Homofobia no desporto e os Gay Games: "O mau atleta é chamado de maricas"

Uma alternativa "mais inclusiva" aos Jogos Olímpicos? A co-presidente explica a ideia dos Gay Games à RTP e fala sobre os preconceitos no desporto.

"O desporto em geral é feito para a performance. É a ideia de ser forte, musculado, masculino. Um atleta gay é visto como mais fraco". A análise é de Pascale Reinteau, ex-atleta de basquetebol que, entre os 15 e os 20 anos, percebeu que era lésbica e que tinha de sair da sua "aldeia pequena" se quisesse viver uma vida livre.


Hoje, Pascale é co-presidente dos Gay Games e esteve em Portugal para apresentar a 10ª edição do evento, que ocorrerá em Paris no próximo ano. Os Gay Games são um evento criado em 1982 pela cabeça de Tom Waddell, médico e atleta de decatlo que, depois de participar nos Jogos Olímpicos do México, quis criar um evento semelhante mas "mais inclusivo". Há várias semelhanças entre os dois: ambos acontecem de quatro em quatro anos, há uma chama olímpica acesa no arranque do evento e são atribuídas medalhas. O que é que os distingue, então?

"Os treinadores têm de ensinar os jovens a não ter medo"

"Nos Gay Games não tens de ser o mais forte nem tens de ser o melhor. Podes inscrever-te simplesmente para participar e não para competir. Só precisas de ter 18 anos e não há limite de idade", explica. Garante que "não é preciso ser gay para participar nos Gay Games" e que não há discriminação para com as pessoas heterossexuais. Mais: explica que "Gay Games é apenas o nome oficial" que ficou da primeira edição. Ainda assim, admite que aqui a maioria dos participantes são LGBT e não o contrário, ao contrário de outros eventos como os Jogos Olímpicos. 

Hoje, os Gay Games são o maior evento mundial desportivo especificamente para a população LGBT (Lésbica, Gay, Bissexual e Transexual). Questionada sobre se a ideia do evento não poderá ter um efeito contrário ao pretendido, Pascale rejeita: "Nós não nos fechamos. É o oposto. Nós recebemos toda a gente: todas as religiões, géneros, origens, pessoas com e sem mobilidade condicionada. É uma maneira de toda a gente poder participar num evento gigante com centenas de pessoas. Pessoas que queiram só melhorar a sua marca pessoal, que queiram conhecer gente de todo o mundo, pessoas que queiram só testar-se". 

Há mais de 70 países a participar e as modalidades são as mais diversas. Há, por exemplo, "danças de salão" para pessoas que se desloquem em cadeira de rodas. 

À esquerda, Pascale Reinteau fotografada no hotel The Late Birds em Lisboa.   
"Há vergonha em partilhar o balneário com um colega gay"

Luís Rhodes Baião é presidente da Boys Just Wanna Have Fun Sports Club (BJWHF), uma associação desportiva portuguesa composta por equipas de Rugby, Volleyball, Natação, Futebol, grupos de corrida e Tango. Diz que o objetivo do projeto é a "inclusão de todas as pessoas através do desporto" e isso traduz-se em receber "pessoas que gostariam de fazer um desporto mas não se sentem confortáveis a bater à porta de uma equipa profissional, pessoas que querem começar do zero" e, claro, pessoas que querem um espaço seguro para se expressarem. 

Isto porque o desporto funciona muitas vezes como um meio de exclusão do outro, declara: "Costumamos ouvir que os maricas não fazem desporto. O mau desportista é maricas". "Basta vermos quando eramos pequenos e os nossos colegas não nos escolhiam para as equipas deles. Basta ter uns quilos a mais que o normal, ter óculos ou ser visto como 'mais frágil'. Qualquer coisa é apontada como uma fraqueza". 

Essa separação dos "hábeis e não-hábeis" tem a ver com o facto de "transportarmos os nossos preconceitos" para todo o lado, defende Luís. "Quando sabes que tens um colega homossexual, vais ter maior timidez em partilhar o balneário com ele do que com um homem heterossexual", exemplifica. 

Ser atleta e homossexual não vende, lança Luís Rhodes Baião. Daí o número reduzido de atletas que assumem ser homossexuais. "Não fica bem. O estatuto do atleta está ligado à virilidade, há uma imagem de sex symbol que vende e que se perderia se o atleta assumisse a sua homossexualidade. Há toda uma pressão e um controlo de gestores de imagem e de marketing envolvidos", refere. E aqui entram contratos comerciais com patrocinadores, que asseguram muitas vezes o sustento do atleta e que poderiam deixar de o fazer se ele deixasse de representar um determinado produto. E há ainda a questão das "redes sociais, as milhares de fãs, os seguidores" que alimentam a máquina. 

À esquerda, Luís Rhodes Baião. À direita, uma equipa da associação BJWHF. 

As várias equipas da BJWHF treinam em complexos desportivos de Lisboa e, quem quer, participa em competições: "Quando as nossas equipas vão a algum lado, mostramos a outras equipas que a comunidade LGBT faz desporto tão bem como qualquer outra pessoa", explica Luís. "O que nós queremos é que as pessoas pratiquem desporto e estejam confortáveis com as suas diferenças". 

Há dois homens atletas portugueses de corrida interessados em participar nos Gay Games de Paris 2018, mas Luís quer mais: "Queremos levar uma delegação portuguesa, de Portugal". Não tem conhecimento de outros atletas portugueses a residir em Portugal que já tenham participado em edições anteriores do evento. 

Mas porque é que é importante um/uma atleta dizer publicamente que é homossexual? Pascale responde: "Quando não tens atletas assumidos, não tens ninguém com quem te identificar. Eu cresci numa zona pequena e não via ninguém como eu. No desporto é igual. Ser gay ou lésbica é sempre um problema quando és jovem. Enfrentares a família, os amigos... Teres referências ajuda muito", aponta Pascale. "A maioria só assume quando acaba a carreira, para não causar danos na imagem. No meu tempo houve a Martina Navratilova, mas não muitas mais"

A ideia da Boys Just Wanna Have Fun e dos Gay Games é, resumem, fazer do desporto aquilo que deve ser: "uma forma de inclusão de toda a gente, em que o que importa é jogar e desfrutar e em que todas as diferenças são bem vindas", diz Pascale. E aí pode até haver surpresas: nos últimos Gay Games, em Cleveland, uma mulher de 100 anos bateu o recorde mundial de corrida de 100 metros. 

Além das provas desportivas, os Gay Games têm também conferências e palestras sobre, por exemplo, homofobia no desporto ou como criar uma associação. Para quem vier de zonas onde a homossexualidade é ainda criminalizada, como "a Rússia ou o Uganda", a organização assegura ajuda para cobrir os custos para que participem de uma forma "livre e segura".