de batalhões russos no sul do país para a região de Donetsk, na tentativa de concentrar fogo à chegada dos meses quentes e antes de as forças de Kiev serem reforçadas com armas e munições, após a aprovação, no mês passado, de um grande pacote de ajuda militar e financeira dos Estados Unidos, avaliado em mais de 57 mil milhões de euros.

Logo após a "luz verde" na Câmara dos Representantes ao novo pacote de assistência a Kiev, que demorou mais de seis meses a alcançar devido ao bloqueio da ala radical republicana, o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW) advertiu, em 21 de abril, que a chegada da nova ajuda norte-americana demorará, porém, semanas para que produza efeitos na estabilização das frentes de combate e que até lá as forças de Kiev deverão continuar a sofrer revezes adicionais, sobretudo se a Rússia usar esta janela de oportunidade para intensificar, como tudo indica, a sua ofensiva.

A análise do ISW é aliás consistente com o aviso do chefe dos serviços de informações militares da Ucrânia, Kyrylo Budanov, que previu na mesma altura que a situação na frente deverá piorar em meados de maio e início de junho.

Em entrevista ao The Economist, o seu vice, Vadym Skibitsky, foi mais concreto, ao indicar que as forças russas deverão realizar uma investida nas regiões de Kharkiv e Sumy, tendo já concentrado cerca de 35 mil militares junto da fronteira para este esforço, que pretende mobilizar um total de 50 mil a 70 mil homens, mas, apesar disso, estimou que as respetivas cidades capitais de província dificilmente seriam tomadas.

Na sexta-feira, este aviso foi reafirmado pelo Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky: "Estamos agora a enfrentar uma nova etapa da guerra. O ocupante prepara-se para ampliar as ações ofensivas. Juntos -- os ucranianos, os nossos guerreiros, o nosso Estado, os nossos parceiros -- devemos fazer tudo para frustrar os planos ofensivos da Rússia".

Ao mesmo tempo que prossegue a sua lenta progressão terrestre, à custa de elevadas baixas nos dois lados para conquistar uma estimativa de apenas cerca de 360 quilómetros quadrados este ano, a Rússia tem fortalecido os seus bombardeamentos às rotas logísticas, infraestruturas energéticas, incluindo a maior central elétrica do país nos arredores de Kiev, e a base industrial de defesa da Ucrânia, que ficaram perigosamente expostas nas últimas semanas devido à escassez de armamento e de munições à disposição das forças de Kiev.

Zelensky disse na quinta-feira que a Rússia lançou mais de 300 mísseis de vários tipos, quase 300 `drones` Shahed e acima de 3.200 bombas aéreas guiadas contra a Ucrânia só em abril, que têm castigado as infraestruturas críticas, localidades próximas das frentes de combate e, em particular Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana, situada no nordeste do país, e Odessa, no sudoeste, onde se localiza o principal porto de acesso ao Mar Negro.

No sentido inverso, a Ucrânia tem prosseguido o seu esforço de ataques em profundidade na Rússia ou nas regiões ucranianas ocupadas e na Crimeia anexada, com armamento cada vez mais sofisticado, visando alvos que sustentam a economia russa e o esforço de guerra, como refinarias de petróleo, somando mais de uma dúzia de ataques recentes a este tipo de instalações.

Segundo a publicação norte-americana Politico, estes ataques já levaram ao aumento dos preços de combustíveis para máximos desde o início do ano na Rússia, que já enfrenta também problemas no seu próprio abastecimento interno, somando-se às dificuldades levantadas pelas sanções ocidentais.

Mas, no curto prazo, a Ucrânia precisa sobreviver à superioridade russa, tentando fortalecer as suas linhas de defesa ao longo de cerca de mil quilómetros de frente de combate, enquanto lida com a gestão da poupança de homens e armamento, e reclama junto dos aliados mais apoio urgente, desde logo pelo menos sete sistemas de mísseis Patriot adicionais para proteger as suas cidades e infraestruturas vitais.

Após faltarem aos apoios e prazos previstos, os principais aliados de Kiev têm anunciado, nas últimas semanas, o reforço dos seus programas de assistência ou aceleração da ajuda prometida, mas persistem incógnitas, como a data da chegada aos céus da Ucrânia dos caças F-16, ou se a Alemanha poderá ceder os seus mísseis de longo alcance Taurus, que até ao momento Berlim se tem recusado a transferir.

Por outro lado, o atraso do novo pacote norte-americano expôs a fragilidade da dependência da defesa da Ucrânia a variáveis como a política interna dos seus parceiros, bem como o paradoxo de que, sem armas, como sucedeu nos últimos meses, os militares ucranianos ficam paralisados nas frentes de combate, e, por outro lado, também precisam renovar o seu efetivo para que exista quem possa usá-las.

A Ucrânia aprovou uma controversa lei de mobilização, que baixa a idade mínima do recrutamento para os 25 anos e aperta o controlo sobre as dezenas de milhares de homens que se encontram fora do país, numa altura em que as suas forças estavam à beira do colapso, acendendo todos os alertas vermelhos internamente e junto dos parceiros da NATO.

Entre os membros da Aliança Atlântica, discute-se uma proposta do secretário-geral da organização, Jens Stoltenberg, da criação de um fundo de cem mil milhões de euros para assegurar à Ucrânia sustentabilidade e previsibilidade dos seus abastecimentos militares, mas também uma estratégia de longo-prazo que possa conduzir ao sucesso de Kiev, quando nenhuma análise prevê que as forças de Kiev estejam em condições de lançar tão depressa uma ofensiva em grande escala para reconquistar território, como aquela que no verão passado conduziu a poucos resultados e que agora estão a pagar bem caro.

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