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Irlanda do Norte. O que está a motivar os violentos protestos?

por Joana Raposo Santos - RTP
Os protestos acontecem num momento de tensão crescente em torno do acordo do Brexit. Jason Cairnduff - Reuters

Há quase duas semanas que a Irlanda do Norte tem sido palco de protestos, cada vez mais violentos, que estão a comprometer o frágil acordo de paz entre loyalists - os que defendem a permanência da Irlanda do Norte no Reino Unido - e nacionalistas - que querem a união do país com a República da Irlanda. Pelo menos 74 polícias já ficaram feridos nos confrontos. Este sábado, um dia depois de se assinalarem os 23 anos do Acordo de Sexta-Feira Santa, o chefe de Governo norte-irlandês pediu que o país "não regresse a um lugar escuro de assassinatos e discórdia política".

O primeiro dia de conflitos aconteceu a 29 de março, quando agentes foram atacados depois de tentarem separar uma multidão de cerca de 40 pessoas. Nas cinco noites seguintes, incidentes semelhantes aconteceram por toda a cidade de Londonderry.

Por essa altura, as manifestações espalharam-se à capital da Irlanda do Norte, Belfast, onde um dos protestos terminou com mais um ataque à polícia, deixando 15 agentes com queimaduras e outras lesões. A maioria dos manifestantes é jovem, tendo participado nos protestos crianças desde os 12 anos, segundo as autoridades policiais.

Na passada quarta-feira, em Belfast, os confrontos foram entre manifestantes nacionalistas e loyalists, que acabaram por ultrapassar a chamada “linha de paz”, um muro que separa os bairros predominantemente independentistas dos nacionalistas. A polícia teve de intervir e contabilizou mais de 600 pessoas no local.

No dia seguinte, veículos da polícia foram apedrejados no lado nacionalista do muro, forçando os agentes a dispersar a multidão com a ajuda de cães e de um canhão de água.

Na origem de todos estes confrontos terá estado o funeral de Bobby Storey, antigo responsável do IRA (Exército Republicano Irlandês), antiga organização paramilitar que lutava pelo fim da autoridade britânica no território e pela reunificação da Irlanda.

No funeral, no último verão, cerca de duas mil pessoas terão desrespeitado as restrições impostas devido à pandemia de Covid-19 para prestarem homenagem a Storey. Os recentes protestos começaram na semana em que as autoridades revelaram que não iriam apresentar queixa contra os líderes do partido nacionalista, o Sinn Fein, por terem participado no ajuntamento no funeral.

Houve também quem sugerisse que grupos paramilitares apoiantes da permanência da Irlanda do Norte no Reino Unido fossem responsáveis pela violência nos protestos, depois de a polícia ter levado a cabo um desmantelamento de redes de tráfico de droga das quais esses grupos fariam parte. A teoria, porém, foi este sábado desmentida pela própria polícia.

“[A violência] não foi orquestrada por um grupo em nome desse grupo”, esclareceu o Serviço Policial da Irlanda do Norte (PSNI). “Há certamente pessoas que estiveram envolvidas na violência que nada têm a ver com qualquer organização ilegal”.
Brexit também na origem dos protestos
Os protestos acontecem num momento de tensão crescente em torno do acordo do Brexit. Ao longo das negociações para a saída do Reino Unido da União Europeia, todas as partes concordaram que qualquer acordo futuro iria honrar o chamado Protocolo da Irlanda do Norte, um acordo de paz que é também conhecido por Acordo de Sexta-Feira Santa e cuja assinatura celebrou ontem 23 anos.

O Acordo em questão marcou o fim dos violentos conflitos na Irlanda do Norte que duraram desde o fim da década de 1960 até 1998, entre nacionalistas e loyalists.

Apesar de o primeiro-ministro Boris Johnson ter garantido, em 2019, que “sob quaisquer circunstâncias haverá controlos na fronteira com a Irlanda do Norte, em respeito pelo processo de paz e pelo Acordo de Sexta-Feira Santa”, tal não se verificou completamente.

Após o Brexit, foi implementado um novo acordo: o Protocolo da Irlanda do Norte, segundo o qual passa a existir uma fronteira de facto no Mar da Irlanda que faz com que as mercadorias que entrem nesse país vindas da Grã-Bretanha fiquem sujeitas a controlos por parte da União Europeia.

Boris Johnson esteve reunido esta semana com Micheál Martin, chefe de Governo norte-irlandês (cargo conhecido por Taoiseach), para discutirem os recentes episódios de violência.

“Frisando que a violência é inaceitável, [os dois líderes] apelaram à calma”, avançou um comunicado do gabinete do Taoiseach. “O caminho a seguir é o diálogo e o do trabalho com as instituições do Acordo de Sexta-Feira Santa”, acrescentou.

Este sábado, Martin lançou mais um apelo. “Devemos à geração do acordo e às gerações seguintes que não regressemos a esse lugar escuro de assassinatos e discórdia política”.
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