O segundo dia da apresentação do processo contra Donald Trump prosseguiu no Senado de acordo com as linhas iniciais seguidas na véspera. A verdadeira luta, contudo, travou-se nos corredores do Capitólio e nos bastidores da Câmara.
No início dos trabalhos desta quinta-feira, a maioria dos lugares no Senado estava vazia, num eloquente testemunho quanto ao interesse suscitado pela apresentação.
Poucos assistiram assim à oração do capelão do Senado, que pediu para "o cansaço e o cinismo não colocarem em risco amizades que existem há anos".
No centro do Senado, pronunciava-se e repetia-se à vez a extensa narração, completa com vídeos, daquilo de que o Presidente é acusado.João Ricardo de Vasconcelos, correspondente da RTP em Washington
"A conduta do Presidente é errada. É ilegal. É perigosa. E retém os piores receios dos nossos fundadores e os contornos da Constituição", resumiu o presidente da Comissão Judiciária do Congresso, que preparou o processo.
"Iremos debater a prova que demonstra de forma avassaladora que o Presidente Trump orientou este esquema com intenções corruptas. Com um objetivo corrupto, para obter o apoio externo na sua candidatura à reeleição nas eleições presiciais de 2020", afirmou por seu lado, pouco depois, a representante Silvya Garcia.
James Lankford, igualmente republicano, acrescentou, "é uma apresentação mais organizada dos mesmos factos".
Apesar das queixas, há quem aprove a importância do detalhe, já que muitos entre os senadores não acompanharam ou não leram, o processo que desencadeou o julgamento.
A natureza repetitiva da argumentação levou entretanto vários senadores a decidirem o seu sentido de voto.
"Lembra-me um canal de vendas, dos êxitos dos anos 80, ouve-se uma
vez e outra vez e outra vez e outra vez. Quase consigo recitar o
testemunho", criticou o senador republicano Thom Tillis, assumindo que vai votar pela absolvição.
James Lankford, igualmente republicano, acrescentou, "é uma apresentação mais organizada dos mesmos factos".
Apesar das queixas, há quem aprove a importância do detalhe, já que muitos entre os senadores não acompanharam ou não leram, o processo que desencadeou o julgamento.
O busílis do processo
A grande questão no julgamento decidia-se entretanto, no exterior da sala, onde prosseguiam as manobras para conseguir a admissão de novas testemunhas e provas.
A argumentação democrata ficou reduzida até agora à apresentação da prova obtida ao longo da investigação da Comissão Judiciária da Câmara Baixa, depois de terem visto bloqueada pelos republicanos terça-feira, no início do processo, a sua vontade de intimar novas testemunhas e documentos.
As regras admitem que os senadores as possam pedir no final da apresentação dos argumentos iniciais, caso considerem necessários novos esclarecimentos.
O Senado em peso terá de votar a admissão, mas basta uma maioria simples de 51 votos para a aprovação.
Os democratas garantem 47 votos a favor e precisam apenas que quatro senadores republicanos mudem de ideias.
Têm praticamente garantido o voto da senadora Susan Collins. "Tenho tendência para gostar de informação e antecipo que possa votar por mais" assumiu esta quinta-feira, à semelhança do que já fizera terça-feira.
Outros dois senadores, Lisa Murkowski e Mitt Romney, admitiram também poder votar a favor, no fim dos argumentos iniciais.
Persuasão democrata
Os democratas jogam agora tudo na esperança de uma mudança de ideias de apenas alguns.
O líder da minoria democrata no Senado, o senador Chuck Schumer, procurou pressionar os seus pares esta manhã, antes do início dos trabalhos.
Schumer classificou os argumentos apresentados até agora pela equipa de acusação como "poderosos", "precisos" e "devastadores".
"Talvez
tenha plantado as primeiras sementes de dúvida nas suas mentes de que,
sim, talvez o Presidente tenha agido nisto de forma muito errada",
admitiu referindo-se aos senadores republicanos.
"A questão da prova relevante, documentos e testemunhas, vai ser levantada. E os senadores republicanos terão o poder de trazer essa prova a julgamento", afirmou aos jornalistas.
"Quatro deles, está nas suas mãos - podem fazer deste um julgamento mais justo, se o quiserem", acrescentou Schumer em jeito de desafio.
"Não sei como é que um senador, democrata ou republicano, pode estar sentado na sala a ouvir Adam Schiff e o resto da equipa dele e não pedir testemunhas e documentos", referiu ainda.
"Só se não estiverem interessados na verdade, se tiverem medo da verdade, se souberem que o Presidente está a esconder a verdade", atacou.
"O trabalho era vosso"
A audição de novas testemunhas e a avaliação de novas provas documentais arriscaria prolongar o julgamento, que a maioria dos senadores republicanos, à semelhança do Presidente, querem rápido, num máximo de dez dias.
Além da votação para ouvir os intimados, poderia ainda ser necessário estabelecer as regras sob as quais seriam examinados.
Também a análise da nova documentação demoraria ainda mais tempo.
Se, até agora, os acusadores de Trump não conseguiram provar de forma clara a culpa do Presidente, isso não é responsabilidade dos senadores, argumentam os republicanos.
A admissão de novos dados poderia prolongar o julgamento durante meses, em vez de semanas, receiam alguns senadores.
"Isso é algo que, penso, nos começamos a aperceber, essa poderia
ser a consequência deles não terem feito o trabalho deles na Câmara e
mandarem-no para cima de nós. E como sabem, enquanto este caso estiver
pendente, não podemos fazer mais nada", comentou esta tarde, à margem da sessão, o republicano John Cornyn.
"Essa é outra boa razão, penso eu, para chegar fogo aos pés da equipa dos Representantes", acrescentou o senador do Texas. "Dizer-lhes, sabem, o desenvolvimento do caso era o vosso trabalho, não o
nosso."
Renitentes A avaliar por estas e outras reações, Schumer está longe de conseguir despertar a consciência republicana e assim ganhar votos.
Mitt Romney, preferiu para já ser evasivo. "Desculpem , não vou tecer
comentários sobre a prova ou sobre o processo até terminar todo o
julgamento", retorquiu à curiosidade dos jornalistas.
A senadora Joni Ernst, do Iowa, foi mais contundente. "Penso que estamos ainda à espera de ver a prova esmagadora e uma vez que a vejamos isso talvez nos convença de que é necessária mais informação, ou não. Não sabemos, eu porque ainda não a vi ser apresentada", disse aos jornalistas.
Em cima de mesa está também a hipótese de, em troca da audição de umas testemunnhas requeridas pelos democratas, como John Bolton, ex-conselheiro de Trump para a segurança, os republicanos possam ouvir as suas, como Joe Biden.
Na quarta-feira, o representante democrata Adam Schiff, principal acusador do Presidente, afastou essa possibilidade, referindo que "isto não é uma negociação fantasiosa do futebol!".
Trump e a negociação
Donald Trump, que até se tem mantido relativamente apagado no Twitter sobre a questão do julgamento, entrou na refrega esta quinta-feira, fazendo um trocadilho com o apelido de Schiff e chamando-lhe Schif Esquivo.
The Democrats don’t want a Witness Trade because Shifty Schiff, the Biden’s, the fake Whistleblower(& his lawyer), the second Whistleblower (who vanished after I released the Transcripts), the so-called “informer”, & many other Democrat disasters, would be a BIG problem for them!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) 23 de janeiro de 2020
"Os democratas não querem uma Negociação de Testemunhas porque Shifty Schiff, os Biden, o falso Delator (& o seu advogado), o segundo Delator (que desapareceu após eu ter publicado as Transcrições), o chamado "informador", & muitos outros desastres democratas, seriam um GRANDE problema para eles!", escreveu o Presidente norte-americano.
O processo inclui um segundo artigo de acusação, de que o Presidente tentou obstruir a investigação do Congresso a estas suspeitas. Trump diz que nada fez de errado e chama a todo o processo uma nova "caça às bruxas".
Defesa não se descose
De acordo com alguns analistas americanos, a defesa de Trump vai centrar-se no argumento de que, ao pedir ao seu homólogo ucraniano recém-eleito para investigar os Biden, o Presidente estava convicto na intervenção ucraniana na eleição de 2016, tendo por
isso todo o direito a interessar-se pelas atividades do seu rival naquele país.
Hunter Biden, filho de Joe Biden, que ocupou um cargo na administração da Burisma, a empresa estatal de gás ucraniana, já veio dizer que foi uma má ideia ter aceitado o cargo.
"Vamos determinar a nossa apresentação com base naquilo a que tivermos
de responder e baseados no nosso caso", revelou Jay Seculow, advogado
pessoal de Donald Trump. "Não sei se irá levar dez horas, 14 horas, 24
horas ou seis horas".