Jornalistas de Cabo Verde manifestam-se após dois colegas serem constituídos arguidos

por Lusa

Os jornalistas cabo-verdianos vão manifestar-se na sexta-feira, na cidade da Praia, após dois colegas e respetivos órgãos terem sido constituídos arguidos pelo Ministério Público, disse hoje o presidente da associação sindical da classe, que convocou o protesto.

Em declarações à agência Lusa, o presidente da Associação dos Jornalistas Cabo-verdianos (AJOC), Geremias Furtado, disse que a manifestação pretende chamar a atenção para os "ataques à liberdade de imprensa" que considerou que se têm verificado nos últimos dias no arquipélago.

Depois do jornal online Santiago Magazine e do seu jornalista e diretor, Hermínio Silves, o jornalista Daniel Almeida e o jornal A Nação foram também constituídos arguidos pelo Ministério Público, tendo estes últimos sido convocados a comparecer na Procuradoria-Geral da República (PGR) na sexta-feira, para serem ouvidos.

O primeiro caso diz respeito a uma notícia publicada pelo Santiago Magazine, em 28 de dezembro, que dava conta de uma investigação do Ministério Público ao atual ministro da Administração Interna, Paulo Rocha, por alegado envolvimento num homicídio em 2014, quando era dirigente da Polícia Judiciária, durante uma operação daquela força policial.

No segundo caso, o jornalista Daniel Almeida revelou à imprensa cabo-verdiana que não foi especificado por que motivo vai ser ouvido, mas diz-se suspeitar que será também no âmbito desse processo, em que tem escrito várias notícias nos últimos anos.

A manifestação de sexta-feira vai acontecer precisamente à mesma hora (14:30 locais, mais uma hora em Lisboa) em que o jornalista vai ser ouvido na PGR, em Achada de Santo António.

"Queremos também mostrar que os jornalistas estão firmes nesta luta, que a liberdade de imprensa é um ganho que Cabo Verde conquistou nos últimos tempos e que não podemos aceitar este retrocesso para a nossa jovem democracia", avançou o jornalista.

O presidente da AJOC lembrou que os dois casos acontecem mais de 20 anos da última vez em que um jornalista tinha sido constituído arguido em Cabo Verde.

"Era um ganho que já tínhamos alcançado e o jornalismo em Cabo Verde estava num outro patamar e estamos a ver que agora em diante vai-se abrir um precedente para calar os jornalistas, para condicionar o jornalismo de investigação com a constituição de arguidos", alertou.

Geremias Furtado alertou igualmente que com estes dois casos corre-se o risco de aumentar a autocensura em Cabo Verde, particularmente dos jovens jornalistas, e tendo em conta a precariedade laboral que ainda existe no seio da classe no país.

O líder sindical garantiu que a AJOC está disponível a prestar o apoio jurídico aos jornalistas em causa, em casos que também vai denunciar às instituições internacionais, como a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e a Federação Internacional dos Jornalistas.

Durante a tarde de hoje, o presidente da AJOC e demais membros da associação vão ser recebidos pelo Presidente da República, José Maria Neves.

Em nota de imprensa, a Presidência da República avançou que a delegação da AJOC pretende abordar com o chefe de Estado assuntos relacionados com a liberdade de imprensa e o funcionamento dos órgãos de comunicação social no país, "na sequência dos últimos acontecimentos, em que jornalistas e um órgão da imprensa foram constituídos arguidos, num caso de alegada quebra do segredo de justiça".

O Ministério Público (MP) cabo-verdiano já garantiu que não se intimida e nem se sujeita a pressões, no âmbito deste processo de suposta violação de segredo de justiça, em que foram notificados várias pessoas e órgãos para diligências presenciais.

O MP notou que nos termos do artigo 112.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os órgãos de comunicação social não estão sujeitos ao segredo de justiça em relação aos processos em que não tenham sido chamados, a qualquer título, a intervir.

Mas esclareceu, igualmente, que nos termos do artigo 113.º, alínea a) do mesmo Código de Processo Penal "É proibida, sob cominação de desobediência qualificada, salvo outra incriminação estabelecida em lei especial: a) A divulgação ou publicitação, ainda que parcial ou por resumo, por qualquer meio, de atos ou peças processuais quando cobertas pelo segredo de justiça".

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