Índios guarani ocupam área nobre em Niterói e geram polémica ao reivindicarem a restinga como terra indígena

** Carla Mendes, da Agência Lusa **

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Rio de Janeiro, Brasil, 18 Mai (Lusa ) - A restinga de Camboinhas, uma das regiões mais valorizadas de Niterói, a 50 quilómetros do Rio de Janeiro, é actualmente palco de uma grande polémica entre indígenas de origem guarani e órgãos públicos e moradores da área.

De um lado, os 38 índios que estão a ocupar há dois meses a restinga reivindicam o reconhecimento da área de 180 hectares, o equivalente a 200 campos de futebol, como reserva indígena e de preservação ambiental.

De outro, os moradores reclamam contra a invasão da terra da União e alegam que os indígenas estão a destruir uma área de reserva ambiental.

"Neste sítio, temos dois sambaquis e três cemitérios indígenas", disse à Lusa o índio guarani Arão da Providência, que é membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Sambaquis é o nome dado a sítios pré-históricos formados pela acumulação de conchas e moluscos, ossos humanos e de animais, comuns no litoral brasileiro.

"Ainda não foi comprovada a existência de sambaquis no local. E de cemitério, ali não tem nada. Que eles ocupem uma área de reserva indígena realmente", replicou a advogada da Sociedade Pró-Preservação Urbanística e Ecológica de Camboinhas (Soprecam), Adriana Alves da Cunha.

As dez famílias de origem guarani deixaram a aldeia Paratimirim, em Paraty, a 260 quilómetros ao sul do Rio de Janeiro, fugindo de dificuldades financeiras, e chegaram a Camboinhas em Março .

Segundo os indíos, o superpovoamento é um dos maiores problemas da reserva de Paratimirim, onde vive uma população de 600 indígenas em apenas 60 hectares de terra.

Em Camboinhas, região valorizada de praias oceânicas em Niterói, as famílias guarani construíram cinco ocas de palha na restinga entre o mar e a lagoa de Itaipu.

Numa delas funciona uma escola, onde as crianças aprendem guarani, português e matemática.

Os índios insistem que "a duna de Itaipu é o maior cemitério indígena do Brasil".

"Aqui estão enterrados os mortos do massacre dos tupinambás pelos portugueses, em 1568. Temos séculos de história aqui, onde ainda é possível encontrar ossos manchados de sangue", salientou o advogado e índio guarani Arão da Providência.

A advogada da Soprecam, por seu turno, disse à Lusa que a ocupação da restinga "é um absurdo".

"Com a instalação dos índios, está a haver um impacto ambiental enorme. Por isso, a gente quer que eles saiam daqui para recuperar a área. Não temos nada contra os índios, mas a área é uma reserva ambiental e estamos lutando pela preservação apenas", contrapôs Adriana Cunha.

Alguns moradores destacam o facto de os índios serem aculturados - têm carros, computadores portáteis e telemóveis.

Os índios rebatem, contudo, que a tecnologia não foi feita para um grupo específico.

"O uso de tecnologia não descarta as raízes culturais", afirmou à Lusa o antropólogo Tonico Benites, membro da etnia guarani-kaioá, que apoia a causa dos guarani em Camboinhas.

O Ministério Público Federal (MPF) recebeu, em meados de Abril, um ofício da Sociedade Pró-Preservação Urbanística e Ecológica de Camboinhas a denunciar a ocupação da restinga.

O MPF informou que já abriu procedimento para investigar a denúncia da Soprecam e que uma arqueóloga está a preparar um relatório sobre a presença indígena na região.

Segundo dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), no Brasil há 460 mil indígenas de mais de 200 etnias, o que representa apenas 0,25 por cento do total da população brasileira.

Os índios guarani somam aproximadamente cinco mil pessoas e suas actividades económicas são a pesca e a confecção de artesanato.

A polémica em Camboinhas coincide com o debate nas três instâncias de poder no Brasil - Executivo, Legislativo e Judiciário - e na sociedade brasileira sobre a demarcação de terras indígenas, nomeadamente a da reserva Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima, região amazónica, onde há graves conflitos entre índios e fazendeiros.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar nos próximos 60 dias a acção que contesta a homologação desta reserva, em 2005, numa área contínua de 1,7 milhões de hectares.

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