Hitler e Salazar foram pomos de discórdia entre Trump e os seus generais

por RTP
Donald Trump com o secretário da Defesa Jim Mattis em 2018 Lamarque, Reuters

Um livro recente, The Divider, mostra como Trump lamentou diante dos seus generais de topo que eles não lhe fossem tão leais como os generais alemães o foram a Hitler, e que alguns o criticaram por concepções mais próprias de ditadores como Hitler e Salazar.

A discussão surgiu em 2017, depois de Trump, impressionado por uma parada do Dia da Bastilha em França, ter querido impor aos seus generais a ideia de fazerem algo semelhante em Washington. Um dos generais, Paul Selva, respondeu-lhe: "Eu cresci em Portugal. Portugal era uma ditadura e as paradas eram para mostrar ao povo quem é que detinha as armas. E neste país [EUA], não é isso que fazemos". E acrescentou: "Não é isso que nós somos".

Trump, incrédulo perante o atrevimento de Selva, insistiu: "Então você não gosta da ideia". E o general, por sua vez, insistiu também: "Não. Isso é o que fazem os ditadores".

O episódio vem relatado no livro dos jornalistas Susan Glasser e Peter Baker, The Divider, de que agora apareceu um longo extracto em The New Yorker

Um capítulo sobre as tensões entre Trump e o topo da hierarquia militar recorda a discussão sobre a parada pretendida por Trump e as objecções que começaram por apresentar-lhe os generais, todas elas menos ideológicas que a invocada um pouco mais tarde por Paul Selva. Uns diziam-lhe que a parada ia custar milhões de dólares e outros acrescentavam que as lagartas dos tanques iam destruir os pavimentos de Washington.

O que reagiu à ideia da parada com menos sofisticação diplomática foi o secretário da Defesa, general James Mattis: "Eu preferia engolir ácido". E entretanto algumas mundivisões diametralmente opostas iam-se afirmando na discussão, principalmente quando Trump começou a explicar o que não queria imitar do Dia da Bastilha.

Os franceses, dizia o presidente, faziam também desfilar os feridos de guerra, alguns deles estropiados, desfigurados, sem braços ou pernas, a caminharem com a ajuda de canadianas ou mesmo em cadeiras de rodas. Trump dizia: "Olhem, eu não quero os tipos feridos na parada. Isso não dá uma boa imagem de mim".

O recém-nomeado chefe de Estado Maior, John Kelly respondeu: "Esses são os heróis. Na nossa sociedade, o único grupo de pessoas mais heróicas do que eles são os que estão sepultados em Arlington". Mas Trump insistia: "Não os quero lá. Isso não dá uma boa imagem de mim".

Em depoimentos prestados ao par autor do livro, o mesmo John Kelly recordou uma das discussões com o presidente em que este, contrariado pelas frequentes objecções dos militares, lhe disse: "Vocês, raio de generais [no original: "You fucking generals"], porque é que vocês não podem ser como os generais alemães?"

Kelly, incrédulo, perguntou-lhe: "Quais generais?" A resposta veio, fulminante: "Os generais alemães na Segunda Guerra Mundial"

O general norte-americano tentou ainda argumentar: "Você sabe que eles por três vezes tentaram matar Hitler e quase conseguiram?" Mas Trump ignorava tentativas como a de 20 de julho de 1944 e teimava: "Não, não, não, eles eram-lhe completamente leais".
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