"Guerra por procuração" entre Rússia e Ocidente - Marques Guedes

Lisboa, 08 Ago (Lusa) - A Rússia e o Ocidente estão a travar uma "guerra por procuração" na Transcaucásia - onde se confrontam a Geórgia e a região rebelde da Ossétia do Sul - pelo domínio da franja geoestratégica que vai dos Balcãs ao Xinjang chinês.

© 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A. /

Esta é a tese do académico e investigador português Armando Marques Guedes, hoje entrevistado telefonicamente na Escandinávia pela Agência Lusa para fazer o ponto ao conflito entre Tbilissi e Tskhinvali, que já terá causado centenas de mortos.

As hostilidades em curso "não são boas notícias" para o professor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, que não escondeu "preocupação" face à "imprevisibilidade" do desenrolar dos acontecimentos no teatro bélico.

"Estamos perante uma guerra por procuração (neo proxy war) no corredor entre os mares Negro e Cáspio, que poderá ter um efeito dominó e degenerar num conflito global com consequências dificilmente antecipáveis", declarou.

Nesta "guerra por procuração" resta saber - na óptica do académico e investigador - se russos e ocidentais permanecerão na "sombra" e se haverá alguma alteração na "geometria das alianças nucleares", questionou.

Situando na rosa-dos-ventos as potências nucleares declaradas ou potenciais no tabuleiro do que foi chamado o "Grande Jogo" (Great Game) no século XIX - entre o Reino Unido e a Rússia -, Marques Guedes foi claro.

"A norte está a Rússia, a sul o Irão, a leste o Paquistão, a Índia e a China, e a oeste Israel, França, Grã-Bretanha e Estados Unidos", explicou, alertando para o perigo de, sendo dado um passo em falso, vir a ser accionado o artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte, por ataque a um dos 26 países aliados, com o que entraria em cena a NATO.

"Na franja geoestratégica do `Grande Jogo` há conflitos que foram mantidos a lume brando e são agora reacendidos na disputa pelos vitais recursos energéticos do petróleo e gás natural, com a participação directa, ou indirecta, da Rússia, dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), e do Islão político (Síria, Iraque, Irão, Paquistão e Afeganistão)", indicou.

Marques Guedes precisou que Moscovo, Washington, Bruxelas e o Grande Médio Oriente são intervenientes a ter em conta no "arco de crise" que vai dos Balcãs ao Xinjang chinês (noroeste), até data recente com expoente na ex-província sérvia do Kosovo.

Na Transcaucásia, "tampão" entre Ocidente e Oriente, o confronto entre Tbilissi e Tskhinvali tanto se poderá arrastar, permanecendo localizado, como "ganhar o efeito de bola de neve" e alastrar para a outra região georgiana rebelde da Abkhazia (igualmente russófona, a noroeste) , para o enclave arménio do Nargorno Karabakh no Azerbaijão, a leste, ou para a secessionista Transdniestria, Moldova, a oeste, bem como para Ciscaucásia, varrendo a leste a Tchetchénia, Ingúchia e Daguestão, onde os wahabitas estão implantados e a organização terrorista Al-Qaida é o "joker", lembrou Marques Guedes.

O centro nevrálgico do problema é o desejado controlo russo das jazidas e rotas do petróleo e do gás natural, que "os ocidentais não podem aceitar" e, daí, serem "tentados a intervir", na opinião do académico e investigador.

"Estamos perante o espaço pós-soviético que Moscovo reivindica como direito histórico - desde a sua conquista aos turcos por Pedro, o Grande - e em relação ao qual a sua doutrina militar se mantém invariável, com o objectivo de conservar profundidade geográfica estratégica e manter acessos a portos de águas quentes", assinalou.

E frisou: "Putin - o ex-presidente russo - está a explorar o esvaziamento de poder do seu actual homólogo norte-americano, George W.Bush, em fim de mandato, mas o Comando Central (CENTCOM) dos Estados Unidos com quartel-general no Dubai e alçada sobre o Cáucaso permanece atento, até para - por arrastamento - aumentar a pressão sancionatória sobre o Irão".

Marques Guedes recordou que, até à data, não há memória de os persas se terem alguma vez imiscuído no Cáucaso.

Como corolário, sendo impossível antecipar o desfecho das hostilidades georgiano-ossetas, o académico e investigador não excluiu - como hipótese meramente teórica, vincou - "um cataclismo generalizado em redor das bacias dos mares Negro e Cáspio, com prolongamento pela esteira do Cáucaso até aos confins da Ásia Central".

JHM.


PUB