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Fuga a impostos. "São notícias falsas, eles tratam-me muito mal", defende-se Trump

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Carlos Barria - Reuters

"Eu pago muito… a história é totalmente falsa". Foi a fórmula, já recorrente sempre que enfrenta uma acusação, usada por Donald Trump para negar as revelações deste domingo do New York Times de que terá pago apenas 750 dólares (645 euros) em impostos federais, em 2016 e 2017. O jornal nova-iorquino publicou um primeiro take sobre duas décadas de declarações fiscais do Presidente multimilionário, prometendo novas revelações para os próximos dias. Uma bomba lançada para arena da eleição presidencial a dois dias do primeiro debate das Presidenciais entre Trump e o democrata Joe Biden.

Donald trump criou uma persona que será virtualmente imune a todos os ataques, tendo-se já esquivado de acusações que noutros tempos teriam tido implicações para o detentor do mais alto cargo na Casa Branca. Mas a situação parece agora ser outra, já que toca num dos pilares da construção americana.

E, apesar de tudo, Trump parece ser impermeável a qualquer questão – ética ou política. São muitas as frentes de batalha à partida delicadas para um Presidente em busca de um segundo mandato na Casa Branca mas que acabam por dissolver-se como se não passassem de uma chuva delicada: as revelações do livro de Bob Woodward que expõem um líder consciente da ameaça do novo coronavírus no primeiro mês da pandemia mas que assumiria posições relaxadas num país com uma contabilidade negra de mais de 200 mil mortes; a ameaça inédita do Presidente de não aceitar os resultados na eventualidade de uma derrota para Joe Biden, com todos os riscos de lançar o país numa espécie de guerra civil; a teimosia de impor uma juíza conservadora – Amy Coney Barrett – no Supremo para o lugar da recentemente falecida Ruth Baden Ginsburg; e agora a investida do The New York Times, que após anos de recusas do Presidente em disponibilizar a folha de impostos, revela os montantes irrisórios pagos por um auto-proclamado multimilionário de sucesso.

A investigação do NYT poderá, no entanto, colocar um desafio que Trump ainda não teve pela frente. A questão está a ser colocada desta forma nos alinhamentos dos media norte-americanos: vocês, americanos, pagam muito mais impostos do que o Presidente, um milionário, e essa situação arrasta-se por duas décadas.

Dez em 15 anos sem pagar impostos e a soma de 750 dólares nas folhas de pagamento em 2016 e 2017 poderão assim provocar mais danos do que qualquer das acusações lançadas em quatro anos de mandato contra o presidente-candidato. E por dois motivos: primeiro, o montante irrisório da folha de impostos contraria a ideia de um homem de negócios bem-sucedido que fez da sua fortuna um argumento de campanha na corrida de 2016, já que a razão apresentada pelo seu departamento de finanças para evitar os impostos terá sido, segundo o NYT, o montante de perdas das suas empresa muito superior aos ganhos.

“É essa equação o elemento-chave da alquimia das finanças de Trump: usar os proveitos da sua fama para comprar e alavancar negócios arriscados para depois acenar com essas perdas para evitar impostos”, escreve o NYT.

Segundo, o Presidente simplesmente esteve durante duas décadas a fazer jogos com a máquina fiscal. De acordo com a investigação, a Trump Organization (conglomerado que engloba mais de meio milhar de empresas do Presidente e da sua família) e outros negócios do Presidente não passam de uma história de insucessos, tudo o contrário da imagem auto-embelezada por Trump relativamente às suas qualidades empresariais. Os registos tributários agora revelados pelo NYT, relativos a duas décadas do cadastro fiscal do Presidente – os quais este procurou proteger durante anos –, permitem traçar o retrato de um homem de negócios em permanente dificuldade, negócios afectados por perdas crónicas, uma empresário a manter o seu império à custa de esquemas fiscais que ainda correm nos tribunais.

“[O Presidente] não pagou qualquer imposto sobre o rendimento em dez dos 15 anos anteriores [a 2016], em grande parte porque relatou mais dinheiro perdido do que ganho”, sanciona o NYT.
"O The New York Times obteve informações fiscais relativas a mais de 20 anos de Trump e das centenas de empresas que compõem o seu grupo, incluindo informações detalhadas sobre os seus dois primeiros anos de mandato. Isto não inclui as suas declarações de rendimentos de 2018 ou 2019"

A investigação do jornal nova-iorquino, mais do que uma acusação destinada à caixa do correio da justiça norte-americana, contém o potencial para destruir uma imagem construída por Donald Trump nas últimas décadas de um empresário de sucesso. As declarações fiscais do Presidente são claras: os seus negócios enfrentam uma crise crónica, acumulando centenas de milhões de dólares de dívidas.

O timing do NYT – que deverá lançar mais revelações nos próximos dias – não é inocente: estamos nas vésperas do primeiro debate da Presidenciais entre o Presidente e Joe Biden, visto pela campanha Trump como um candidato anémico, a quem falta a estamina para desempenhar o cargo mais exigente ao cimo da Terra. Jill Biden, a mulher do democrata, garantiu numa entrevista à CNN que o marido está preparado para enfrentar Donald Trump. De qualquer forma, a revelação das folhas de impostos do Presidente proporcionará, sem dúvida, uma dose suplementar de vitaminas a Biden.
“Ponha a mão no ar quem pagou mais impostos do que Trump”

Alan Garten, advogado da Trump Organization, respondia esta noite ao NYT, pouco após a publicação da investigação, que “a maior parte, se não a totalidade, dos factos parece ser imprecisa (…) Ao longa da década passada, o Presidente Trump pagou dezenas de milhares de dólares em impostos pessoais ao governo federal, incluindo o pagamento de milhões de impostos pessoais desde que anunciou a sua candidatura em 2015”.

Garten procurou depois que o NYT lhe enviasse os documentos obtidos pelos seus jornalistas para poder fornecer uma explicação mais detalhada, mas o jornal rejeitou essa possibilidade, explicando que se tratava aqui de proteger as fontes da investigação.

Uma reacção mais subliminar, mas já a apontar para a corrida presidencial, foi a Chuck Schumer, líder democrata no Senado. No Twitter, Schumer deixou uma mensagem a desafiar os americanos: “Quem pagou mais impostos federais do que o Presidente Trump ponha a mão no ar”.

Já Trump, manteve-se fiel à sua linha monocórdica de defesa em situações delicadas: “Fake News” (São notícias falsas).
Filipe Pinto - RTP

A partir da Casa Branca, numa conferência de imprensa, Trump disse que estas informações eram falsas: “Totalmente falsas. Eu pago impostos. E vocês vão ver isso quando a minha declaração vier – está sob auditoria há muito tempo. Porque a Autoridade Tributária não me trata nada bem… eles tratam-me muito mal”.

O jornal avançou ainda que Donald Trump tem atualmente pendentes centenas de milhões de dólares em dívidas que estão prestes a vencer, ao que se acrescenta um processo que se arrasta há uma década, uma batalha legal com a Receita Federal sobre a legitimidade de um reembolso de quase 73 milhões de dólares em impostos após Trump ter declarado consideráveis perdas financeiras. Uma decisão desfavorável poderá, aponta o jornal, vir a custar ao Presidente mais de 100 milhões de dólares.

Nesta linha narrativa, a investigação sugere que num cenário de degradação financeira do seu império, Donald Trump estará cada vez mais dependente de negócios com entidades estrangeiras, situação que o colocaria em conflito de interesses com o seu cargo de Presidente.
E os eleitores?

É sabida a lealdade cega que a base eleitoral de Trump lhe garante. E poderá funcionar de alguma forma também nesta questão dos impostos do Presidente.

A ABC6, uma estação de televisão de propriedade e operação da ABC licenciada para Filadélfia, ouviu alguns americanos, potenciais eleitores na corrida de 3 de Novembro.

“Há pessoas que estão a fazer muito menos dinheiro e a pagar muito mais [impostos]”, declarou Britney Butler, norte-americana de Filadélfia do Sul.

Mas há também quem proteja o Presidente. “Se [Donald Trump] tem essa possibilidade, e o faz dentro da lei, óptimo”, considerou Dan Vanbura, ouvido pela estação.
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