Impeachment falha. Vitória de Trump "em toda a linha" versus "banalização da ilegalidade"

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
“O Presidente e os republicanos do Senado banalizaram a ilegalidade e rejeitaram o sistema de freios e contrapesos da Constituição”, lamentou Nancy Pelosi Chris Helgren - Reuters

O Senado norte-americano absolveu na quarta-feira o Presidente Trump nos dois artigos em que surgia acusado no processo de impeachment. Num sentido de voto esperado por parte dos republicanos, que desde cedo cerraram fileiras em torno do líder e, acima de tudo, recandidato para o processo eleitoral de 2020, tresmalhou-se Mitt Romney, ele próprio antigo candidato presidencial do GOP. A reação da democrata Nancy Pelosi encerrou o capítulo da destituição com um dedo em riste: os republicanos “banalizaram a ilegalidade”.

Pode tratar-se de uma coincidência, mas a expressão usada por Nancy Pelosi fica muito próxima daquela de Hannah Arendt, quando analisou os males do nazismo e das suas ações contra o povo judeu: “a banalidade do mal”.Pelosi: “Devido à traição dos senadores republicanos à Constituição, [Trump] continua a ser uma ameaça para a democracia norte-americana, com a sua insistência de que está acima da lei e que pode corromper as eleições se quiser”.

Propositada ou não, o impeachment atingiu um grau de conflitualidade que o Capitólio talvez nunca tenha experimentado, o que dá por si a ideia do confronto de forças nos Estados Unidos, um país absolutamente dividido e completamente polarizado a escassos meses das Presidenciais de 2020.

Pelosi viria dizer pouco depois que a votação correspondia a uma absolvição num processo em que “não houve julgamento”. Para a speaker da Câmara dos Representantes, Donald Trump continua a constituir “uma ameaça para a democracia norte-americana”.

“O Presidente e os republicanos do Senado banalizaram a ilegalidade e rejeitaram o sistema de freios e contrapesos da Constituição”, lamentou Nancy Pelosi, servindo de caixa-de-ressonância aos argumentos dos democratas nas últimas semanas: os republicanos nunca estiveram interessados num julgamento justo e tudo fizeram para sabotar o processo.

Desde logo, a acusação ao GOP de, nesse cerrar de fileiras em torno do seu líder, terem impedido a audição de testemunhas no Senado, destruindo qualquer hipótese de seguir em frente com o julgamento das acções do Presidente.

Nesse sentido, acrescentaria Pelosi que “não há julgamento sem testemunhas, documentos e provas (…) e, ao suprimirem as provas e rejeitarem os elementos mais básicos de um processo judicial justo, os republicanos do Senado tornaram-se cúmplices do encobrimento do Presidente”.

Esta quarta-feira terminou a tentativa de impeachment, iniciada ainda em dezembro do ano passado, em que os dois lados cedo adotaram as suas máximas, divisas que não perderam validade durante todo o processo de destituição. A ideia de que tudo não passava de uma caça às bruxas, verberaram os republicanos nos últimos meses; a ameaça à soberania do país num momento em que se degradam as próprias regras da democracia, insistiram os democratas.

O pano caiu na noite passada com uma votação inequívoca, mas não sem que antes subisse à cena uma personagem improvável: Donald Trump foi absolvido pelo Senado (100 membros, maioria republicana) em ambas as acusações que enfrentava, 1. abuso de poder e 2. obstrução ao Congresso. Numa votação separada dos dois artigos do impeachment, na primeira acusação Trump obteve 52 votos a favor e 48 contra. Na acusação de obstrução ao Congresso obteve 53 votos a favor e 47 contra.

Foi uma votação que não trouxe novidade em si, numa altura em que os advogados da acusação (democratas) já tinham desistido de pescar os republicanos necessários para fazer os dois terços de senadores que abririam a porta à destituição. A novidade foi outra: Mitt Romney votou contra.

Mitt Romney, republicano, mórmon e antigo candidato presidencial (2012), não esteve ao lado de Donald Trump quando toda a linha GOP se fechou em torno do Presidente. Dos 48 votos que levaram à absolvição da acusação de abuso de poder, 47 foram de democratas, mas um partiu da trincheira republicana: Romney.

Só não houve surpresa total porque o republicano já havia feito o anúncio do sentido de voto antes de entrar na sala do Senado. Um cenário que nunca chegou a ameaçar Trump, já que os republicanos detêm uma maioria de 53-47. O que não evitará que Mitt Romney entre para a história como o primeiro senador a votar contra um presidente do seu próprio partido num processo de impeachment.

E não é a primeira vez que Romney e Trump chocam de frente. Em 2016, durante a corrida às Presidenciais, o senador Romney apelidou o então candidato de "fraude". Um mimo devolvido por Trump quando, no ano passado, Romney voltou a criticar o Presidente, então por tentar forçar a Ucrânia a investigar o rival democrata Joe Biden e o seu filho, Hunter.

Entretanto, assinalou já Pelosi, o voto desalinhado do senador do Utah impedirá o Presidente Trump de continuar a usar o argumento de que o impeachment se trata de um processo partidário.

E Trump, há meses acusado, num primeiro momento,com base na transcrição de um telefonema, de abusar do cargo ao pressionar o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a investigar a atividade dos Biden e depois de tentar perturbar a investigação levada a cabo pela Câmara de Representantes, volta a sair vitorioso, falando num triunfo em toda a linha.

Foi o terceiro julgamento de impeachment na breve história dos Estados Unidos. Donald Trump figura agora numa lista com Andrew Johnson (1868) e Bill Clinton (1998). Todas as tentativas de destituição acabaram com a absolvição dos presidentes.

A Casa Branca, na primeira reação ao veredicto, volta a usar uma expressão que lhe é querida nesta era Trump: o processo foi “uma caça às bruxas”. Uma caça às bruxas que teve por base uma série de mentiras.

A reacção do Presidente foi, como expectável, levada para o Twitter. Na sua conta, Trump replicou uma capa da revista Time com a reafirmação da sua recandidatura à corrida 2020 com recurso a todos os arsenais de que possa dispor.

Depois da noite de ontem nada muda de facto, o país continua completamente polarizado, como estava já, a preparar essa corrida presidencial com a mais do que provável reeleição de Donald Trump.

Com a absolvição, os republicanos acreditam que Donald Trump acaba de reunir toda a energia que eventualmente ainda necessitasse para alimentar uma campanha vitoriosa rumo à permanência no cargo mais alto em Washington. O líder do partido, Mitch Mcconnell, não tem dúvidas e já o vinha dizendo: todo este processo é um "colossal erro político" dos democratas.
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