Homenagem ou incitamento. O regresso das saudações nazi e fascista

Um tribunal de Milão referiu, esta segunda-feira, que a saudação fascista executada por 23 militantes de extrema-direita, numa cerimónia em memória de um estudante assassinado, não passou de homenagem. Os militantes tinham sido acusados de "encenarem uma manifestação fascista", mas foram absolvidos há quase três meses, a 28 de novembro passado.

RTP /
James Ross - Epa

O acordão do tribunal explicou que o gesto teve apenas o "significado específico de uma homenagem em memória de um jovem que foi morto pelas suas ideias políticas", acrescentando que o veredicto teria sido outro, caso a iniciativa tivesse pretendido difundir a ideologia fascista, um crime na Itália do pós-segunda grande guerra. O caso remonta a 2019, quando, a 29 de abril, cerca de mil pessoas fizeram a saudação romana em memória de Sergio Ramelli, um militante de extrema-direita da Frente Juvenil morto por militantes de extrema-esquerda em 1975. Os participantes responderam "Presente! Presente! Presente", como em resposta a uma chamada.

Os procuradores do Ministério Público haviam invocado a lei Scelba, que proíbe grupos que prosseguem objetivos antidemocráticos, glorificam os princípios ou os líderes do fascismo ou usam de violência em seu benefício, para pedir penas de prisão para os ativistas acusados, membros dos movimentos de extrema-direita Lealtà Azione, Forza Nuova e Casapound.

A decisão de novembro em Milão, foi das primeiras depois do Supremo Tribunal ter definido em abril de 2024, um conjunto de orientações para os juízes italianos avaliarem o "perigo concreto de reorganização do Partido Fascista" que determina a existência de um crime.

A decisão em favor de uma "homenagem" pode implicar uma nova tolerância para com gestos e símbolos associados a guerra, destruição e milhões de mortos em nome de ideologias extremas, incluindo o braço estendido do fascismo italiano, evocativo da saudação romana, ou o gesto semelhante alemão nazi, de bater no peito e saudar um líder, esticando depois o braço e a mão.

Depois da Segunda Grande Guerra, o nazismo e o fascismo foram legalmente proibidos em diversos países europeus, mas, desde há duas décadas, forças políticas e movimentos ativistas a eles associados têm vindo a ganhar espaço público
, sobretudo na Alemanha e em França, expandindo-se mais recentemente a outros países europeus.

Nos Estados Unidos, o movimento MAGA - Make America Great Again - que sustenta o presidente Donald Trump, tem sido sistematicamente associado a ideias próximas do fascismo e do nazismo.

A execução notória das saudações nazi e fascista continua contudo a provocar reações de repúdio social. O Estado de Vitória, na Austrália, aprovou por exemplo, em 2023, legislação a a saudação nazi, prevendo multas pesadas e penas de prisão até um ano, uma resposta ao aumento de agressões antissemitas no país.

Na semana passada, o líder da extrema-direita francesa, Jordan Bardella, cancelou em forma de protesto a sua participação no Comité Conservador de Ação Política dos Estados Unidos, depois de Steve Bannon, um dos estrategas responsáveis pela ascensão política de Trump, ter feito um gesto similar à saudação nazi.
Uma tentativa de distanciamento à simbologia depois de, durante a capanha eleitoral de julho de 2024, uma fotografia de uma candidata do União Nacional com um boné com a suástica e comentários xenófobos e racistas de outros membros terem gerado polémica e dificuldades ao partido.

Já no sábado, na véspera de eleições gerais antecipadas, o então ainda chanceler alemão lembrou que os símbolos nazis são proibidos na Alemanha, considerando-os inaceitáveis.

Na véspera de ser afastado, em favor dos democratas-cristãos, Olaf Scholz deixou um recado à Europa, dizendo que deve insistir para que as regras sociais sejam cumpridas, num recado à influência do multimilionário americano Elon Musk, que durante a campanha eleitoral apoiou abertamente a extrema-direita alemã, a AfD.
O dono da Tesla e do X integra a nova Administração norte-americana, de Donald Trump, como conselheiro externo. E tem sido criticado tanto pelas suas opiniões anti-sistema como por ter feito a saudação nazi num comício. O multimilionário rejeitou as acusações.

Dias antes, no início de janeiro, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, tinha-o acusado, sem o nomear, de estar por trás de uma nova engenharia social. O presidente do Governo espanhol acusou então o "homem mais rico do planeta" de atacar "abertamente as instituições" e de liderar "a ultradireita internacional".

Em Portugal, a polémica atingiu recentemente o deputado ex-Chega e agora independente, Miguel Arruda, oriundo dos Açores, acusado pelo Livre de ter feito a saudação nazi em pleno parlamento.
O próprio líder do partido, André Ventura, foi acusado várias vezes de estender o braço em saudação nazi, durante comícios e manifestações do Chega.

A proliferação de gestos polémicos em prol de movimentos ligados ao nazismo e a movimentos nacionalistas também se verifica no futebol internacional.


Em outubro de 2024, o Atlético de Madrid foi multado em 30 mil euros por saudações nazis de adeptos em Lisboa.

Meses antes, em julho, a UEFA anunciou a abertura de um inquérito ao "potencial comportamento impróprio" do futebolista turco Merih Demiral nos festejos de um dos golos que marcou à Áustria (2-1), na terça-feira, nos oitavos de final do Euro2024.

O próprio Demiral publicou na rede social X uma foto relativa aos festejos, em que surge a comemorar com os braços levantados e a ilustrar com as mãos um lobo, em referência aos "Lobos Cinzentos", grupo turco ligado à extrema-direita.

Já em novembro de 2019, o antigo futebolista internacional holandês Marco van Basten havia sido suspenso por uma semana pelo canal televisivo norte-americano Fox Sports, por ter proferido, em tom de brincadeira, uma saudação nazi em direto.

O antigo avançado, campeão europeu pela Holanda em 1988, pediu depois desculpa por ter dito 'sieg heil', logo após a emissão de uma entrevista a um treinador alemão.

com Lusa
PUB