Guiné-Bissau. País tem nova geração de jovens mais informados

por Lusa

A investigadora Clara Carvalho defende que, a par da instabilidade política e de crescentes traços autoritários, existe na Guiné-Bissau uma nova geração de jovens mais informados e ávidos de conhecimento, aspetos positivos que se manifestarão "em breve" no país.

Em declarações à Lusa a propósito dos 10 anos do último golpe de Estado na Guiné-Bissau, a investigadora do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa lembrou que desde o golpe de 12 de abril de 2012 "a Guiné passou por vários ciclos", uma primeira fase em que a comunidade internacional se retirou, umas eleições em 2014, das quais saiu um Presidente da República, José Mário Vaz, que entrou rapidamente em conflito com o Governo, que representava a maioria, liderado por Domingos Simões Pereira, do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).

O chefe do Governo acabou por ser afastado e, a partir daí, assistiu-se "a uma tentativa de manipulação presidencial, que é muito comum na Guiné-Bissau".

Houve então instabilidade, uma sucessão de governos e demissões, mas houve um aspeto positivo: o Presidente José Mário Vaz conseguiu manter o seu cargo até ao final do mandato, "um caso único na Guiné-Bissau", disse a investigadora.

Nas eleições de 2019, é novamente o PAIGC o partido mais votado, embora sem maioria absoluta e, nas eleições presidenciais imediatamente a seguir ganha Umaro Sissoco Embaló, o atual Presidente, cuja eleição é contestada a pelo PAIGC, mas que acaba por ser reconhecida por todas as organizações internacionais.

Para Clara Carvalho, está criada uma situação "extremamente dúbia e de uma grande inconstância" em que um Presidente continua a ser contestado pelo partido mais votado.

"O que nós vemos desde 2012, mas que é anterior a 2012, é esta instabilidade governamental que conduz muitas vezes a algumas sublevações", acrescentou a analista, considerando, no entanto, que o alegado golpe de Estado de 01 de fevereiro último "não foi certamente um golpe de Estado".

A investigadora explica esta instabilidade política na Guiné-Bissau com "a falta de suporte económico e produtivo do país, a sua fragilidade económica", assim como com a tendência para "uma grande manipulação" da população do interior, "uma grande pessoalização do poder político", assim como "uma certa iliteracia política".

No entanto, Clara Carvalho disse que se tem vindo a assistir, "nestes últimos 10 anos, a manifestações da sociedade civil, que são muito interessantes": "Há toda uma série de jovens que são pessoas agora mais informadas e com uma outra visão para o país e, portanto, já não corresponderão àquilo que eram os antigos políticos, alguns deles ainda com passado do tempo da luta de libertação e, portanto, ainda ligados a formas de entender o poder mais autocráticas".

"Neste momento, estamos a assistir a uma mudança completa deste perfil que é a população que, brevemente, ou que já está a ser chamada a votar, portanto também haverá aqui outros aspetos positivos que certamente se irão manifestar muito em breve na Guiné-Bissau", disse a especialista.

Por enquanto, no entanto, o que se vê no país é "cada vez mais uma censura e perseguição de todos aqueles que se opõem àquilo que são as políticas presidenciais e, portanto, de uma centralização do poder na figura do Presidente", lamentou.

Admitindo que a Guiné-Bissau é "um Estado que não está a satisfazer aquilo que são as aspirações dos seus cidadãos", Clara Carvalho defendeu que "esses mesmos cidadãos terão de resolver muito rapidamente" esse problema, "utilizando obviamente aquele que é o sistema democrático".

"Terá de se ultrapassar, obviamente, tudo aquilo que tem sido mais negativo nesta governação e tem de se avançar no sentido de se ter toda a sociedade civil mais ativa - já se está a avançar neste caminho - mais participativa e, sobretudo, com melhor capacidade crítica relativamente ao que tem acontecido, que é considerado um abuso de poder", afirmou.

Lembrando que conhece a Guiné-Bissau há 30 anos, a investigadora disse esperar que o país "viva à altura da aspiração de todos os guineenses e que consiga completar aquilo que é a sua potencialidade".

Lembrando que a Guiné-Bissau tem fortes taxas de crescimento - "tem uma taxa de fertilidade de perto de cinco filhos por mulher -, pelo que tem uma juventude "completamente pujante e ávida de conhecimento, ávida de formação", Clara Carvalho disse esperar que essa juventude contribua para "um Estado mais equilibrado, mais democrático e que consiga satisfazer os seus cidadãos".

 

Tópicos
pub