Graça Machel critica "resistência em reconhecer causas internas" do conflito

por Lusa

A ativista social moçambicana Graça Machel disse hoje que há "resistência em reconhecer as causas internas" da guerra na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, propondo um estudo sobre a dimensão endógena do conflito.

"É preciso lutarmos para estudarmos e conhecer melhor as causas internas. Eu sei que há muita resistência em reconhecer que há causas internas que facilitam a penetração dos terroristas nas comunidades, há resistência em reconhecer isso, mas é um facto", enfatizou Graça Machel.

Machel falava durante um evento da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC), uma organização não-governamental (ONG) da qual é presidente.

A ativista manifestou uma preocupação particular com a situação das crianças recrutadas pelos grupos armados que protagonizam ataques em Cabo Delgado, alertando que esta camada social está a ser intoxicada com ideologias extremistas.

Graça Machel defendeu um tratamento específico para as crianças que tenham sido "instrumentalizadas pelos terroristas".

"Nós todos sabemos que as crianças, muitas delas, estão a ser indoutrinadas, estão a ser radicalizadas, as suas mentes estão a ser trabalhadas para crescerem com ódio pelas instituições do Estado", frisou Graça Machel.

Chamou a atenção para o perigo de o drama humanitário naquela província ser traduzido apenas em números despidos da sua faceta humana. 

Vários estudos e relatórios internos e internacionais têm apontado a pobreza, desemprego, marginalização social e económica como parte das causas que tornam os jovens vulneráveis ao recrutamento por grupos armados em Cabo Delgado.

O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, já afastou várias vezes a ligação entre "o terrorismo" e a pobreza, observando que há vários focos de miséria em diversos pontos do país, mas não se verificam episódios de insurgência armada.

Apesar dessa narrativa, o facto é que o Governo criou a Agência de Desenvolvimento do Norte (ADIN) para a operacionalização de projetos de desenvolvimento social e económica nas três províncias da região norte de Moçambique, incluindo Cabo Delgado.

A província de Cabo Delgado é rica em gás natural, mas aterrorizada desde 2017 por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

Há 784 mil deslocados internos devido ao conflito, de acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.

Desde julho de 2021, uma ofensiva das tropas governamentais com o apoio do Ruanda a que se juntou depois a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) permitiu recuperar zonas onde havia presença de rebeldes, mas a fuga destes tem provocado novos ataques noutros distritos usados como passagem ou refúgio temporário.

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