Um livro recente, The Divider, mostra como Trump lamentou diante dos seus generais de topo que eles não lhe fossem tão leais como os generais alemães o foram a Hitler, e que alguns o criticaram por concepções mais próprias de ditadores como Hitler e Salazar.
A discussão surgiu em 2017, depois de Trump, impressionado por uma parada do Dia da Bastilha em França, ter querido impor aos seus generais a ideia de fazerem algo semelhante em Washington. Um dos generais, Paul Selva, respondeu-lhe: "Eu cresci em Portugal. Portugal era uma ditadura e as paradas eram para mostrar ao povo quem é que detinha as armas. E neste país [EUA], não é isso que fazemos". E acrescentou: "Não é isso que nós somos".
Trump, incrédulo perante o atrevimento de Selva, insistiu: "Então você não gosta da ideia". E o general, por sua vez, insistiu também: "Não. Isso é o que fazem os ditadores".
O episódio vem relatado no livro dos jornalistas Susan Glasser e Peter Baker, The Divider, de que agora apareceu um longo extracto em The New Yorker.
Um capítulo sobre as tensões entre Trump e o topo da hierarquia militar recorda a discussão sobre a parada pretendida por Trump e as objecções que começaram por apresentar-lhe os generais, todas elas menos ideológicas que a invocada um pouco mais tarde por Paul Selva. Uns diziam-lhe que a parada ia custar milhões de dólares e outros acrescentavam que as lagartas dos tanques iam destruir os pavimentos de Washington.
O que reagiu à ideia da parada com menos sofisticação diplomática foi o secretário da Defesa, general James Mattis: "Eu preferia engolir ácido". E entretanto algumas mundivisões diametralmente opostas iam-se afirmando na discussão, principalmente quando Trump começou a explicar o que não queria imitar do Dia da Bastilha.
Os franceses, dizia o presidente, faziam também desfilar os feridos de guerra, alguns deles estropiados, desfigurados, sem braços ou pernas, a caminharem com a ajuda de canadianas ou mesmo em cadeiras de rodas. Trump dizia: "Olhem, eu não quero os tipos feridos na parada. Isso não dá uma boa imagem de mim".
O recém-nomeado chefe de Estado Maior, John Kelly respondeu: "Esses são os heróis. Na nossa sociedade, o único grupo de pessoas mais heróicas do que eles são os que estão sepultados em Arlington". Mas Trump insistia: "Não os quero lá. Isso não dá uma boa imagem de mim".
Em depoimentos prestados ao par autor do livro, o mesmo John Kelly recordou uma das discussões com o presidente em que este, contrariado pelas frequentes objecções dos militares, lhe disse: "Vocês, raio de generais [no original: "You fucking generals"], porque é que vocês não podem ser como os generais alemães?"
Kelly, incrédulo, perguntou-lhe: "Quais generais?" A resposta veio, fulminante: "Os generais alemães na Segunda Guerra Mundial"
O general norte-americano tentou ainda argumentar: "Você sabe que eles por três vezes tentaram matar Hitler e quase conseguiram?" Mas Trump ignorava tentativas como a de 20 de julho de 1944 e teimava: "Não, não, não, eles eram-lhe completamente leais".