Homicida detém funções de responsabilidade na Guardia Civil espanhola

por RTP
Fotos da ficha policial de Emilio Hellin em 1978, aquando da sua detenção DR

Como se não lhe bastasse o escândalo de corrupção em que se viu envolvido nas últimas semanas, o Governo de Mariano Rajoy vê-se agora ameaçado por um escândalo sobre cumplicidades entre a polícia e organizações terroristas. Acontece que, antes de recrutar em Portugal os seus homens de mão, o terrorismo espanhol de extrema-direita fê-lo em meios ligados à polícia do país vizinho. Um dos seus operacionais foi agora descoberto num cargo discreto mas influente da Guardia Civil.

O diário espanhol El Pais descobriu o rasto de Emilio Hellin, apesar dos disfarces que este criara para a sua nova vida - a começar pelo novo nome, de Luis Enrique Hellin. Tentou entrevistá-lo, mas o indivíduo em breve notou que a conversa poderia desmascará-lo e recusou prestar mais declarações.

Mas a investigação de El Pais não necessitava de uma confissão porque já coligira suficientes dados sobre a história. Publicou-a na sua edição de domingo e imediatamente o Ministério do Interior e a Guardia Civil vieram a terreiro anunciar que iriam abrir um inquérito.
Terrorismo com ligações policiais Há 34 anos, Emilio Hellin foi condenado pelo assassínio de uma jovem de 19 anos, militante trotskista, Yolanda González. O tribunal considerou a gravidade do crime e as circunstâncias agravantes - premeditação, associação criminosa, brutalidade que em 1978 chocou a opinião pública espanhola. Teve a mão pesada e condenou-o a 43 anos de prisão. O outro operacional mais directamente envolvido no assassínio, Ignacio Abad, foi igualmente condenado.

Ambos, Hellin e Abad, eram membros da segurança de um partido de extrema-direita - a "Fuerza Nueva", de Blas Piñar. Nessa qualidade tinham forçado a entrada em casa de Yolanda González, num bairro dos arredores de Madrid, tinham-na raptado, interrogado e assassinado com dois tiros num lugar ermo. Abandonaram depois o cadáver, e esconderam-se à espera que passasse a comoção pública sobre o facto.

O crime foi entretanto reivindicado em nome de um certo "Batalhão Basco Espanhol", que alegava a suposta implicação de Yolanda González num comando da ETA em Madrid. Mas a jovem, originária do País Basco, nada tinha a ver com a ETA. Filha de uma família operária, fora estudar para a capital e fazia limpezas domésticas para custear a vida. Começara por militar na juventude socialista e era, no momento do crime, uma activista destacada na intervenção pública do Partido Socialista dos Trabalhadores (trotskista).

A organização terrorista de extrema-direita teve de admitir publicamente o seu erro. O partido de Blas Piñar também se demarcou dos assassinos. Quando estes foram detidos e confessaram o crime, a "Fuerza Nueva" expulsou-os. Embora lhes tenha prometido apoio na prisão, absteve-se de cumprir a promessa. A indignação era grande em todo o país.

Mas Hellin e Abad não contavam apenas com o apoio da extrema-direita legal. No momento em que foi capturado, Hellin estava escondido em casa de um inspector da polícia, amigo seu, na vila de Vitória. Interrogados ambos, ele e Abad, apurou-se que tinham sido os dois a entrar em casa de Yolanda. Na rua esperava-os um carro de apoio com outros dois membros da Fuerza Nueva e, também aqui, com um agente da polícia. Fora este agente da polícia o primeiro a confessar a sua cumplicidade no crime e a facilitar, desse modo, a captura dos fugitivos.

Julgado e condenado a 43 anos de prisão, Hellin apressou-se a organizar uma fuga, que falhou ao fim de poucas horas. Depois, numa transferência para a prisão de Cartagena, fez uma nova tentativa falhada. Mas nem esse comportamento inibiu o tribunal de execução de penas de lhe conceder em 1987 seis dias de saída precária, que utilizou para, finalmente, se evadir com êxito. Passou depois três anos refugiado no Paraguai, até um jornalista o localizar e dar assim origem à sua extradição para Espanha.
Hellin, precursor dos operacionais portugueses Entretanto, o "Batalhão Basco Espanhol" dera origem aos GAL (Grupos Antiterroristas de Libertação), que ao longo dos anos assassinaram 12 pessoas. Os GAL tomavam como alvo pessoas conotadas com a ETA, tendo levado a cabo diversos atentados em Espanha e em França. Alguns dos seus operacionais mais destacados eram portugueses, que foram condenados a pesadas penas de prisão num processo que correu no Tribunal da Boa Hora, em colectivo presidido pelo juiz Ricardo Cardoso.

Dos 43 anos a que estava condenado, Hellin acabou por cumprir apenas 14. Em 1996 conseguiu que lhe mudasse o nome a conservatória do registo civil de Torre de Miguel Sesmero, uma aldeia obscura não longe de Badajoz. O El Pais descobriu a nova vida que tem sob um novo nome - casado, pai de três filhos e com um emprego estável como assessor da Guardia Civil.
A nova vida de Hellin Segundo o diário espanhol, Hellin "é agora um dos principais assessores do Serviço de Criminalística da Guardia Civil. Desempenha esse papel participando em investigações judicializadas sobre terrorismo e delinquência, dá cursos de formação a agentes deste corpo, da Polícia Nacional, do Ministério da Defesa, na Ertzintza [País Basco] e Mossos d'Esquadra [Catalunha]. Dá conferências a membros das Forças e Corpos da Segurança do Estado em organismos oficiais e cobra por estes trabalhos directamente ao Ministério do Interior".

Reagindo à notícia publicada em El Pais, o Ministério do Interior e a Guardia Civil anunciaram, segundo notícia hoje publicada no mesmo diário, que irão realizar um inquérito. Foram, em todo o caso, alegando que os contratos com Hellin foram assinados entre 2006 e 2011, com os socialistas no poder. Mas, depois do "Caso Bárcenas", nada livra o Governo de Rajoy de agora se ver confrontado com o "Caso Hellin".






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