França. Macron homenageou argelinos abatidos pela polícia há 60 anos

por RTP
Rafael Yaghobzadeh, Epa RTP

Emmanuel Macron foi o primeiro presidente francês a participar numa cerimónia evocativa do massacre cometido pela polícia de Paris em 17 de outubro de 1961 contra a manifestação pacífica que reclamava a independência da Argélia. Macron admitiu ter-se tratado de uma repressão "imperdoável".

Os manifestantes foram atacados pela polícia, então comandada por Maurice Papon, e nunca chegou a saber-se quantos foram mortos  - "dezenas", segundo o comunicado agora emitido pelo Palácio do Eliseu. Os cadáveres foram depois atirados ao rio pela própria polícia, como agora admitiu o mesmo comunicado. 

A manifestação destinava-se a protestar contra o recolher obrigatório imposta selectivamente aos argelinos residentes em Paris, para impedir a FLN de recolher fundos para luta de libertação da Argélia. A polícia efectuou 12.000 detenções, abatendo a tiro numerosos manifestantes e espancando muitos outros até à morte.

Ainda segundo o comunicado oficial da presidência, a manifestação foi reprimida "brutalmente, com violência e de forma sangrenta". E a isto acrescenta que "os crimes cometidos nessa noite sob as ordens de Maurice Papon são imperdoáveis para a República".

O comunicado admite que "esta tragédia foi durante muito tempo recalcada, negado ou ocultada". Em parte, ela voltara a ser um tema quando o mesmo Maurice Papon foi julgado, não por esse crime, mas por aqueles que cometera como cúmplice da deportação de judeus durante a ocupação nazi. Papon foi então condenado a prisão firme, mas depois autorizado a cumprir o resto da pena em prisão domiciliária.

A manifestação ocorrera na fase final da Guerra da Argélia, quando a França procurava ainda conservar o seu domínio colonial sobre aquele que é o mais extenso país do Maghreb e da África.

Macron foi o primeiro presidente francês a emitir um comunicado crítico sobre a repressão e também o primeiro a participar presencialmente na cerimónia evocativa que habitualmente tem lugar a 17 de outubro, indo nesse sentido bem mais longe do que o seu antecessor na Presidência, o socialista François Hollande, que se limitara em 2012 a admitir que as vítimas foram "mortas durante a sangrenta repressão". 

Apesar de o comunicado deste ano lamentar o sucedido, e apesar de apontar o dedo à polícia e principalmente ao falecido Papon, nota-se contudo que não existe nele um pedido de desculpas formal. Tão pouco o presidente pronunciou na cerimónia algum discurso em que essa lacuna fosse de algum modo suprida.

O historiador Emmanuel Blanchard, em declarações à Agência France Press, sublinhou que a linguagem do Eliseu foi agora muito mais longe do que nos tempos de François Hollande, mas não deixou de notar que ela de algum modo faz de Papon uma espécie de bode expiatório, omitindo completamente a protecção que dispensaram ao então prefeito de polícia o então primeiro-ministro Michel Debré e o então presidente da República Charles de Gaulle.

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