Índia ultrapassa a China e torna-se o país mais populoso do mundo

A partir desta sexta-feira, a Índia torna-se o país mais populoso do mundo, um título que a China detém há várias décadas. Face a uma população de mais de 1,4 mil milhões, os serviços de planeamento familiar estão a ser pressionados para tentar reduzir a taxa de fertilidade.

Cristina Sambado - RTP /
Masera Khatun, 37 anos, está grávida do sexto filho Anushree Fadnavis - Reuters

Previsões da ONU apontam para que a população indiana atinja esta sexta-feira, 14 de abril, o número de 1.425.775.850, um valor que destrona a China.A mudança marca um marco significativo para a país do sul da Ásia e terá implicações de longo alcance para sua economia, sociedade e influência global.

Não é conhecido o número exato da população indiana (o censos de 2021 foi adiado indefinidamente devido à pandemia de covid). No entanto, todos os sinais apontam para um crescimento exponencial. Por outro lado, a população chinesa está em queda.

Desde o último recenseamento há 12 anos, estima-se que a população indiana tenha aumentado em 210 milhões – quase o número de população do Brasil. A partir de 2020, ganhou cerca de um milhão de habitantes por mês.


Durante as mesmas décadas em que o crescimento da população da Índia disparou, as taxas de fertilidade têm vido a diminuir. Em 1964, as mulheres indianas tinham em médias seis filhos, atualmente têm dois, em parte, devido ao planeamento familiar, que a Índia garante ter sido o primeiro país a lançar em 1952.

"O principal objetivo do planeamento familiar era abrandar o crescimento populacional como forma de apoiar o desenvolvimento económico do país, que nessa altura tinha apenas alguns anos", afirmou Anita Raj, Professora de Saúde Pública Global e Diretora do Centro sobre Equidade de Género e Saúde na Universidade da Califórnia em San Diego, à France 24.

O esquema de planeamento familiar tem tido alguns sucessos. Um inquérito à saúde familiar na Índia, realizado em 2022, revelou que quase 100 por cento das mulheres e homens com idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos têm conhecimento de pelo menos um método contracetivo .

A saúde pública fornece a 68 por cento da população contracetivos modernos (produtos ou procedimentos médicos utilizados para prevenir a gravidez, tais como preservativos, a pílula e o DIU, em oposição aos métodos tradicionais, tais como a retirada, métodos ritmados ou a abstinência).

No entanto, para Anita Raj perante uma população em ascensão há trabalho a fazer. “As taxas totais de fertilidade diminuíram durante anos. Contudo, se o objetivo era uma verdadeira escolha e autonomia reprodutiva das mulheres, devia ter sido feito mais”.

As previsões preveem que a população da Índia continuará a aumentar durante as próximas décadas. A projeção da "variante média" da ONU coloca o pico de crescimento em 1,7 mil milhões de pessoas em 2064. As projeções de "variante baixa" veriam a curva de crescimento começar a nivelar em 2047.
Esterilização A forma mais usada de prevenção na Índia é a esterilização feminina (laqueação das trompas), que representa 38 por cento de todos os métodos contracetivos usados. “A enfase do programa nacional de planeamento familiar foi historicamente colocada na dimensão de família, e consequentemente, a esterilização foi o foco”, frisa Raj.

No entanto, as taxas de esterilização masculina representam apenas 0,3 por cento de todos os métodos contracetivos. Algo que se deve a uma sociedade patriarcal. O mesmo inquérito de saúde revelou que mais de um terço dos homens considera que a contraceção é da responsabilidade das mulheres.

Mas há também resistência à vasectomia masculina devido a "estigma e tabus" persistentes, sublinhou Debanjana Choudhuri, especialista em direitos do género na Índia.

Na década de 1970, a estagnação económica e social levou o governo indiano a lançar uma campanha em massa para esterilizar os homens como método de controlo populacional.
A aplicação da lei com mão pesada levou os homens a serem pressionados a fazer vasectomias sob pena de verem os seus salários aferrados ou perderem os seus empregos. Os homens pobres arriscaram-se a ser apanhados pela polícia nas estações ferroviárias e rodoviárias antes de serem enviados para a esterilização.

O resultado na Índia moderna é que "a vasectomia de bisturi tem uma adesão muito fraca", acrescentou Choudhuri. "Os homens não estão a fazer o suficiente".

Os esforços do Estado ainda evitam diversificar os métodos contracetivos. A esterilização para homens e mulheres é incentivada com pagamento, e alguns Estados introduziram uma política de duas crianças com penalidades, como a proibição de manter empregos governamentais para os que não cumprirem. O sector privado da saúde é o principal fornecedor de contracetivos de pílulas, injetáveis e preservativos.Controlo contracetivoAlém de colocar o fardo sobre as mulheres, a confiança na esterilização feminina limita as opções das mulheres. "A esterilização não suporta o espaçamento de partos, que é importante para a saúde e sobrevivência materna e infantil. Também não é uma solução para assegurar o controlo das mulheres sobre o momento da gravidez, limitando-as”, disse Raj.

"Se a esterilização é a escolha da mulher e apoia a saúde da mulher, então tudo bem; mas muitas vezes estas decisões são construídas com base nas expectativas da família e da comunidade", sublinhou.

As condições socioecónomicas também definem muitas das escolhas das mulheres em torno do planeamento familiar. O inquérito de saúde familiar de 2022 encontrou mulheres mais pobres e menos instruídas que vivem em zonas rurais, que provavelmente terão mais filhos em idades mais jovens e menos expostas a mensagens de planeamento familiar do que as mais ricas, instruídas e urbanas.

A geografia também desempenha um papel, com as mulheres das zonas mais pobres da Índia Oriental menos propensas a usar quaisquer métodos contracetivos, e especialmente menos propensas a usar contracetivos modernos.

"Provas mostram que quando se dá às mulheres a escolha de controlar a sua fertilidade e as oportunidades à sua volta [tais como a educação e oportunidade económica], vai-se sempre assistir à diminuição do tamanho das famílias", afirmou Alistair Currie, diretor de campanha da Population Matters, uma instituição de caridade com sede no Reino Unido que se ocupa do tamanho da população.

Com a atual forma, os esforços do governo indiano estão a abrandar o crescimento populacional a um ritmo cada vez mais rápido, mas os dados indicam que o planeamento familiar tem um papel cada vez mais importante. Continua a existir um fosso significativo entre a taxa de fertilidade desejada (número de filhos que as mulheres querem ter) de 1,6, e a taxa real de fertilidade de dois.

"Esperamos ver uma situação em que todas as gravidezes sejam desejadas e que as pessoas tenham a capacidade de fazer uma escolha [de engravidar]", acrescentou Currie. "Se fosse esse o caso, então veríamos uma taxa de fertilidade mais baixa na Índia".

Além disso, surge um surto de crescimento populacional: quase metade da população indiana tem menos de 25 anos de idade, sendo provável que venha a ter filhos nos próximos anos.

Para Choudhuri, "há um preconceito que vem com o programa de planeamento familiar - porque se chama planeamento familiar, muitas pessoas sentem que não é dirigido a elas. A população adolescente precisa de ser trazida para a conversa sobre contraceção. Neste momento, eles são excluídos, o que é alarmante".
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