Gravura de navio negreiro lança luz sobre o papel de Amesterdão no tráfico de escravos

por RTP
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Foi agora identificado o único desenho contemporâneo conhecido de um navio negreiro da Companhia Holandesa das Índias Orientais que remonta a 1700. A gravura estará em exposição e constitui uma tentativa da metrópole holandesa para reconhecer o seu passado.

O esboço do navio "Beeckestijn" nas docas de Prins Hendrikkade, desenhado por Hendrik de Leth, é há muito conhecido e faz inclusivamente parte de várias coleções. A novidade agora é que o navio representado servia para o transporte de escravos nos inícios do século XVIII.

De acordo com The Guardian, o "Beeckestijn" transportou cerca de 4.600 escravos da costa oeste africana para as colónias holandesas de Suriname e Santo Eustáquio entre 1722 e 1736. Estima-se que pelo menos mil escravos tenham morrido a bordo do navio.

Os registos da embarcação foram agora descobertos pelo historiador Mark Ponte, curador da exposição Amsterdammers and Slavery, da qual faz parte a gravura do "Beeckestijn", que explicou a The Guardian como encontrou os arquivos:

“Eu estava à procura de material sobre os armazéns da Índia Ocidental e o navio está em frente aos armazéns do porto de Amesterdão. Coloquei o nome numa base de dados e descobri que era um navio de transporte de escravos com sede em Amesterdão, no qual mais de mil cativos morreram”.

É a primeira gravura do século XVIII de um navio da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais que conhecemos”, disse Ponte ao jornal britânico. “Esta ilustração foi amplamente divulgada – esta cópia estava na coleção de arquivos da cidade de Amesterdão – e se não soubesse, não seria capaz de dizer que é um navio de transporte de escravos”, explicou o historiador.

Os registos mostram que, na primeira viagem do "Beeckestijn", o navio e a sua tripulação deixaram o porto holandês de Texel a 19 de fevereiro de 1721. A 29 de abril, 615 escravos foram comprados a norte do Congo e o navio desembarcou na colónia caribenha de Santo Eustáquio quase um ano depois, a 3 de abril de 1722. Dos 615 escravos, apenas 560 sobreviveram.

A viagem mais mortífera acabaria, porém, por acontecer em 1730, quando o navio partiu de Texel para Elmina, um porto na costa do Gana. O navio, então comandado por Andries Graan, adquiriu 753 escravos no porto de África Ocidental antes de partir para Suriname, a 18 de fevereiro de 1731.

À chegada da colónia holandesa, a 12 de julho daquele ano, apenas 513 escravos desembarcaram, o que revela uma taxa de mortalidade de 31 por cento.

A ilustração do navio faz parte da exposição Amsterdammers and Slavery, realizada na quarta-feira para celebrar o 157º aniversário do fim da escravatura nas colónias holandesas.

“A cidade de Amesterdão está atualmente a estudar o seu próprio envolvimento no tráfico de escravos e é por isso que queríamos fazer esta exposição”, disse Mark Ponte, que explica que os recentes protestos do movimento Black Lives Matter vieram tornar a exposição ainda mais relevante.
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