Governo moçambicano em campanha contra o "deixa andar", ao estilo Machel

Visitas inesperadas a locais de trabalho, denúncias de corrupção, rigor no cumprimento de horários, são algumas das iniciativas do novo governo moçambicano, num combate ao "deixa andar" que recorda o estilo de Samora Machel.

Agência LUSA /

Um mês depois de ter tomado posse, o governo do novo presidente de Moçambique, Armando Emílio Guebuza, parece apostado em mostrar aos moçambicanos que se o partido no poder continua a ser a FRELIMO, o estilo de governação é diferente.

Liderada até aqui pelos ministros da Saúde e da Educação, Ivo Garrido e Aires Aly, respectivamente, a campanha contra o "deixa- andar" tem-se manifestado em visitas inesperadas a locais de trabalho, geralmente acompanhadas por órgãos de informação estatais.

Segundo os seus relatos, nas iniciativas, os ministros depararam com gabinetes vazios, funcionários sem tarefas, desleixo e lixo.

Na última semana, numa visita-surpresa ao hospital de Chimoio, capital da província de Manica, centro, Ivo Garrido lamentou a situação que observou e desferiu um forte ataque contra "os bêbedos e corruptos" no Serviço Nacional de Saúde de Moçambique.

"Se alguém entra bêbedo tem que ser expulso, não importa se ele é médico, enfermeiro ou servente", declarou o ministro, um cirurgião que faz parte da equipa de médicos pessoais de Guebuza.

Garrido estendeu a ameaça de expulsão aos "que procedem a cobranças ilícitas", aludindo a uma prática que afecta o sistema hospitalar moçambicano, envolvendo, sobretudo, médicos e enfermeiros que exigem "luvas" para atenderem ou medicarem pacientes.

Logo após ter tomado posse como ministro de Educação, Aires Aly, ex-governador da província de Inhambane, sul, fez uma visita inesperada ao seu Ministério na qual "testemunhou +in loco+ a fraca qualidade de serviço prestado por alguns funcionários", segundo relatou o diário pró-governamental Notícias.

"As decisões que estão a ser tomadas visam essencialmente combater o espírito de deixa-andar, corrupção e mau atendimento ao público", disse Aly, referindo-se ao seu Ministério que, no anterior governo, esteve sob suspeita pela gestão de fundos oriundos da cooperação sueca.

As críticas, muitas vezes vistas como um corte com a anterior administração de Chissano, foram prosseguidas pelo ministro das Obras Públicas e Transportes, Felício Zacarias: "Aquele que me aldrabar está lixado comigo, não sou construtor mas percebo como se faz a construção de estradas rurais e barragens".

"Aqueles senhores do nível central, se brincavam mal, eu estou a avisar que se preparem porque eu já estou lá. Porque eu batia aqui e vou bater lá", acrescentou, referindo-se à sua passagem de governador da província de Sofala, centro, para ministro.

A campanha contra o "deixa-andar" foi lançada pelo próprio presidente Guebuza no dia em que deu posse ao seu governo, o qual, mantendo no cargo a ex-primeira-ministra Luísa Diogo representou um corte com a maioria dos elementos do anterior executivo nomeado pelo ex-presidente Joaquim Chissano.

"O nosso povo espera um engajamento total no combate cerrado ao espírito do deixa-andar e ao burocratismo, dois males que dificultam ou adiam a resolução atempada dos problemas e minam o papel do Estado", defendeu, então, Guebuza.

Mas nem todos se comovem com o modo como decorre a campanha contra o "deixa-andar", cujos métodos já entraram no folclore da capital.

Uma das críticas mais inesperadas surgiu do semanário pró- governamental Domingo que, em editorial publicado na primeira página, alertou para "métodos demagógicos" e "exibicionismo" das visitas- surpresa, considerando-as "orgulho estéril e bacoco".

Já o semanário independente Savana associou a campanha ao estilo do falecido primeiro Presidente do país, Samora Machel.

"Uma das imagens que nos ficou do período revolucionário é a de Samora, implacável, olhando os ponteiros do seu relógio de pulso, perante o olhar amedrontado de uma jovem enfermeira, depreende-se, em falta com as suas obrigações", recorda o jornal, para depois defender que "o que é necessário são mudanças políticas que mudem também atitudes e comportamentos".

E não deixa de ser significativo que em plena campanha contra o "deixa-andar", a figura de Machel, falecido em 1986 num desastre de aviação ainda não esclarecido, esteja hoje por todo o lado, agora como suporte a uma polémica campanha publicitária da principal operadora de telefones móveis do país, Mcel, sob o tema "O orgulho de sermos moçambicanos".

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