Guiné-Bissau. Exército suspende recolher obrigatório e proíbe "todas as manifestações"

O Exército, que tomou quarta-feira o poder na Guiné-Bissau, anunciou em comunicado a proibição de "todas as manifestações, marchas, greves ou ações que perturbem a paz e a estabilidade no país", mas suspendeu o recolher obrigatório noturno imposto no dia anterior.

RTP /
Soldados patrulham as ruas de Bissau a 27 de novembro de 2025, um dia depois da tomada de poder pelos militares PA<atrick Meinhardt - AFP

O Alto Comando Militar (HCM), que assumiu o poder enquanto o país aguardava os resultados das eleições presidenciais e legislativas de 23 de novembro, anunciou também a "reabertura imediata" de escolas, mercados e instituições privadas para o "regresso à normalidade" nesta instável nação da África Ocidental.

O HCM consolidou o seu domínio sobre as instituições ao empossar esta manhã o  general Horta Inta-A como presidente de transição da Guiné-Bissau, numa cerimónia que decorreu no Estado-Maior General das Forças Armadas guineense, um dia depois de os militares terem tomado o poder.

O general afirmou depois que o período de transição no país durará no máximo um ano e que a tomada do poder do Estado não foi uma opção fácil.

Numa declaração, em português, após ser investido como presidente da Transição Militar, transmitida pelas redes sociais da Televisão da Guiné-Bissau (TGB), Horta Inta-A disse que "não foi uma opção fácil" a ação que resultou na tomada de poder do Estado pelas Forças Armadas guineenses.
Contrariar um narcotraficante
"Não foi nada fácil, porque os militares que hoje integram o Alto Comando Militar para a Restauração da Segurança Nacional e Ordem Pública sempre se distinguiram por uma conduta disciplinada, de acordo com os princípios constitucionais que orientam as Forças Armadas", disse. O período de transição começa hoje e vai durar no máximo um ano.

A ação dos militares visou estancar "uma ameaça crescente que podia por em causa a democracia e a estabilidade política do Estado guineense", explicou, referindo-se a "uma ameaça portadora de ingerência do Estado, de desordem pública e da própria desintegração das instituições do Estado de direito democrático, ameaça essa que era preciso prevenir e travar".

Horta Inta-A considera que a "crise política grave" que o país atravessa "é justificação suficiente" para a ação que as Forças Armadas desencadearam quarta-feira. 

E adiantou que contribuiu para a ação desencadeada "a intensa atividade desenvolvida por um conhecido narcotraficante que, aproveitando-se do processo eleitoral, procurava por todos os meios filtrar, manipular e, no limite, capturar a própria democracia guineense".

"A clara incapacidade das autoridades políticas de agir para travar a própria degradação do ambiente político em contexto eleitoral" e "a perceção dessa ameaça crescente" motivaram a intervenção de quadros superiores das Forças Armadas, que hoje integram o Alto Comando Militar para Restauração da Segurança Nacional e Ordem Pública, apontou.

Horta Inta-A referiu que "a Guiné-Bissau está a atravessar um período politicamente difícil e muito delicado" e assumiu que os desafios a enfrentar "são muito importantes e urgentes".

"Vamos combater energicamente as redes de narcotráfico, cuja ação corrompe o Estado, os políticos e a sociedade guineense", disse.

E "nesta luta contra a corrupção, e em particular o narcotráfico", o Alto Comando Militar para Restauração da Segurança Nacional e Ordem Pública apelou à colaboração de todos os guineenses, dos partidos políticos e de toda a sociedade civil.
Em Lisboa, cerca de uma centena de guineenses reuniram-se frente à sede da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) a exigir a intervenção da organização na reposição da ordem constitucional no país, após o golpe de Estado.

"Exigimos uma intervenção imediata e decisiva da CPLP nos seguintes pontos: conclusão do processo eleitoral em curso, libertação incondicional e imediata dos líderes políticos detidos, reposição integral da ordem constitucional e criação de condições para o empossamento do novo Presidente legítimo", defenderam os manifestantes numa carta.

A manifestação desta tarde foi marcada por críticas ao que foi classificado como inação da CPLP, mas também de Portugal, da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) e da própria União Africana.

Quarta-feira, os militares anunciaram a destituição do Presidente Umaro Sissoco Embaló, suspenderam o processo eleitoral, os órgãos de comunicação social e impuseram um recolher obrigatório.

As eleições, que decorreram sem registo de incidentes, realizaram-se sem a presença do principal partido da oposição, Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), e do seu candidato, Domingos Simões Pereira, excluídos da disputa e que declararam apoio ao candidato opositor Fernando Dias da Costa.

Simões Pereira foi detido e a tomada de poder pelos militares está a ser denunciada pela oposição como uma manobra para impedir a divulgação dos resultados eleitorais.
Marcelo fala com Sissoco

O chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou, esta quinta-feira, que contactou o seu homólogo guineense, Umaro Sissoco Embaló, que lhe disse estar bem de saúde e teve uma "reação agradecida, positiva e simpática".

"Eu limitei-me apenas a fazer aquilo que um chefe de Estado deve fazer, que foi contactar o chefe de Estado guineense para saber como é que ele se encontrava, o que fiz ontem (quarta-feira)", declarou Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas, na Fundação Champalimaud, em Lisboa, a propósito da situação na Guiné-Bissau.

O Presidente da República relatou que Sissoco Embaló lhe disse que estava "de saúde boa e que estava numa situação que considerava da sua parte como uma situação que não justificava, para já, nenhum tipo de comentário".

"Eu achei que mais que isso seria interferir numa situação interna guineense. Comuniquei ao Governo que a reação tinha sido uma reação agradecida, positiva e simpática", acrescentou o chefe de Estado.

Marcelo Rebelo de Sousa falava no fim de uma visita conjunta com o Presidente da Eslováquia, Peter Pellegrini, à Fundação Champalimaud.
Críticas ao golpe

A comunidade internacional tem estado a reagir com apreensão à alteração da ordem constituicional no país.

A Liga Guineense dos Direitos Humanos condenou o "alegado golpe de Estado" e exigiu a publicação dos resultados das eleições, presidenciais e legislativas, interrompida pela intervenção dos militares.

O Comité de Concertação Permanente da CPLP e a CEDEAO, anunciaram reuniões de emergência para debater os últimos acontecimentos e adotar uma posição sobre a tomada de poder pelos militares.

A União Europeia (UE) assumiu "preocupação" com os "desenvolvimentos na Guiné-Bissau", e apelou ao "regresso célere à ordem constitucional" do país e à contenção para evitar mais violência.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, garantiu que a comunidade portuguesa está "perfeitamente calma". 

com Lusa

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