Investigadora guineense pede nova reflexão sobre liberdade e independência
A poeta e investigadora guineense Odete Semedo defendeu hoje que, 50 anos após a independência dos países lusófonos, é urgente repensar a liberdade, denunciar injustiças, alertando que o colonialismo "não desapareceu, reinventou-se" e exige novas lutas e protagonistas.
"Meio século depois, somos obrigados a interrogar o que fizemos desse compromisso, o que foi feito da esperança revolucionária que animava os rostos dos combatentes, das mulheres, dos jovens, dos trabalhadores", afirmou.
Odete Semedo intervinha num colóquio dedicado à reflexão sobre os 50 anos das independências dos países lusófonos, que decorre entre hoje e sexta-feira.
A investigadora lembrou que a liberdade conquistada com a independência continua a ser limitada por injustiças estruturais: "a terra continua mal repartida, a juventude parte por falta de oportunidades, levando à emigração e ao êxodo rural, e a dignidade é privilégio de poucos".
Ex-ministra da Educação (1997 e 1999) e da Saúde (2004 e 2005) da Guiné-Bissau, Odete Semedo recordou que muitos destes países enfrentaram instabilidade política e económica após a independência.
Defendeu que, atualmente, "ser livre é ter soberania alimentar, cuidar do ambiente, controlar os recursos, educar os filhos também nas nossas línguas e cuidar da terra segundo os nossos saberes".
Para a investigadora, reafirmar o compromisso com a independência significa entender que a liberdade "não é só a ausência do colonizador opressor branco ocidental, mas é sobretudo a presença da justiça e da inclusão".
"A independência, 50 anos depois, exige novas lutas e novos protagonistas: a juventude", afirmou, sublinhando que os jovens africanos "não são apenas herdeiros da história, mas sim autores do futuro".
A luta, acrescentou, não terminou com os hinos ou as constituições, "apenas mudou de forma, porque o colonialismo mudou de roupagem e de faces.
"Hoje, as formas de dominação se sofisticaram. O colonialismo não desapareceu, reinventou-se", apontou.
Entre os novos mecanismos de dominação, apontou a dívida externa controlada por instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, o extrativismo predatório de empresas multinacionais, a dependência tecnológica e a submissão cultural.
Também participante no colóquio, a jurista e política luso-angolana Francisca Van Dunem considerou que a independência política foi "um passo historicamente indispensável" para garantir a autodeterminação e a soberania dos povos.
"O autogoverno, a autodeterminação, a independência são exigências conaturais a todos os indivíduos e povos", afirmou.
Para os angolanos, acrescentou, é essencial "reconciliar esse passado com o compromisso de realizações positivas no presente e no futuro".
Van Dunem, que ocupou em Portugal as pastas ministeriais da Justiça e, interinamente, a da Administração Interna, apontou ainda que refletir sobre o passado deve servir para evitar repetir erros: "Deve apenas ilustrar-nos sobre aquilo que não queremos, em nenhuma circunstância, ver repetido", acrescentou.
O colóquio é promovido pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e decorre no Centro Científico e Cultural de Macau.
O objetivo é reunir vozes de diferentes países para discutir o legado das independências e os desafios atuais.
As independências da Guiné-Bissau, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Timor-Leste aconteceram entre 1973 e 2002, na sequência das lutas de libertação nacional contra o domínio colonial português.
Cinquenta anos depois, o colóquio propõe um balanço dessas conquistas e obstáculos, refletindo também sobre o papel dos movimentos nacionalistas na articulação das aspirações dos seus povos, no contexto das lutas emancipadoras em África e na Ásia.
Entre os participantes estão também o escritor moçambicano Luís Bernardo Honwana e a diplomata timorense Pascoela Barreto.
A primeira sessão foi dedicada às memórias e compromissos das independências, reunindo testemunhos de figuras que viveram diretamente o processo de transição.
Durante a tarde, o debate centra-se na continuidade das lutas de libertação no Sul Global, com destaque para o apoio de Angola e Moçambique à independência do Zimbabué, Namíbia e África do Sul, além da solidariedade com outras lutas anticoloniais, como a de Timor-Leste.
O segundo e último dia do colóquio será dedicado à reflexão sobre legados, heranças e políticas transformadoras para o futuro.