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Japão. Relatório documenta décadas de esterilização de crianças em nome da "qualidade"
Foi revelado esta semana ao Parlamento japonês um relatório de 1.400 páginas que detalha como, de 1948 a 1996, cerca de 16.500 pessoas foram esterilizadas sem consentimento. As operações visavam "impedir o nascimento de descendentes de má qualidade, vida e saúde da mãe". A maioria das vítimas foram mulheres.
Após a II Guerra Mundial, o poder político japonês estabeleceu políticas de natalidade assentes nas teorias da eugenia, que surgiram como movimento social nos fins do século XIX e princípios do século XX.
Defendia que os indivíduos herdavam as características dos progenitores, nomeadamente doenças. Este pensamento ditou que fossem criadas leis de eugenia negativa para impedir que certas pessoas "não adaptadas", como deficientes ou portadores de certas patologias hereditárias, tivessem filhos.
O relatórioDefendia que os indivíduos herdavam as características dos progenitores, nomeadamente doenças. Este pensamento ditou que fossem criadas leis de eugenia negativa para impedir que certas pessoas "não adaptadas", como deficientes ou portadores de certas patologias hereditárias, tivessem filhos.
O Governo do Japão apresentou um relatório que descreve como, entre 1948 e 1996, cerca de 16.500 cidadãos sofreram intervenções médicas sem consentimento, ao abrigo da lei de eugenia.
Estão documentados mais oito mil casos, para os quais terá existido consentimento, mas estima-se que tenha sido concedido “sob pressão”. À época, 60 mil mulheres abortaram por causa de doenças hereditárias.Entre os muitos exemplos apontados estão duas crianças de nove anos que foram esterilizadas: um menino e uma menina.
A lei de eugenia, que vigorou até aos anos de 1990, procurava “impedir o nascimento de descendentes de má qualidade, vida e saúde da mãe”, de acordo com o documento.
O relatório observou que a esterilização – que permitia às autoridades realizar o procedimento em pessoas com “deficiência intelectual, doença mental ou distúrbios hereditários para evitar o nascimento de crianças “inferiores” – era um requisito para admissão em algumas instituições de bem-estar ou mesmo para casar”.
Luta por indemnização
Há décadas que as vítimas do programa de esterilização procuram justiça junto dos tribunais contra o Estado. Na campanha, destacam-se os maus tratos às pessoas com deficiências e condições crónicas no período após a II Guerra Mundial.
O relatório observou que a esterilização – que permitia às autoridades realizar o procedimento em pessoas com “deficiência intelectual, doença mental ou distúrbios hereditários para evitar o nascimento de crianças “inferiores” – era um requisito para admissão em algumas instituições de bem-estar ou mesmo para casar”.
Luta por indemnização
Há décadas que as vítimas do programa de esterilização procuram justiça junto dos tribunais contra o Estado. Na campanha, destacam-se os maus tratos às pessoas com deficiências e condições crónicas no período após a II Guerra Mundial.
No processo de reparação às vítimas estão pedidos de indenizações financeiras e reconhecimento pela angústia física e mental que sofreram.
Em 2019, os parlamentares aprovaram uma legislação definindo que cada vítima receberia uma compensação do Governo de cerca 22,5 mil euros. Os ativistas que defendem a campanha afirmaram que este valor “não reflete o sofrimento que as vítimas viveram”.
O prazo de inscrição para requer a indemnização expira em abril de 2024, mas até ao momento apenas 1.049 pessoas receberam a quantia, denuncia a comunicação social japonesa.
Só quatro tribunais concederam indenizações às vítimas, enquanto muitos outros ficaram ao lado do Governo, argumentando que o estatuto de limitações de 20 anos já tinha passado.
Por sua vez, os advogados contrapuseram que as vítimas tomaram "conhecimento da natureza de sua cirurgia tarde demais" para cumprir o prazo legal e pedir a devida reparação.
Koji Niisato, um advogado que representa as vítimas, elogiou o relatório por “revelar todo o horror da esterilização forçada”. Mas observa que “o relatório não revelou porque é que a lei foi criada, por que demorou 48 anos a ser alterada ou por que razão as vítimas nunca foram indemnizadas”.
Depois da publicação do relatório, Hirokazu Matsuno, chefe de gabinete do Governo, sublinhou que o Executivo “pede desculpas profundas” pela “dor tremenda” que as vítimas sofreram com a esterilização forçada.
Indignação
Ao jornal britânico The Guardian, Junko Iizuka relata que um tribunal superior rejeitou os pedidos de indemnização de duas mulheres, incluindo o seu. Iizuka, atualmente com 77 anos, explica que tinha 16 quando foi "levada a uma clínica no nordeste do Japão e forçada a fazer uma operação misteriosa que - descobriu mais tarde - a impediria de ter filhos”.
Indignação
Ao jornal britânico The Guardian, Junko Iizuka relata que um tribunal superior rejeitou os pedidos de indemnização de duas mulheres, incluindo o seu. Iizuka, atualmente com 77 anos, explica que tinha 16 quando foi "levada a uma clínica no nordeste do Japão e forçada a fazer uma operação misteriosa que - descobriu mais tarde - a impediria de ter filhos”.
“A cirurgia eugénica privou-me de todos os meus sonhos modestos de um casamento e filhos felizes”, afirma Iizuka. Acrescenta que o procedimento afetou os laços emocionais “mais importantes”.
“Assim que contei ao meu marido, em quem eu confiava, que tinha sofrido uma cirurgia e não podia ter filhos, ele deixou-se e pediu o divórcio”, descreveu.
“Desenvolvi uma doença psicológica e não consegui trabalhar. Fui diagnosticada com transtorno de stress pós-traumático. A cirurgia de eugenia virou a minha vida de cabeça para baixo".
“Desenvolvi uma doença psicológica e não consegui trabalhar. Fui diagnosticada com transtorno de stress pós-traumático. A cirurgia de eugenia virou a minha vida de cabeça para baixo".
Iizuka reitera que vai recorrer da decisão e vinca o sofrimento de traumas durante seis décadas depois de ter sido esterilizada sem consentimento: “Eu e as outras vítimas estamos a envelhecer e algumas morreram”.
E remata: “Estou doente e muitas vezes tenho que ir ao hospital. Mas não devemos permitir que o mal que nos foi infligido permaneça oculto na escuridão”.