Gás Russo - Riscos Europeus

por Felipe Pathé Duarte, comentador RTP

Há um domínio russo no mercado europeu de gás natural. É uma forma de projecção de soberania e uma ameaça à segurança energética da UE. Mas esta posição pode estar a ser posta em causa – novos actores estão a ganhar posição. Neste contexto pode reduzir-se a dependência do bloco europeu a Moscovo. Embora a Rússia continue a ser o maior fornecedor, o gás natural liquefeito dos EUA, do Qatar ou do Azerbaijão (e da Argélia no caso português e espanhol), cria condições para um mercado mais concorrencial. Perante este contexto, Moscovo já está a mexer as peças no tabuleiro.

Há muito que os EUA incentivam a UE a diversificar os fornecimentos de gás. A supremacia energética russa permite exercer uma influência geopolítica sobre os Estados membros. Por outro lado, a Rússia considera estes incentivos norte-americanos um bloqueio para se solidificar como o segundo maior produtor e exportador de gás natural. Por isso, o Kremlin acusa Washington de usar a energia também como arma geopolítica.

Para melhor perceber os impactos destes bloqueios à hegemonia energética russa na Europa, tivemos em conta três variáveis: as sanções ao gasoduto Nord Stream2; o gás natural dos EUA; e a emergência do Azerbaijão.

Variável1 – As Sanções ao Nord Stream 2:

No ano passado os EUA sancionaram o Nord Stream 2 – um gasoduto com 1200km, de cerca de 11 mil milhões de dólares, destinado a fornecer gás russo à Alemanha e a outros mercados europeus. Estas sanções, bem como a redução na procura, relacionada com o coronavírus, forçaram a Rússia a usar um dos seus próprios navios de assentamento de tubos (avistado perto de Moçambique há cerca de dois meses) – que provavelmente atrasará o lançamento do gasoduto até o final deste ano ou no início de 2021.

Em 2014 a Rússia teve de cancelar o projecto South Stream – um gasoduto que abasteceria o Sudeste europeu e a Europa Central através do Mar Negro. Bruxelas considerou que violava as regras de concorrência do bloco. E o cancelamento ocorreu em plena crise da anexação da Crimeia por Moscovo e do apoio aos separatistas no Leste da Ucrânia.

Agora, o Nord Stream2 (que duplica a capacidade do gasoduto Nord Stream), também está a levantar várias preocupações em alguns países do Leste Europeu. A Ucrânia, por exemplo, é o principal corredor de exportação de gás russo para a Europa. E está particularmente vulnerável, pois a Rússia vai depender muito menos desde país, reduzindo assim as taxas de trânsito, expondo-os aos cortes (motivados por questões políticas) no fornecimento do mercado interno. Mas, os esforços de Moscovo para contornar a Ucrânia progrediram ainda mais em Janeiro, com o lançamento do gasoduto TurkStream – um projecto de 8 mil milhões de dólares, que, ao longo de 930km, segue aproximadamente a mesma rota que o abandonado South Stream. Ou seja, a Ucrânia deixa de ser rota de passagem.

Variável2 – O Gás Natural dos EUA:


A produção de gás de xisto transformou os EUA num grande exportador. Aliás, o fornecimento para a UE subiu no ano passado, superando as exportações para a Ásia. Mas, o foco está nas ambições russas para o mercado europeu de gás. Basta ver que há cerca de um ano, a administração Trump classificou os embarques com destino à Europa como o “gás da liberdade”, pois na sua retórica política contribuem para minar a posição dominante da Rússia.

É um facto que este fluxo está a mostrar sinais de declínio devido à queda da procura por causa da pandemia. E talvez ainda seja cedo para perceber o quão afectados estão os EUA por esta quebra. Mas esta contribuição para a diversificação das fontes energéticas da UE parece, agora, bem estabelecida. No ano passado, o bloco europeu bateu o recorde na importação de gás norte-americano, representando cerca de 27% de todas as importações de gás natural – 108 mil milhões de metros cúbicos. Tudo indica que o gás natural norte-americano está para ficar.

Análise Variável3 – O Gasoduto do Azerbaijão:


O Azerbaijão emerge como grande exportador de gás para a Europa. Espera-se que o Gasoduto Trans Adriático, apoiado pela UE, esteja pronto ainda este ano. Trata-se da parte final de uma rede de gasodutos que liga a Itália às jazidas de gás do Mar Cáspio. É a parte europeia do Southern Gas Corridor, um projecto de 40 mil milhões de dólares. O troço mais longo, o Trans-Anatolian Natural Gas Pipeline, foi lançado em 2018, e já entrega gás azeri à Turquia.

Este fornecimento de gás do Azerbaijão também contribui para reduzir dependência europeia da Rússia. E é um facto que no primeiro semestre de 2019, as exportações de gás da Rússia para a Turquia e outros oito países do sudeste da Europa caíram significativamente. Mas há quem refira que as regras da UE (que permitem que produtores usem os gasodutos europeus em vez dos seus próprios os gasodutos) possibilitem à Rússia servir-se do Gasoduto Trans-Adriático. Desta forma, reduz-se a quantidade de gás que o Azerbaijão pode fornecer. Porém, a empresa Estatal de Petróleo do Azerbaijão, garante que o gasoduto não vai afetar as importações azeris. Além disso, a capacidade do Southern Gas Corridor pode ser expandida e servir para transportar gás da Ásia Central para a Europa.

A grande questão é perceber se a Europa está, ou não, em posição de começar a cortar o fornecimento russo. Em Dezembro passado, a Comissão ajudou a intermediar um acordo entre Moscovo e Kiev, segundo o qual o gás russo continuaria a ser bombeado para a Europa nos próximos cinco anos, passando pela Ucrânia. Este acordo pode ser visto como um sinal de cooperação, mas será posto à prova assim que Moscovo poder optar por reduzir a sua dependência em relação à Ucrânia.
pub