Israel está a "gazaficar" a Cisjordânia, avisa empresário e escritor palestiniano

O empresário e escritor palestiniano Sam Bahour alerta que Israel está a replicar na Cisjordânia os métodos que aplica na Faixa de Gaza, embora de forma "muito sofisticada", através da fragmentação do território ocupado e do estrangulamento da economia.

Lusa /

Ao `gazaficar` a Cisjordânia, os israelitas "fragmentaram o território de um modo tão abrangente" que cada fragmento "acaba por receber um nível de ocupação diferente", segundo o destacado empresário e ativista palestiniano, em entrevista à Lusa em Ramallah.

Isto leva a que, por exemplo, em Ramallah as pessoas digam que vivem "uma ocupação cinco estrelas", satirizando com uma ilusão de normalidade, apesar da presença militar israelita na capital administrativa da Palestina, mas bastante diferente de outras regiões do território.

"Como a liderança [política] está aqui, os meios de comunicação estão aqui, os representantes estrangeiros estão aqui, eles [israelitas] vêm à cidade, prendem pessoas, mas menos do que em Nablus, Jenin ou Tulkarem", descreve, referindo-se a áreas do território palestiniano sujeitas a uma crescente violência de militares e colonos extremistas.

Em Jenin, prossegue, mais de 40 mil pessoas foram deslocadas em ações das forças israelitas, o que "é exatamente o mesmo que elas estão a fazer em Gaza", onde a guerra entre Israel e os radicais islamitas do Hamas está prestes a cumprir dois anos, com um balanço de dezenas de milhares de mortos e a quase totalidade da população forçada a abandonar as suas casas

O palestiniano relata que há muitas coisas que os olhos não alcançam sobre a situação na Cisjordânia, em que Ramallah consegue "manter os seus edifícios bonitos, as pessoas vestem-se bem e convivem nos cafés", mas adverte que "isso não significa que não esteja sob ocupação militar", como atestam os `checkpoints" israelitas e o "muro da separação", que divide a cidade de Jerusalém Oriental.

"Em última análise, toda a região está sob uma ocupação militar que se expande de dia para dia através de colonatos e estradas de colonatos e que nos tira a terra água e a terra", numa política deliberada de "estrangulamento da economia, que está a forçar muitas pessoas a decidirem sair ou a tornarem-se violentas".

Nascido há 64 anos em Ohio, nos Estados Unidos, Sam Bahour regressou às suas raízes palestinianas após os acordos de Oslo, que selaram uma paz pouco duradoura entre Israel e Palestina, e estabeleceu-se nas últimas três décadas na região de al-Bireh e Ramallah, onde desenvolve a sua atividade empresarial com foco no setor das telecomunicações, mas também na banca e comércio, sem perder de vista o seu ativismo político.

"É o que todos os palestinianos nascem a fazer, o que significa que estamos intrinsecamente envolvidos na paisagem política, quer queiramos quer não", comenta o também escritor e convidado frequente em conferências e órgãos de referência de comunicação internacionais, para analisar o conflito na região e que, com os seus quase dois metros de altura, já foi descrito como "o homem mais alto de Ramallah".

No dia 07 de outubro de 2023, decidiu, porém, parar de escrever, no seguimento dos ataques dos islamitas do Hamas em território israelita, onde fizeram 1.200 mortos e 251 reféns, desencadeando a guerra na Faixa de Gaza, que nos últimos dois anos custou a vida a dezenas de milhares de civis e acusações imputadas a Israel de genocídio e imposição de fome aos habitantes do enclave., o que é negado por Telavive.,

As autoridades israelitas têm também intensificado as expulsões de palestinianos na Cisjordânia e Jerusalém Oriental para dar lugar aos seus planos de expansão de assentamentos, a par de operações militares de desalojamentos forçados e buscas de suspeitos de ataques contra Israel.

Os relatos de violência tornaram-se quase diários desde o início da ofensiva na Faixa de Gaza, envolvendo igualmente colonos radicais, protegidos pela ala extremista do executivo israelita, que ameaça anexar toda a Cisjordânia, num crescendo de tensão ainda por suster e que, para o empresário palestiniano, não começou naquele dia de 2023.

"Se as pessoas não conhecerem o que se passou até dia 06 de outubro, nunca compreenderão o 07 de outubro", sugere, frisando que essa história tem sido também a da sua vida nos últimos anos e, nesse sentido, sente que já não tem nada para escrever.

O que o palestinianos estão a viver na atualidade "não é novo", apesar de conceder que "há uma aceleração", analisa, na medida em que "as ações associadas ao genocídio são bem conhecidas pelos palestinianos", quer se trate de demolir casas, prender pessoas, deslocá-las ou cortar a água: "Tudo isto tem vindo a acontecer nos últimos 25 anos."

É por isso que, à semelhança da generalidade dos palestinianos, incluindo os que exercem funções de representação, acha que os reconhecimentos do Estado da Palestina, anunciados há menos de uma semana por uma dezena de países ocidentais, incluindo Portugal, chegam também com os mesmos 25 anos de atraso.

Admite, todavia, que esses reconhecimentos, que envolvem países fortes como Reino Unido, França, Canadá e Austrália, são bem-vindos e agora o que importa é saber o que fazer com eles, porque "se não forem utilizados para acabar com o genocídio, serão apenas uma distração".

Para que estas iniciativas diplomáticas sejam eficazes, defende que o próximo passo deveria resultar em instrumentos "menos simbólicos e mais poderosos", como sanções e embargo de venda de armas a Israel, que, em reação à pressão internacional e ameaça de isolamento, afirmou que não permitirá a existência de um Estado Palestiniano.

"Depois de reconhecer a Palestina e ouvir esta declaração dos dirigentes do outro Estado [Israel], um país como Portugal tem a obrigação, ao abrigo das regras do Direito Internacional, de travar o poder desta potência agressiva", assinala, insistindo que todos os países que agora formalizaram a sua anuência à Palestina "são retardatários", após cerca de 150 já o terem feito anteriormente.

Para um palestiniano que cresceu nos Estados Unidos, Sam Bahour vê que Washington possa ser uma chave no conflito, pouco antes de a Casa Branca ter regressado à pressão negocial, à margem da Assembleia-geral da ONU, para resolver o conflito na Faixa de Gaza e que poderá envolver também o diálogo Israelo-palestiniano sobre os territórios ocupados.

"Será que as iniciativas diplomáticas podem ir mais longe sem os Estados Unidos? Sim, podem, desde que haja vontade política para o fazer", propõe o empresário de Ramallah, que está aliás convencido de que os reconhecimentos europeus da Palestina são uma mensagem mais dirigida a Washington do que Telavive.

Os europeus mostraram aos Estados Unidos "que são eles o problema no seu apoio cego a este genocídio" e, nesse sentido, "estão agora a desafiá-los pela primeira vez, dizendo `basta`". Como não podem adotar medidas diretas contra o Governo norte-americano, "sabem ao mesmo tempo que o reconhecimento da Palestina liga uma luz vermelha" na Casa Branca.

"Esperemos que muitas luzes vermelhas ligadas pelos atores internacionais façam com que os Estados Unidos também ganhem juízo depois de os europeus o terem feito", apela.

E a seguir deveriam declarar de imediato um embargo de armas a Israel: "Só assim conseguem indicar aos Estados Unidos que estão a falar a sério e que não se trata de mais uma ação simbólica, mas sim de uma ação com força."

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