Índia. Visita de Trump passa ao lado dos protestos contra lei da nacionalidade

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Modi defende “liberdade religiosa para todos com muita convicção”, sublinhou Trump Danish Siddiqui, Reuters

Há nas ruas uma Índia diferente daquela que recebeu Donald Trump em visita de Estado, uma Índia a fermentar há meses com uma convulsão em torno de uma lei que a comunidade muçulmana considera discriminatória para esta gigantesca minoria religiosa de 200 milhões de fiéis. Dezassete mortos e 150 feridos apenas durante essas 36 horas em que o presidente norte-americano pisou solo indiano.

Questionado sobre o que teria a dizer sobre o assunto, o Presidente norte-americano remeteu o assunto para quem de direito, a liderança indiana de Narendra Modi, apesar de, no discurso aos indianos que o receberam num estádio entusiasta, ter referido que a Índia era um país com lugar para todos, para todas as suas religiões.Modi defende “liberdade religiosa para todos com muita convicção”, sublinhou Trump.

É precisamente de religião que trata esta nova lei de Modi, um hindu. Desde a independência do país, há mais ou menos sete décadas, que a questão muçulmana nunca ficou resolvida. A divisão de que resultou o Paquistão, o facto de serem vizinhos com armamento nuclear são sinais suficientemente ilustrativos.

A nova lei permite que imigrantes oriundos de países vizinhos se candidatem à cidadania indiana, excepto numa condição: se forem muçulmanos. A comunidade muçulmana, contabilizada em cerca de 200 milhões de pessoas apesar de ser uma minoria, não aceita esta nova lei que acelera a cidadania para os não-muçulmanos e está, por isso, a combatê-la ferozmente nas ruas desde janeiro.Os partidos da oposição apontam o dedo a Modi, dizendo que a lei é inconstitucional, já que discrimina as pessoas em função da sua religião.

Dezenas de pessoas morreram nos protestos, apesar da proibição do governo de concentrações com mais de 20 pessoas. Apenas desde esta segunda-feira, o número de vítimas mortais ascende já a 17 pessoas, com os feridos conduzidos aos hospitais a atingiram a marca de centena e meia, um terço dos quais atingidos por armas de fogo.

Há cerca de um ano, Narendra Modi era visto como um líder incontestado, o mais popular em décadas, alavancado numa vitória esmagadora do seu partido nacionalista hindu (Bharatiya Janata). Esse cenário alterou-se com a nova lei da nacionalidade.

Enquanto a ideia transmitida pelas televisões é a de um líder tranquilo – com o estádio a vangloriar Trump, um visitante bem-vindo, o povo atento ao anúncio de uma parceria reforçada entre os dois gigantes, uma cooperação profícua para todos –, as ruas da capital Nova Deli agitam-se como não se via há muito.

Dezassete mortos, centena e meia de feridos em pouco menos de 48 horas, a resposta da polícia munida de gás lacrimogéneo às pedras dos manifestantes, veículos em chamas e lojas arrombadas, foi este o cenário contornado pela agenda das cerimónias oficiais.O primeiro-ministro Modi tem sido acusado de querer lançar a Índia, um Estado secular, no rumo do hinduísmo.

A polícia “não está a conseguir controlar a situação e promover um clima de confiança”, admitia já hoje Arvind Kejriwal, atual sétimo ministro-chefe e uma das mais altas autoridades políticas da capital. Chegou a lançar o apelo para que o exército seja chamado a tomar conta da situação em nova Deli e que um recolher obrigatório entre em efeito em certas zonas.

De acordo com testemunhas, os tumultos que percorrem a capital não têm poupado os jornalistas que têm sido apanhados entre grupos muçulmanos e grupos hindus.

Os partidos da oposição apontam o dedo a Modi, dizendo que a lei é inconstitucional, já que discrimina as pessoas em função da sua religião. Mas o governo contrapõe que se trata de uma lei que procura, antes, proteger minorias religiosas que se encontram em fuga e procuram escapar à perseguição sofrida nos seus países de origem.
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