Fumo negro e novo escândalo de abusos a envolver cardeal eleitor

Passavam alguns minutos das 11h30 (10h30 em Lisboa) desta quarta-feira quando fumo negro saiu pela segunda vez da chaminé instalada sobre a Capela Sistina para a eleição do sucessor de Bento XVI. Um dos boletins queimados nessa primeira votação pertence ao prelado Roger Mahony, um dos 115 cardeais eleitores fechados em conclave para escolher o novo Papa e que surge agora como protagonista em mais um caso de pedofilia na Igreja Católica norte-americana. Mahony é acusado de ajudar um padre pedófilo a escapar às leis dos homens e de mais tarde o reintegrar na sua diocese de Los Angeles. Ambos terão acordado o pagamento de dez milhões de dólares em quatro casos de abuso sexual contra crianças.

RTP /
Tony Gentile, Reuters

Os casos remontam aos anos 70, década em que Roger Mahony terá encoberto um padre de Los Angeles suspeito de abuso sexual de menores. O acordo para manter o caso longe dos tribunais terá sido alcançado este mês: quatro vítimas vão receber dez milhões de dólares (7,68 milhões de euros).
Os advogados de acusação alegam que o cardeal Roger Mahony autorizou que o padre continuasse a exercer, mesmo depois de o próprio ter admitido os crimes.

Já este mês, a diocese de Los Angeles, o cardeal Roger Mahony e um padre entraram em acordo para arquivar quatro queixas de pedofilia. Custou-lhes dez milhões, de acordo com os advogados das vítimas, que deram conta do acordo aos media.


As notícias de casos de pedofilia na Igreja de Los Angeles durante a liderança de Mahony não são novas, já em janeiro o diário The New York Times dava conta de vários casos de abuso sexual de crianças por parte de sacerdotes da diocese e das sequentes manobras do cardeal para ocultar esses factos.

Trata-se de episódios que envolvem mais do que um padre e remontam a várias décadas atrás. Refere o NYT na sua edição de 21 de Janeiro que “Mahony e outros clérigos bem colocados na hierarquia da diocese [de Los Angeles] trabalharam na sombra para afastar episódios de abuso de crianças da alçada da justiça, protegendo os padres abusadores de qualquer acusação judicial, mais de uma década antes de os casos virem a lume”.

De acordo com a narrativa dos jornais norte-americanos, ao invés de entregar à justiça os padres sobre quem existiam evidências claras de práticas pedófilas, a diocese optou por protegê-los, enviando-os para centros de tratamento fora do Estado, uma vez que na Califórnia os terapeutas são por lei obrigados a comunicar às autoridades qualquer indício de abuso sexual de crianças.



O envolvimento direto do cardeal Roger Mahony é comprovado por cartas enviadas pelo próprio para um centro de terapia no Novo México. O objeto da missiva, na qual Mahony refere os riscos de um processo criminal, era o monsenhor Peter Garcia, que admitiu ter molestado 12 rapazes.

Mas é conhecida mais correspondência trocada entre elementos da Igreja que revela a preocupação de Roger Mahony no desenrolar destes escândalos em que crianças foram vítimas de abuso, em particular filhos de imigrantes ilegais, que Peter Garcia chegou a manter em silêncio sob a ameaça de deportação.
Desculpas às vítimas e arquivamento das queixas

Ainda em janeiro deste ano o cardeal Roger Mahony, que liderou a diocese de Los Angeles durante 26 anos (1985-2011), escreveu uma carta de desculpas às vítimas da sua igreja.O arcebispo Jose Gomez, que sucedeu a Mahony, retirou-lhe todas as incumbências públicas e administrativas. Apesar de tudo, a Roger Mahony foi permitido manter o título de cardeal e, portanto, está agora no Vaticano a participar na escolha do novo Papa.

Nesse depoimento perante a comunidade, o prelado que agora participa na escolha do Sumo Pontífice, em Roma, afirma que só duas décadas depois de tomar conta da arquidiocese, após um encontro com mais de 100 vítimas se deu conta da magnitude dos episódios de pedofilia na igreja de Los Angeles.

“Fui ingénuo quanto ao real impacto que estes atos horríveis tiveram na vida daqueles que foram abusados por homens que era suposto serem os seus guias espirituais”, lamenta o cardeal norte-americano.

Dois meses depois sabe-se que Roger Mahony ajudou a selar um acordo de dez milhões de dólares que vai arquivar os casos que estavam em andamento judicial contra o padre Michael Baker. As quatro alegadas vítimas retiraram as queixas. Michael Baker foi já condenado e enviado para a prisão em 2007 face a 12 acusações por sexo oral com dois menores.

No acordo que foi aceite por um juiz ainda já este mês de março nenhuma das partes admite qualquer prática incorreta, mas é visto como o mais próximo que a diocese está de admitir a sua culpa no encobrimento dos casos de pedofilia que durante décadas mancharam a igreja de Los Angeles.

Mas o arcebispo Jose Gomez, que sucedeu a Mahony, não o poupou. Como castigo retirou-lhe todas as incumbências públicas e administrativas. Apesar de tudo, a Roger Mahony foi permitido manter o título de cardeal e, portanto, estar agora no Vaticano a participar na escolha do novo Papa.
PUB