Iraque, 20 anos depois. Erros da invasão ainda pesam na fatura americana

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
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Vinte anos depois da invasão do Iraque pelos Estados Unidos e aliados, as contas estão razoavelmente feitas aos erros que sustentaram a operação. Número de mortos civis que variam entre 300 e 600 mil conforme as fontes, o falso argumento das armas de destruição massiva iraquianas que deu luz verde à invasão e uma campanha que ao fim de década e meia deixaria um país em caos, uma fraca alternativa à ditadura de mão férrea de Saddam Hussein e campo fértil para o surgimento de novos grupos radicais islâmicos.

As contas da Universidade de Brown citadas pela Associated Press apontam para a perda de 300 mil vidas entre civis iraquianos, mas outras fontes chegam a dobrar este número para o balanço do conflito.

Acresce, do lado americano, a perda de 4.500 militares e um orçamento de guerra que ascendeu a 2 triliões de dólares nessa campanha depois estendida à Síria, onde combateu os extremistas do Estado Islâmico.

São várias as críticas à operação Iraque apontadas pelos inimigos e detratores dos Estados Unidos. A primeira convoca à memória o momento em que o secretário de Estado norte-americano Colin Powel discursava perante as Nações Unidas.

Nesse dia 5 de fevereiro de 2003, numa peroração que levou quase hora e meia perante a assembleia reunida em Nova Iorque, Powell garantia de fonte segura a existência de armas de destruição massiva no regime de Saddam Hussein e o carimbo nessa verdade, que veio depois a cair por terra, foi tudo quanto bastou à ONU para autorizar aquela que viria a ser a operação militar ocidental mais duradoura no Médio Oriente.

Esta falha atingiu o secretário de Estado do presidente George W. Bush de forma duradoura. Foi uma ferida no seu currículo que nunca mais fechou. Num livro de memórias, uma década depois, afirmou: “Não foi o primeiro, mas foi um dos meus fracassos mais importantes, aquele de maior impacto”.

“[Powell] disse que iria para o túmulo com essa tortura do Iraque”, confidenciou Larry Wilkerson, coronel reformado e que era então chefe de gabinete de Powell e mais tarde um crítico acérrimo da Administração Bush.

Há um ano, o próprio George W. Bush teria um lapsus linguae ao pretender referir-se “à decisão de um homem [Vladimir Putin] de lançar a injustificada e brutal invasão” da Ucrânia. Ao invés, Bush declara a “decisão de um homem de lançar a injustificada e brutal invasão do Iraque”. O ex-presidente corrige para “Ucrânia”, ri-se da situação, mas acrescenta: “Do Iraque também, de qualquer forma”.

A intervenção norte-americana foi apoiada inicialmente por Londres, mas também por Espanha e Portugal, que recebeu a 16 de março, nos Açores, George W. Bush, o presidente americano, Tony Blair, primeiro-ministro britânico e José Maria Aznar, líder do governo espanhol. O então primeiro-ministro Durão Barroso foi o anfitrião da Cimeira das Lajes encontro que culminaria quatro dias depois no início da intervenção militar no Iraque.

A incapacidade para localizar o alegado armamento iraquiano viria entretanto lançar uma mancha sobre a capacidade dos serviços de informações norte-americanos. A dúvida começara dois anos antes com as acusações aos serviços secretos por não terem evitado os ataques lançados pela al Qaeda de Bin Laden a 11 de Setembro contra o World Trade Center, fazendo três mil vítimas e provocando a derrocada das torres gémeas.

Umas das consequências dos sucessivos fiascos relacionados com o Iraque foi a consciência de que era necessário mexer na máquina dos serviços de informações, que, de acordo com um trabalho da AP, viria a sofrer profundas alterações. A CIA perdeu o seu papel de supervisão sobre outras agências de espionagem e reformas foram implementadas para permitir que os analistas avaliem melhor as fontes e contestem as conclusões face a possíveis enviesamentos.

Avril Haines, atual diretora dos serviços de informações dos Estados Unidos, sublinha esses novos padrões de análise e supervisão: “Aprendemos lições fundamentais na sequência da avaliação falhada do programa ativo de ADM (armas de destruição massiva) no Iraque em 2002. Desde então, por exemplo, redobrámos o uso de técnicas analíticas estruturadas, estabelecemos padrões analíticos em toda a comunidade e melhorámos as capacidades de supervisão. Como em todas as partes do nosso trabalho, esforçamo-nos por aprender as lições que nos permitem avançar na forma de ver as coisas com maior efeito ao serviço da segurança nacional”.
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