Jornal alemão Bild recorre à Inteligência Artificial para substituir editores

A medida faz parte de uma reestruturação radical do tablóide mais vendido na Alemanha e prevê cerca de 200 despedimentos, o encerramento de várias delegações e a substituição de vários postos de trabalho por ferramentas de Inteligência Artificial (IA).

Andreia Martins - RTP /
Dado Ruvic - Reuters

As medidas foram anunciadas num e-mail enviado aos trabalhadores na segunda-feira, assinado por dois editores-chefes, Marion Horn e Robert Schneider, pelo responsável do grupo Bild, Claudius Senst e pelo diretor administrativo do jornal, Christoph Eck-Schmidt.

Na mensagem enviada aos trabalhadores a que o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung teve acesso, os responsáveis reconhecem que o jornal terá de despedir “colegas que têm funções que, no mundo digital, são realizadas por Inteligência Artificial”.

Funções como as de editor, subeditor, revisor ou editor de fotografias, entre outras, “não vão existir como existem hoje”, reiteram.

O número exato de despedimentos não foi anunciado, mas o corte deverá ser de cerca de 200 empregos, segundo avança o Frankfurter Allgemeine Zeitung. Estes despedimentos fazem parte dos esforços que estão a ser feitos para “evitar redundâncias e encontrar soluções socialmente aceitáveis”, referem.

Por outro lado, o número de edições regionais do jornal passará de 18 para apenas 12. As delegações mais pequenas serão extintas e alguns dos postos de trabalho de gestão e administração deverão ficar mais reduzidos.

As edições regionais nas cidades de Leipzig, Dresden e Chemnitz vão fundir-se numa edição única da Saxónia. As edições de Düsseldorf e Colónia vão formar uma única, a Bold Rheinland. Com estes cortes, deixa de haver uma edição regional de Hamburgo. Nas várias edições, as reportagens regionais ficam reduzidas a apenas uma página local e outra página dedicada ao desporto.
Inteligência Artificial no jornalismo
Já em finais de fevereiro, Mathias Döpfner, chefe do conglomerado de media Axel Spinger SE, tinha alertado para uma futura reestruturação do jornal Bild, tendo logo na altura despedido vários editores e responsáveis do jornal.

No e-mail então enviado, Mathias Döpfner adiantava que a empresa seria “puramente digital” e que ferramentas como o ChatGPT podem “tornar o jornalismo independente melhor do que nunca – ou substituí-lo”.

“Para continuarmos a ser economicamente bem-sucedidos no futuro, os nossos lucros no negócio de media na Alemanha devem aumentar em cerca de 100 milhões de euros nos próximos três anos”, algo que a empresa está a tentar fazer com o aumento de vendas mas também com redução de custos.

Acrescentava ainda que “a liberdade de fazer jornalismo independente e crítico depende do sucesso económico”, declarando que o jornalismo em papel acabou e que está numa era “somente digital”.

“Isso não significa apenas dizer adeus ao jornalismo impresso”, mas também “uma compreensão fundamentalmente nova do jornalismo de qualidade na era digital”.

Previa ainda que a Inteligência Artificial se tornasse gradualmente cada vez melhor a “agregar informações” do que os próprios jornalistas e que apenas os órgãos de comunicação capazes de criar “o melhor conteúdo original” conseguiriam sobreviver.
As críticas da Associação Alemã de Jornalistas
A Associação Alemã de Jornalistas (DJV) deixou duras críticas ao plano delineado pela Axel Springer SE, considerando que o grupo de media deve evitar os despedimentos anunciados. Considera que a medida atropela os interesses dos trabalhadores mas que também vai contra os interesses do próprio jornal.

Frank Überall, que representa a associação, considera que esta é uma decisão “economicamente estúpida”, ao querer “abater a vaca leiteira” do conglomerado de media como o jornal que gera mais lucros à Springer
, para além de ser “antissocial em relação aos funcionários”.

“Menos reportagens regionais significam menor serviço ao leitor, e por isso menos leitores”, alertou, referindo-se à redução de edições a nível local.

A Springer não é o primeiro conglomerado de media a olhar para a Inteligência Artificial como solução para suprimir postos de trabalho. Destaque, por exemplo, para o site BuzzFeed, que anunciou este ano que iria passar a recorrer à IA para a criação de alguns dos seus conteúdos.
Jornal envolto em polémicas
Ainda que seja o tablóide mais vendido na Alemanha, a circulação do Bild tem diminuído de forma consistente nos últimos anos, caindo para pouco mais de um milhão de jornais, muito abaixo dos 4,5 milhões de vendas diárias registadas no início dos anos 2000.

Por outro lado, o jornal Bild tem estado no centro de outras polémicas com a demissão recente do ex-editor Julian Reichelt devido a alegações de má conduta sexual e bullying.

No início de 2023, Mathias Döpfner, CEO da Springer, apresentou um pedido de desculpas após a divulgação de mensagens polémicas.

As mensagens em causa demonstravam que Döpfner tinha recorrido ao Bild para tentar influenciar as últimas eleições na Alemanha, tendo alimentado o jornal com a sua opinião pessoal contra movimentos de defesa do clima, contra as medidas de contenção da Covid-19 e ainda contra a antiga chanceler alemã, Angela Merkel.
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