França. Vitivinicultores regressam ao passado para preservar biodiversidade

por Graça Andrade Ramos - RTP
Os cavalos Bambi e Urbanie a lavrar as vinhas em L'Afllût, centro-norte de França Pascal Montagne - The Guardian

Integrar nas vinhas animais de maior porte, como cavalos de tração para lavrar as terras ou ovelhas na limpeza dos campos, é uma tendência crescente entre os vitivinicultores em França que apostam numa agricultura biodinâmica, livre de pesticidas e que trata a propriedade como um organismo vivo e complexo.

Um estudo recente, Equivigne, concluiu que já existem cerca de três centenas de viticultores em toda a França e na Córsega a utilizar cavalos de tração para trabalhar as suas vinhas. Sublinham que essa é uma forma de obter rapidamente um certificado de produtores biológicos.

Os aderentes ao regresso a métodos agrícolas tradicionais sublinham outras vantagens, desde ambientais a emocionais.

Isabelle Pangault, dona desde 2018 de L’Affût, uma propriedade vinícola de Sologne, no centro norte francês, admitiu que chorou ao ver o impacto da presença dos cavalos entre os trabalhadores que colhiam as uvas na mais recente vindima.

A intenção era poupá-los aos fumos dos escapes dos tratores. Aquilo a que assistiu apanhou-a de surpresa. “A atmosfera era completamente diferente quando o cavalo lá estava. As pessoas riam, trabalhavam ao mesmo ritmo. Os cavalos têm mesmo este poder mágico” afirmou, citada pelo jornal britânico Guardian. O estudo Equivigne foi realizado pelo Instituto Francês do Cavalo e da Equitação, IFCE, em parceria com o Instituto Francês do Vinho e da Vinha (IFV). Os resultados foram apresentados o mês passado numa conferência sobre a utilização de cavalos de tração na viticultura.

Clémence Bénézet, coautora da investigação, passou a última década a estudar a indústria do cavalo de trabalho. Em 2017 concluiu que “os profissionais dos cavalos de tração, particularmente na viticultura, obtêm sucesso económico e estão a ser cada vez mais procurados devido a uma falta de fornecedores dos mesmos serviços”.

“Há por isso espaço para este setor se desenvolver”, concluiu.
Vantagens para o solo
O Equivigne procurou perceber o regresso ao passado preferido por alguns viticultores. Problemas técnicos, como o tipo de terreno e de plantas, foi uma das razões mais invocadas, contudo a saúde do solo era o fator primordial. Os cavalos eram bem vistos como alternativa a herbicidas químicos e por comprimirem menos o solo do que um trator.

Isabelle Pangault é exemplo de ambos os motivos. Nunca tinha pensado usar cavalos nas vinhas mas um terroir de 1864 fê-la colocar a hipótese, devido às plantas frágeis e sinuosas que podiam ser facilmente danificadas por tratores.

A viticultora não estava habituada a ver cavalos nas vinhas mas sabia que podiam garantir um trabalho mais preciso. Procurou e encontrou dois, Urbanie e Bambi, que atualmente podem ser vistos a lavrar as terras de L’Affût.

Tornou-se óbvio quando olhei para esse terreno que queria usar cavalos”, explicou.

Devido aos ótimos resultados, Pangault vai alargar a utilização de Urbanie e de Bambi a uma nova vinha que está a plantar, para “evitar a compactação do solo desde o início da vida do terreno” o que irá melhorar a sua estrutura e permitirá obter plantas mais saudáveis.
Passado com futuro
No seguimento do Equivigne, o IFCE e o IFV estão a estudar novos projetos para alargar o regresso dos cavalos à viticultura. Poderão passar pelo apoio a iniciativas como a Escola Nacional do Cavalo Vigneron, fundada há dois anos para treinar animais, proprietários de vinhas e profissionais.

A sociedade dos cavalos de tração criou já um certificado específico para os cavalos que trabalhem na viticultura e em 2020 foi fundado outro organismo para integrar quem utilize estes animais nas suas produções, incluindo entre as vinhas.
Este regresso ao passado tem futuro quando as preocupações e a consciência ambiental exigem soluções alternativas.

Pangault prepara-se para converter em ‘orgânica’ a classificação da propriedade e pretende obter a certificação biodinâmica, tal como a maioria dos viticultores referidos no Equivigne. Das propriedades vitivinícolas que usam cavalos, 68 por cento têm certificação orgânica e 22 por cento possuíam a certificação Demeter Biodinâmica, numa percentagem muito mais elevada do que a nacional.

Usar cavalos liga-se à defesa ambiental. “Quando se quer devolver a vida à terra, necessita-se de flora e de fauna. A flora irá ser o habitat para os insetos ou pássaros que ajudam a controlar as pragas”, explicou Pangault.
Ovelhas para que vos quero
E esta experiência não vai resumir-se aos cavalos. “Para mim é evidente que os animais de maior porte têm também um lugar na propriedade. Foi por isso que comecei a trabalhar com cavalos e porque estou a pensar usar ovelhas nas vinhas no próximo inverno. É absolutamente relevante para a filosofia biodinâmica, que considera uma quinta como um organismo vivo”, referiu.

Uma pesquisa de três anos da Câmara Agrícola da Dordonha concluiu que, para os criadores de ovelhas, a pastagem nos vinhedos proporciona acesso livre a fontes de alimentos de novembro a março. Para os viticultores, os rebanhos significam menos aplicação de herbicidas químicos, o que melhora a qualidade da água e do solo, além de encorajar o crescimento de plantas que fixam o nitrogénio, como os trevos.

Tal como com o uso dos cavalos de tração, a tendência também tem vindo a crescer, com vários projetos a estudar o impacto do método. As conclusões levaram muitas regiões a encorajar os agricultores a adotarem a prática, a qual já começa a ser conhecida como vitipastoralismo.

Em Costères de Nîmes, a Câmara Agrícola de Gard decidiu intervir e promover o intercâmbio entre proprietários agrícolas e de rebanhos, depois de observar desde 2010 o regresso da ovinicultura na região.

“Na altura, pastar nas vinhas era marginal, mas consideramo-la interessante como alternativa a herbicidas em áreas de captação de água potável”, referiu Guy Marjolet, vice-diretor da associação.

Para ajudar os viticultores a encontrar rebanhos, a Câmara criou um mapa interativo, intitulado “Quem quer a minha erva?”. O mapa começou com 15 mil hectares e vai ser expandido para 50 mil.
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