Filipe Natálio compara mesmo esta conquista à “Champions League”, isto porque apenas os investigadores que já tenham recebido uma bolsa de consolidação se podem candidatar a este financiamento.
No coração da investigação científica, onde a biologia se cruza com a inovação, encontramos Filipe Natálio, um investigador que integrou a Unidade de Investigação em Ciências Biomoleculares Aplicadas (UCIBIO) da faculdade Nova FCT e que procura desafiar alguns limites da ciência.
Agora, com esta conquista, um montante de 150 mil euros, a bolsa que permite desenvolver o projeto BioDenim vai reforçar o financiamento principal deste investigador de 45 anos de dois milhões de euros que já tinha obtido anteriormente.
A coloração dos tecidos e sustentabilidade. Uma Inovação que procura responder aos desafios ambientais e de saúde
Atualmente a indústria têxtil, uma das mais poluentes do mundo, enfrenta vários desafios relacionados a coloração dos tecidos. Embora o tingimento de peças seja uma prática comum, o processo utilizado até agora é altamente ineficiente e prejudicial tanto ao meio ambiente quanto à saúde humana.
Uma das soluções encontradas para este processo é a utilização de pigmentos sintéticos, derivados de processos químicos, mas estes pigmentos contribuem para vários focos de contaminação, sendo também uma das principais fontes de resíduos tóxicos que afetam os ecossistemas aquáticos e, por consequência, os seres humanos.
Neste sentido os investigadores procuraram na natureza formas de obter esses pigmentos sem recurso à solução química, utilizando pigmentos derivados da biotecnologia.
A utilização de pigmentos sintéticos contribue para vários focos de contaminação que afetam os ecossistemas aquáticos e, consequentemente, os seres humanos | Foto: Unsplach
O projeto, ainda em fase de testes, busca substituir os pigmentos sintéticos por alternativas naturais, que não sejam tóxicas nem para as pessoas nem para o meio ambiente.
A chave desse processo está na utilização de corantes extraídos de corais marinhos, especificamente corais que possuem genes responsáveis pela produção de pigmentos.
O investigador Filipe Natálio afirma com graça que é oriundo das Caldas da Rainha, que é surfista e que o mar esteve desde sempre ligado à sua personalidade e desenvolvimento pessoal.
“Gosto do mar, sou surfista (…) e tenho sempre uma ligação muito próxima do mar. Eu acho que o mar sempre foi uma fonte de inspiração e, como tal, eu acho que nós temos o privilégio de viver num país à beira mar plantado, com uma riqueza de biodiversidade, de biodiversidade enorme. [Este mar] tem muitas fontes de inspiração para podermos utilizar na nossa investigação”, enuncia.
A inovação desta investigação do químico da Nova FCT baseia-se na utilização de bactérias geneticamente modificadas.
Muito embora a União Europeia seja bastante rigorosa no que diz respeito a plantas e organismos geneticamente modificados, limitando o desenvolvimento de tecnologias e inovação numa altura em que a ciência se apoia nestas tecnologias, o investigador da UCIBIO garante que “as soluções inovadoras respeitam a biologia”.
De acordo com Filipe Natálio a coloração dos corais é inserido nas bactérias, que são cultivadas em reatores biológicos. Bactérias essas que ao crescerem produzem a cor desejada.
Após a produção, a cor é extraída das bactérias por meio de um processo de purificação e este processo elimina a necessidade de utilizar corais reais, garantindo que o impacto ambiental seja minimizado.
O processo não só substitui os pigmentos sintéticos, mas também oferece vantagens adicionais: a água utilizada no processo de tingimento pode ser reciclada e utilizada na agricultura, fechando o ciclo e promovendo uma economia circular, explica o investigador.
Um desenvolvimento científico que pode ser transformador
A utilização de corantes naturais e não tóxicos evita a poluição causada pelos químicos sintéticos, mas também abre a possibilidade de se criar uma produção têxtil mais sustentável, em sintonia com as práticas de reutilização e conservação dos recursos naturais.
Filipe Natálio destaca ainda que o maior desafio é a resistência dos pigmentos naturais após múltiplas lavagens, mas os primeiros testes já indicam promissores resultados.
Esta inovação, que está a ser desenvolvida em Portugal, é assim um reflexo do avanço da ciência aplicada a práticas mais verdes e sustentáveis na indústria têxtil. Além de representar um avanço para a saúde humana e meio ambiente, também oferece um novo modelo para outras indústrias, indicando que é possível combinar inovação tecnológica e sustentabilidade de forma eficaz.
A ideia do investigador português é criar campos de algodão coloridos de forma natural | Foto: Unsplach
Branco algodão. Mas por que não azul?
E qual é visão de Filipe Natálio? Criar algodão que já nasce colorido.
“Estamos a tentar cultivar plantas que, ao crescerem, já tenham cor no interior das fibras”, revela. Este conceito inovador, que parece saído de um filme de ficção científica, é um verdadeiro quebra-cabeças biológico, porque afinal o algodão também engana e “trabalhar com o algodão não é tarefa fácil”, admite o investigador.
A planta tem uma constituição genética complexa, dificultando alterações bioquímicas. “Sabemos bastante sobre o algodão, mas ainda não o suficiente para fazer o que queremos”, confessa.
Quando se fala em algodão, muitas das vezes surge em mente aquele grande novelo doce, com um aroma característico. Mas esta ideia não está longe do processo que a equipa de Filipe Natálio desenvolveu numa solução inédita através de moléculas de açúcar, também conhecidas por celulose.
A celulose é um polímero utilizado em muitos dos produtos que usamos e composta por unidades idênticas, como peças de lego feitas de açúcar, criando assim um “algodão doce”.
“Estas células crescem e vão-se tapando com a chamada celulose e, portanto, esta celulose é composta por moléculas de açúcar pequeninas, portanto os chamados monômeros. Ela vai-se tapando, como se fosse assim um chouriço, que depois tem em si uma capa, e essa capa é feita desses açucares. Por isso é que nós brincamos e as vezes dizemos que é o algodão doce. Porque na realidade é verdade. As nossas t-shirts são feitos de algodão doce. Se nós partíssemos as nossas t-shirts em moléculas, basicamente podíamos fazer um xarope.”
Após compreender este processo, os cientistas desenharam e sintetizaram moléculas de açúcar para fornecer aos algodoeiros. O resultado foi um algodão tingido com as moléculas de açúcar, cujas cores permaneceram intactas.
O problema ambiental do tingimento têxtil
O setor têxtil tem um impacto ambiental significativo, especialmente devido ao seu consumo excessivo de água e à poluição dos rios com corantes industriais. “Nos países do Sudeste Asiático, é possível prever a próxima cor da moda apenas observando a cor dos rios”, comenta o investigador.
Para tingir uma única t-shirt, são necessários cerca de 2700 litros de água, evidenciando a ineficiência e o impacto ambiental do processo tradicional.
Embora o tingimento de peças como t-shirts ou umas calças de ganga sejam uma prática comum, o processo actualmente utilizado é altamente ineficiente e prejudicial tanto ao meio ambiente quanto à saúde humana.
Ao longo do tempo, muitos pigmentos sintéticos, derivados de processos químicos, têm sido usados para dar cor aos tecidos. No entanto, esses pigmentos frequentemente causam contaminação e são uma das principais fontes de resíduos tóxicos que afetam os ecossistemas aquáticos e os seres humanos.
“O problema surge na quantidade de pigmento que realmente permanece na roupa — muitas vezes, apenas uma fração é absorvida pelo tecido, enquanto o restante se perde na água. Esse desperdício resulta em grandes quantidades de resíduos contaminantes. Além disso, a exposição constante aos pigmentos e produtos químicos, como o uso de alvejantes e detergentes, pode afetar a saúde das pessoas ao longo do tempo. Isso sem mencionar o impacto negativo que esses químicos têm no meio ambiente, retornando para os seres humanos de maneira indireta, muitas vezes sem que se perceba.”
Para tingir uma única t-shirt são necessários cerca de 2700 litros de água | Foto: Unsplach
O investigador português está empenhado em criar uma solução mais sustentável para o tingimento de tecidos, utilizando pigmentos derivados da biotecnologia.
O projeto, ainda em fase de testes, busca substituir os pigmentos sintéticos por alternativas naturais que não sejam tóxicas nem para as pessoas nem para o meio ambiente. A chave desse processo estará nesses corantes extraídos dos corais marinhos, especificamente os corais com genes responsáveis pela produção de pigmentos.
Um Futuro. Campos coloridos e moda sustentável
A visão final é ambiciosa: campos de algodão em tons vibrantes, prontos para ser colhidos e transformados em peças de roupa sem a necessidade de tintas artificiais. “Se conseguirmos fazer isto, será uma mudança radical na indústria da moda”, destaca Filipe.
A ciência está em plena ebulição e os desafios são imensos. Mas, no laboratório onde biologia, materiais e criatividade se encontram a revolução já começou.
O futuro da moda pode estar prestes a florescer em tons nunca antes vistos e diretamente da natureza.
Ouça a entrevista ao investigador Filipe Natálio ao Podcast Meta Zero pela jornalista Rita Faria Fernandes.