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"Irresponsável" e "perigoso". A reação ao plano de reforço do arsenal nuclear do Reino Unido

por RTP
Um dos quatro submarinos classe Vanguard que formam a força nuclear de dissuasão do Reino Unido Royal Navy

O aumento em cerca de 45 por cento do limite das reservas do Reino Unido em ogivas nucleares foi acolhido por uma chuva de críticas, tendo sido mesmo considerado uma violação da lei internacional.

O relatório de revisão estratégica de Segurança, Defesa e Política Externa foi apresentado esta terça-feira pelo Governo de Boris Johnson e inverteu políticas de desarmamento seguidas pelos governantes britânicos desde o fim da União Soviética. Em 2010, o Governo do Reino Unido estabeleceu um máximo de 180 ogivas para o país até meados da década de 2020. Boris Johnson elevou agora o teto para um novo máximo de 260 ogivas.

As conclusões do documento foram denunciadas sem hesitações por ativistas anti-nucleares e anti-armamento.

"A decisão do Reino Unido de aumentar o teto do seu arsenal nuclear em plena pandemia é irresponsável, perigosa e viola a lei internacional", reagiu em comunicado a diretora executiva da Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares, ICAN, baseada em Genebra.

Beatrice Fihn sublinhou ainda que "enquanto a maioria das nações do mundo lideram os esforços para um futuro mais seguro sem arsenais nucleares, assinando o Tratado de Proibição de Armas Nucleares, o Reino Unido investe numa perigosa nova corrida a armas nucleares".

O acordo referido por Fihn, NPT na sigla em inglês, foi assinado por mais de 50 países mas nenhuma das nove nações nucleares do planeta o ratificou. Prevê um desarmamento nuclear gradual e o seu espírito foi defendido por anteriores governos britânicos.
Reforçar a dissuasão
O atual primeiro-ministro justificou a decisão com a necessidade de garantir a segurança do Reino Unido num ambiente global mais inseguro, e face a novas ameaças tecnológicas.

O relatório invocou as ameaças colocadas por "alguns Estados", que "estão a aumentar significativamente e a diversificar os seus arsenais nucleares", pelo terrorismo nuclear e pela ascensão de novos Estados nucleares, para concluir pela necessidade de reforço da capacidade dissuasora, de forma a garantir a segurança do povo britânico e dos seus aliados. "Tendo em conta o ambiente de segurança em evolução, incluindo a gama crescente de ameaças tecnológicas e ideológicas, tal [desarmamento nuclear gradual] deixou de ser possível e o Reino Unido irá passar a ter uma reserva geral de armas nucleares com não mais do que 260 ogivas", lê-se no relatório.

"O agravamento da competição global, os desafios à ordem internacional e a proliferação de tecnologias potencialmente desestabilizadoras ameaçam a estabilidade estratégica", referiram os autores do documento.

Um grupo global de antigos estrategas políticos que advogam a paz, conhecido como The Elders - Os Anciãos - criticou as conclusões face às novas ameaças.

"Enquanto o Reino Unido cita ameaças à segurança para justificar esta decisão, a resposta apropriada a estes desafios seria investir e trabalhar multi-lateralmente no reforço dos acordos internacionais de desarmamento e reduzir - não aumentar - o número de armas nucleares que já existem", reagiu Mary Robinson, líder do grupo.
Planos de Boris
Questionado no Parlamento, Boris Johnson garantiu que continua a defender a redução global de arsenais nucleares.

E anunciou que o seu Governo planeia substituir o atual modelo das ogivas do país por um mais recente, capaz de operar em quatro novos submarinos já em construção e que deverão entrar ao serviço dentro de 10 anos.

Johnson garantiu que irá trabalhar com os Estados Unidos de modo a garantir que as novas ogivas se mantêm compatíveis com os atuais submarinos nucleares Trident.O ramo da ICAN no Reino Unido denunciou a "hipocrisia em esteroides" manifestada no relatório apresentado pelo Governo e desafiou os britânicos a reagir negativamente.

Kate Hudson, a secretária-geral da ICAN em solo britânico, lembrou ao Financial Times o acordo do mês passado entre os Estados Unidos e a Rússia para prolongar o Novo Tratado START, de redução de armas estratégicas, por mais cinco anos.

"Agravar tensões globais e desperdiçar os nossos recursos é uma decisão irresponsável e potencialmente desastrosa", denunciou. "Quando o mundo se debate com o caos pandémico e climático, é inacreditável que o nosso Governo opte por aumentar o nosso arsenal nuclear".
Escócia revoltada
O ICAN-UK sublinhou ainda a "indiferença arrogante" do primeiro-ministro para com a vontade da Escócia, país que acolhe o arsenal nuclear britânico, assim como uma das três principais bases navais da Marinha de Guerra britânica, a Royal Navy.

O Partido Nacional da Escócia, SNP, que rege a área de Faslane, onde as ogivas estão armazenadas, juntou-se ao coro da condenação.

"Renovar as armas nucleares do programa Trident já tinha sido uma decisão vergonhosa e regressiva, contudo, aumentar o teto do número de armas Trident que o Reino Unido pode armazenar em mais de 45 por cento é nada menos do que abominável", afirmou ao Independent o porta-voz do SNP para a Defesa, Stewart McDonald.

"Diz muito das prioridades de investimento do Governo conservador que esteja disposto a aumentar a sua coleção de armas de destruição massiva - que ficarão a ganhar pó a não ser que o Reino Unido planeie arrasar indiscriminadamente populações inteiras - em vez de se focar nos desafios graves e desigualdades na nossa sociedade que foram ainda mais evidenciadas pela pandemia", acrescentou McDonald.

A Royal Navy é uma força com capacidade de operar em águas internacionais, atrás apenas da Marinha dos Estados Unidos, e é responsável pela manutenção das armas nucleares do Reino Unido e dos mísseis balísticos lançados a partir de submarinos.
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