Janeiro: O dia em que todos fomos Charlie

A 7 de janeiro, o mundo é surpreendido pelo atentado à redação do jornal satírico Charlie Hebdo. Um ataque à liberdade de expressão, à vida humana e à democracia que segue fazendo vítimas nos dias seguintes, com o homicídio de uma agente policial em Montrouge e com a tomada de reféns num supermercado judaico. Dezassete vítimas, três terroristas e um mundo unido por uma só frase: Je suis Charlie.

Cabu, Charb, Tignous, Honoré, Wolinski, Bernard, Mustapha, Elsa, Boisseau, Renaud, Brinsolaro, Merabet, Clarissa, Philippe, Yohan, Yoav, François-Michel. Os oito primeiros trabalhavam no Charlie Hebdo, os quatro últimos encontravam-se no Hyper Cacher às portas de Paris.

Todos foram vítimas do terror que atacou a capital francesa em janeiro de 2015.


Rita Ramos, António Esteves Martins, Pedro Escoto, Pedro Pessoa - RTP (8 de janeiro)

Os acontecimentos começaram ao sétimo dia de 2015 com um ataque à redação do jornal satírico Charlie Hebdo. Só neste morreram 12 pessoas. Seguiu-se o homicídio de uma jovem polícia em Montrouge e uma tomada de reféns num supermercado judaico às portas de Paris. O responsável por estes dois últimos ataques foi abatido no próprio dia.

Os irmãos Kouachi, que levaram a cabo o massacre ao Charlie Hebdo, foram abatidos a 9 de janeiro, numa operação policial em Dammartin-en-Goële, a 40 quilómetros a norte de Paris. A luta contra o terror e a liberdade de expressão uniu o mundo. Nos quatro cantos do globo, todos foram Charlie.
O ataque
7 de janeiro. Em Paris, na rua Nicolas-Appert, dois homens encapuzados sobem ao número seis, pensando tratar-se da sede do Charlie Hebdo. Percebendo o erro, ameaçam e obtêm a morada correta do jornal satírico. Não fazem vítimas, deixam a carnificina para os minutos seguintes.

Passa das 11h00 em Paris quando começa o fenómeno que marcará este início de ano. Os dois homens sobem ao número 10 da rua Nicolas-Appert, onde disparam contra tudo e contra todos.


Paulo Dentinho - RTP (7 de janeiro)
 
Os trabalhadores de Charlie encontram-se juntos, na tradicional reunião de redação. Os atacantes, armados de kalashnikov, afirmam estar no local para “vingar” o profeta Maomé, tantas vezes alvo de caricatura pelo jornal francês.
 
O ataque tira a vida a oito colaboradores do jornal, cinco dos quais são conhecidos caricaturistas. Ao todo, este primeiro ataque faz 12 mortos. Um deles, um polícia, é abatido na rua. Estava já no chão quando um dos terroristas lhe dá o tiro final, numa cena que é gravada por vídeo amador e comove o globo.

Os atacantes, mais tarde identificados como Chérif et Saïd Kouachi, conseguem escapar, depois de trocarem por diversas vezes de automóvel. Deixam todos aqueles por quem passam vivos, explicando ainda ter agido em nome da Al-Qaeda no Iémen. Pelo trajeto, vão gritando “Allah Akbar” e “Matámos Charlie Hebdo”.
Em Montrouge

8 de janeiro. As autoridades prosseguem com a caça aos irmãos Kouachi quando um novo elemento começa a surgir.

Em Montrouge, a sul de Paris, dois polícias gerem um pequeno incidente rodoviário quando são tomados como alvo por Amedy Colibaly. Um dos agentes, uma jovem polícia, não resiste aos ferimentos e acaba por falecer. O suspeito coloca-se em fuga.

Inicialmente, as autoridades não estabelecem nenhuma ligação entre o ataque de Montrouge e ao Charlie Hebdo.

Às 12h00, o mundo rende-se ao silêncio durante um minuto para homenagear as vítimas daqueles que são então os mais mortíferos desde a Guerra da Argélia. Em Paris, a praça da República torna-se o símbolo da resistência e luta contra o terrorismo. A busca pelos responsáveis continuam.
Caça ao Homem

9 de janeiro. Este é o dia em que o pesadelo chega ao fim, mas é também o dia em que novas vítimas surgem. As operações decorrem em dois palcos, praticamente em simultâneo: Dammartin-en-Goële e em Paris.

No primeiro local, a norte de Paris, as autoridades abatem os irmãos Kouachi, responsáveis pelo ataque ao Charlie Hebdo. Os dois terroristas estão durante oito horas barricados numa gráfica, onde fazem um refém. Este último é libertado, não há feridos do lado das autoridades. Os irmãos Kouachi são abatidos.


Sérgio Vicente, Sara Cravina - RTP (9 de janeiro)

Em Paris, Amedy Colibaly toma de assalto um supermercado judaico onde faz vários reféns. A tomada de reféns dura mais de quatro horas e chega ao fim com o assalto da polícia ao local. Amedy Colibaly é abatido pelas autoridades, mas a sua cúmplice, Hayat Boumeddiene escapa.

O balanço é pesado: quatro dos reféns morrem, o que eleva para 17 o número total de vítimas dos atentados.
Recuperar

Nos dias seguintes, a França tenta reerguer-se. Conta com as manifestações de apoio em todo o mundo. No domingo, dia 11 de janeiro, dezenas de chefes de Estado participam numa marcha republicana. O terror une personagens tão diversas como o primeiro-ministro israelita e o presidente da Autoridade Palestiniana.


João Botas, Carlos Felgueiras - RTP (11 de janeiro)

Uma união e um apoio que fica também visível a 14 de janeiro. Chega às bancas a edição dos sobreviventes do Charlie Hebdo. Um número especial, do qual são impressos quase oito milhões de exemplares. Em todo o mundo, muitos esperam semanas pelo seu pedaço de história.

Uma edição que conta com o profeta Maomé, de lágrima no canto do olho. Assume-se também ele um “Charlie”, separando-se dos terroristas e sustentando que “Tudo está perdoado”.

Tudo o quê? O próprio autor sustenta que a mensagem está dependente da interpretação de cada um.

Fotos: Pedro A. Pina / RTP Online