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George H. W. Bush, o Presidente da transição tranquila
O antigo Presidente dos Estados Unidos George H.W. Bush morreu aos 94 anos, disse na sexta-feira o porta-voz da família, Jim McGrath. Republicano, vice-Presidente de Ronald Reagan antes de ocupar a Sala Oval, guiou os destinos dos Estados Unidos durante o final da Guerra Fria, dedicando-se aos temas internacionais com a acuidade de poucos líderes. Apontado como “fraco” e pouco comunicativo, marcou a presidência pelo pragmatismo e sobriedade das ações e palavras na relação com uma União Soviética em decadência, mas também pela compreensão da “nova ordem mundial” e do papel central de Washington como potência singular.
George Herbert Walker Bush morreu aos 94 anos. Veterano da II Guerra Mundial, George Bush era o Presidente norte-americano de maior longevidade, ao ultrapassar Gerald Ford, que morreu em 2006, aos 93 anos. Foi o 41.º Chefe de Estado norte-americano, tendo ocupado o cargo entre 1989 e 1993, oito anos depois de ter estado da vice-presidência com Ronald Reagan.
A morte de George H. W. Bush acontece cerca de oito meses após a morte de sua esposa, Barbara Bush. O ex-Presidente marcou presença nas cerimónias fúnebres, ao lado de antigos Presidentes, das respetivas mulheres e da atual Primeira-Dama, Melania Trump. De luto, o ex-Presidente trazia bem visíveis nos pés duas meias coloridas, decoradas com livros, em homenagem ao legado da mulher como grande impulsionadora da literacia.
George H. W. Bush e o filho, George W. Bush, durante o funeral de Barbara Bush, mulher e mãe dos dois ex-Presidentes. Foto: Jack Gruber - Reuters
Desde 2012 que o antigo Presidente norte-americano se deslocava em cadeira de rodas. Sofria de uma variante da doença de Parkinson, que desde então limitava os seus movimentos. Ao longo dos últimos anos juntam-se vários problemas respiratórios, incluindo uma pneumonia e bronquite crónica que, no ano passado, impediu que marcasse presença na tomada de posse de Donald Trump.
A saúde do ex-Presidente já ficara debilitada com uma queda em que partiu um osso do pescoço, no ano de 2015.
George H. W. Bush e Barbara Bush, casados há 73 anos, eram, respetivamente, o patriarca e matriarca de uma das famílias mais influentes que passou pela Casa Branca nas últimas décadas.
O filho mais velho do casal, George W. Bush, foi Presidente dos Estados Unidos entre 2001 e 2009. Jeb Bush, outro filho do casal, foi governador da Florida e tentou seguir os passos do pai e do irmão, mas não superou os adversários nas eleições primárias do Partido Republicano em 2016.
Início de carreira e família
George Herbert Walker Bush nasceu em Milton, no Massachusetts, em 1924, mas viveu grande parte da infância e adolescência em Greenwich, no Connecticut. Ao completar o liceu e os 18 anos de idade alistou-se na Marinha norte-americana, seis meses depois do ataque à base norte-americana de Pearl Harbor. Quase um ano depois, ainda antes de completar 19 anos, torna-se no aviador naval mais novo até àquela data. Cumpriu a função até ao final da II Guerra Mundial, tendo sido agraciado com várias distinções ligadas ao serviço militar.
Foto: Reuters
Nessa altura, já Bush conhecera Barbara Pierce, a namorada dos tempos de escola com quem viria a casar, em Nova Iorque, na reta final do conflito, em janeiro de 1945. Chegado das missões vitoriosas no Pacífico, George W. Bush ingressa na Universidade de Yale. Os colegas recordá-lo-iam mais tarde como um empreendedor e homem de sucesso, nunca como um “intelectual” que desperta para a política ou filosofia durante os tempos de faculdade.
Terminados os estudos, fica a prova desse caráter prático de Bush. A família muda-se para Midland, no Texas, e dá entrada no negócio do petróleo, onde depressa alcança grande sucesso. Entretanto, nascem os seis filhos do casal: George, Pauline, Jeb, Neil, Marvin e Dhoroty.
Em 1953, a tragédia bate à porta dos Bush. A segunda filha do casal, Pauline, morre aos três anos de idade com leucemia.
George e Barbara com o filho mais velho George W. Bush, em 1955. Foto: Reuters
Ascensão no Partido Republicano
Durante uma década, a fortuna dos Bush cresce a um ritmo fulminante, fruto do sucesso da companhia Dresser Industries. No entanto, no início dos anos 60, George vira-se para a política e a ambição do jovem empreendedor cresce. Em 1963 passa a desempenhar pequenos cargos dentro do Partido Republicano em Harris County, no Texas. Três anos depois, Bush é eleito como deputado para a Câmara dos Representantes, onde fica por dois mandatos, até 1970.
No ano seguinte, o Presidente Richard Nixon sugere o nome de Bush para Embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas. Ocupa o cargo durante dois anos, antes de ser enviado para a China durante pouco mais de um ano, numa altura de tímida representação diplomática norte-americana em Pequim.
Ainda durante os anos 70, George Bush chega ao cargo de diretor da CIA durante um ano. Segue-se depois um período mais próximo da Academia, onde é professor numa universidade de Houston, Texas, e destaca-se no Council on Foreign Relations.
George Bush na tomada de posse como diretor da CIA, em 1976. Foto: Reuters
Mas a pausa na política é breve. É nesta altura que Bush decide avançar para uma candidatura à presidência contra Ronald Reagan, antigo ator e governador da Califórnia. Obtém algum sucesso inicial com as críticas à política económica propostas pelo Republicano, mas perde as eleições primárias do partido. Ronald Reagan, o candidato do Partido Republicano, escolhe Bush como seu vice-presidente durante a convenção.
George Bush ocupa o lugar de vice-presidente nos dois mandatos de Reagan, mantendo o perfil discreto e contido que é exigido neste cargo. Tanto no primeiro como no segundo mandato ocupa-se sobretudo das temáticas internacionais e desloca-se a vários países em nome do Presidente, com especial foco nos países do Leste Europeu, próximos de Moscovo. Os contactos e trabalho de campo viriam a ser proveitosos para o futuro chefe de Estado, na reta final da Guerra Fria.
O Presidente Ronald Reagan e o vice-presidente George Bush acompanhados pelas mulheres, Nancy e Barbara. Foto: Reuters
Em 1988, oito anos depois da primeira candidatura, George Bush vence as primárias do Partido Republicano. Aclamado vencedor, faz um discurso conservador nos costumes – contra o aborto, a favor da pena de morte – mas liberal na política económica. É nesta locução que surge a catch-line histórica: “Leiam os meus lábios: Não vai haver mais taxas”. Um slogan que o empurra para a entrada na Casa Branca, mas que viria a persegui-lo na eleição seguinte.
China, Médio Oriente, Guerra Fria. Política externa na linha da frente
Em outubro de 1987, praticamente um ano antes das eleições presidenciais que dão a vitória a Bush sobre o democrata Michael Dukakis, a revista Newsweek questiona as capacidades do então presumível candidato para vencer a candidatura. Aponta a publicação que tem dificuldades de se exprimir e em comunicar com o público, nomeadamente através da televisão. O novo meio “engrandece” Ronald Reagan mas “diminui” Bush.
A falta de “dureza” e de assertividade, aponta a Newsweek no artigo “Bush Battles The ‘Wimp Factor’”, terão estado mesmo na origem da decisão de nomear George Bush para vice-presidente. Este aceitaria com gratidão “a subserviência” exigida pelo cargo.
George Bush na tomada de posse, a 20 de janeiro de 1989. Foto: Reuters
Mas a imagem de um estadista “sem identidade política” e a robustez necessária ao cargo não o impediriam de chegar à Sala Oval. George Bush é eleito Presidente em novembro de 1988, e toma posse em janeiro do ano seguinte. O caráter ponderado e discreto do novo chefe de Estado viria a ser útil logo no início do mandato.
Entre abril e junho de 1989, os protestos na Praça de Tiananmen provocam centenas de mortos às mãos das autoridades chinesas. Sem deixar de abominar a atuação de Pequim, Bush não vai deixar que o episódio perturbe as frágeis relações sino-americanas.
No Congresso, exige-se uma posição agressiva perante o morticínio de centenas de pessoas, mas o Presidente avança apenas com uma imposição limitada de sanções, que tiveram impacto no relacionamento entre os dois países. Bush passaria o resto do mandato a tentar amenizar e normalizar as relações, onde mobiliza os conhecimentos e contactos que ficaram desde os anos 70, quando trabalhou de perto com a diplomacia daquele país logo no início da carreira política. As relações entre os dois países esfriam, mas perseveram.
De facto, uma das marcas do único mandato de George H. W. Bush é o enorme relevo dos assuntos externos, em muito ditados pelas experiências anteriores, incluindo a de vice-presidente.
James Goldgeier destaca que foi o último Presidente dos Estados Unidos eleito com experiência anterior em política internacional, com um dos “currículos mais impressionantes” que chegaram à Casa Branca.
Meses depois da tensão de Pequim, as atenções voltam-se para a Europa. A queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, e o início do fim da União Soviética, são grandes testes de fogo para o recém-chegado chefe de Estado. Bush vê-se encarregue de conduzir a transição entre a ordem bipolar das últimas décadas para um mundo unipolar, sem qualquer challenger para os Estados Unidos.
Na conferência de imprensa sobre os acontecimentos na capital alemã, Bush espanta o mundo pela calma e moderação do que poderia ser considerada como uma enorme vitória para os Estados Unidos. Questionado pelos jornalistas sobre a manifesta falta de entusiasmo, o Presidente responde apenas: “Não sou um tipo muito emocional”.
Em retrospetiva, analistas e especialistas no tema consideram que o chefe de Estado norte-americano não quis humilhar ou provocar os adversários de décadas no momento de derrota.
George Bush estaria já a pensar nos passos seguintes e não queria que festejos exagerados pudessem comprometer a relação futura com a União Soviética. No discurso da tomada de posse, Bush já fazia referência à “nova brisa que sopra” nas relações entre Washington e Moscovo. “As grandes nações do mundo estão a caminhar rumo à democracia pela porta da liberdade”, antecipava o Presidente com otimismo.
A prudência valeu-lhe críticas dentro do próprio partido, mas a boa relação com os russos, sobretudo com Gorbachev, permitiu que, logo no mês seguinte, os dois chefes de Estado discutissem, em Malta, a redução de armas e o reforço das relações. No ano seguinte, em 1990, comprometem-se a reduzir os respetivos arsenais nucleares e ainda com Gorbachev no poder, em 1991, os dois Presidentes assinaram o Tratado para a Redução de Armas Estratégicas (START I).
Bush e Gorbachev durante uma conferência imprensa em Moscovo, em julho de 1991. Foto: Rick Wilking - Reuters
Destaque ainda para as tentativas de apaziguamento no Médio Oriente, nomeadamente da questão israelo-palestiniana. Com uma equipa de peso nas questões internacionais - James Baker, Dick Cheney, Brent Scowcroft e Colin Powell foram alguns dos conselheiros de Bush para a política externa – o então Presidente preparou com afinco a Conferência de Paz de Madrid, em 1991, com resultados positivos para o diálogo na região.
No entanto, nem mesmo na política externa tudo correu bem. Talvez a herança mais pesada de Bush no que à política externa diz respeito seja mesmo o Iraque. A invasão do Kuwait pelas tropas de Saddam Hussein levou os Estados Unidos a mobilizarem esforços no Conselho de Segurança das Nações Unidas para pressionar Bagdade.
Numa “Nova Ordem Mundial” anunciada por Bush, em que as nações se unem em alianças contra Estados infratores das normas, e a força da diplomacia norte-americana se encontra na máxima força. O analista Stephen Knott considera que o que se passou no Iraque no início dos anos 90 “ajudou a restabelecer a moral dos militares norte-americanos” tão atormentada pelas memórias da guerra do Vietname.
Não foi difícil ao Presidente reunir o consenso da comunidade internacional, contando até com o apoio por parte da União Soviética durante o conflito. No entanto, a guerra do Golfo Pérsico que se seguiu – iniciada pela operação Desert Storm, com o apoio e complacência das organizações multilaterais e do Capitólio - não teve o desfecho desejado. Saddam não deixa o poder e o problema iraquiano viria a atormentar outros Presidentes, incluindo o próprio filho, George W. Bush, mais de dez anos depois.
George H. W. Bush ao lado do filho, George W. Bush, meses após a sua eleição para o primeiro mandato, em abril de 2001. Foto: Eric Draper - Reuters
Em 1992, os eleitores rompem com os anos de Presidentes Republicanos e com a continuidade Reagan-Bush. O democrata Bill Clinton chega à Casa Branca e o antigo inquilino vê-se incapaz de ver renovado o voto de confiança dos norte-americanos pela reeleição. Os críticos de Bush apontam como principais falhas do mandato o foco excessivo nos assuntos internacionais e o desempenho menos positivo ao nível das políticas domésticas. Afinal, os próprios americanos procuravam focar-se nos temas internos após as intensas décadas da Guerra Fria.
Também as questões económicas terão sido determinantes na vitória de Clinton. Depois da crise de 1987 e da recessão de 1992, os norte-americanos procuravam segurança e estabilidade económica que Bush não lhes conseguira garantir. “It’s the economy, stupid!”, frase de James Carville, estratega da camapnha do democrata, foi uma das fórmulas mais ouvidas durante a campanha que conseguiu mobilizar votos a favor do democrata.