Juncker defende criação de ministro europeu das Finanças

por Christopher Marques - RTP
Christian Hartmann - Reuters

O Presidente da Comissão Europeia traçou esta quarta-feira, em Estrasburgo, os principais desafios da União Europeia no discurso anual sobre o Estado da União. Jean-Claude Juncker apresentou as cinco grandes prioridades para os próximos meses, defendeu a criação de um cargo de ministro europeu da Economia e das Finanças, o alargamento do espaço Schengen e frisou que o Euro tem "vocação para ser a moeda única de toda a União Europeia".

O Presidente da Comissão Europeia começou o discurso do Estado da União com uma visão otimista do último ano, enfatizando os resultados económicos dos últimos meses.

“Temos uma janela de oportunidade. Mas não ficará aberta para sempre. Vamos aproveitar ao máximo esta oportunidade. Aproveitar o vento que sopra a nosso favor”, defendeu o presidente do executivo comunitário.

Feito o balanço do último ano do projeto comunitário, Jean-Claude Juncker elencou os dois desafios que os 27 devem enfrentar, no ano e meio até ao fim da atual legislatura europeia. Para o líder da Comissão, a União Europeia precisa de completar a agenda de Bratislava e estipular a direção a seguir no futuro
Cinco propostas para 2018
Para o próximo ano, o presidente da Comissão Europeia destacou cinco propostas que o executivo comunitário considera serem “particularmente importantes”: o reforço do comércio com outros parceiros, o desenvolvimento da indústria europeia, o combate às alterações climáticas, a defesa perante os perigos do mundo digital e os ciberataques e os fluxos migratórios.

Em termos comerciais, a União Europeia quer assim abrir negociações comerciais com a Austrália e a Nova Zelândia. O objetivo é que as negociações sejam transparentes e estejam concluídas até ao fim do atual mandato (2019). Jean Claude Juncker anunciou ainda que o executivo comunitário publicará “na íntegra os mandatos de negociação que apresentará ao Conselho Europeia”, porque os “cidadãos têm o direito a saber o que propõe a Comissão”.

“Acabou a falta de transparência, acabaram os rumores”, afirmou. A decisão surge depois das críticas a que Bruxelas tem sido sujeita, perante negociações pouco transparentes em acordos comerciais como o CETA e TTIP. Juncker garantiu ainda que a Comissão não é “ingénua” no que diz respeito ao livre comércio, pelo que a Europa deve “sempre proteger os seus interesses estratégicos”.

Nesse sentido, a Comissão Europeia propõe que seja feita uma avaliação dos investidores estrangeiros que pretendem entrar em empresas estratégicas da União Europeia – como nas áreas da defesa, energia ou transportes. “É nossa responsabilidade política saber o que se passa aqui para podermos, caso seja necessário, proteger a nossa segurança coletiva”, justificou.
Combate às alterações climáticas
O desenvolvimento da indústria europeia segue como terceira aposta de Juncker para este ano, referindo-se em especial à indústria automóvel – afetada pelos sucessos casos de emissões fraudulentas nos últimos anos. O executivo comunitário diz estar orgulhoso da capacidade industrial da europeia mas enfatiza estar “chocado” com o facto de clientes e consumidores estarem a ser enganados.

“Em vez de procurar enganar e induzir em erro, os construtores deveriam investir nas viaturas limpas que são as viaturas de amanhã”, pediu. A Europa vai apresentar ainda uma estratégia para que a indústria europeia “se mantenha ou se torne líder na inovação, na digitalização e na descarbonização”.

Juncker prosseguiu com uma crítica a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, tendo apresentado o combate às alterações climáticas como prioridade da UE. A Comissão Europeia apresentará em breve uma proposta de redução das emissões de dióxido de carbono no setor dos transportes.

A quarta prioridade para este ano é a proteção dos consumidores perante o desafio que representa o mundo digital. “As novas regras propostas pela Comissão irão proteger os nossos direitos de propriedade intelectual, a nossa diversidade cultural e os nossos dados pessoais”, prometeu.

No entanto, Juncker insistiu que a União Europeia está mal protegida contra ciberataques, recordando que estes são “por vezes mais perigosos para a estabilidade das economias e da democracia do que mísseis e tanques”. Bruxelas pretende que seja criada uma agência europeia para a cibersegurança.
"Europa não é uma fortaleza"

A quinta prioridade de Jean-Claude Juncker diz respeito aos fluxos migratórios. A Comissão Europeia acredita que foram feitos progressos, nomeadamente no fortalecimento das fronteiras externas do espaço europeu. Juncker elogiou o papel de Itália no acolhimento de refugiados: “No Mediterrâneo, a Itália salva a honra da Europa”.

O líder do executivo comunitário disse que é preciso melhorar as condições nos centros de acolhimento. Juncker criticou o facto de nem todos os Estados-membros serem solidários com os refugiados, mas elogiou o papel da Europa como um todo. “A Europa não é uma fortaleza. E nunca se deverá tornar uma”, garantiu.

A Comissão Europeia insiste que a União Europeia deve ser um refúgio para quem é perseguido. No entanto, Bruxelas sublinha que quem não tem o direito de permanecer em território europeu deverá retornar aos países de origem.

“Uma vez que apenas 36 por cento dos migrantes em situação irregular são expulsos, é evidente que temos de intensificar a nossa ação neste assunto. Só assim, a Europa poderá fazer prova de solidariedade para com quem precisa mesmo de proteção”, justificou.

O executivo comunitário insiste que esta solidariedade passa também com o apoio a Àfrica.
A Europa de Juncker
Apresentadas as prioridades para os próximos meses, Jean-Claude Juncker focou-se naquele que deve ser o futuro da União Europeia. Em março, a Comissão Europeia tinha apresentado um livro branco com cinco possíveis cenários para o futuro do projeto comunitário. Hoje, Juncker apresentou um sexto cenário. “A minha visão das coisas, o meu cenário pessoal”, afirmou.

A visão de Juncker inclui a criação de um Fundo Monetário Europeu (através de uma evolução do atual Mecanismo Europeu de Estabilidade) e do cargo de ministro europeu da Economia e das Finanças. Este cargo seria confiado ao comissário europeu da Economia e das Finanças, que seria também presidente do Eurogrupo e, preferencialmente, vice-presidente da Comissão Europeia.
Juncker e o euro

Jean-Claude Juncker rejeitou a proposta de criar um orçamento para a Zona Euro, mas defendeu que uma parte do orçamento seja especialmente vocacionada para os países da moeda única. O chefe do executivo comunitário exclui também a criação de um Parlamento para os países da Zona Euro. “O Parlamento da Zona Euro é o Parlamento Europeu”, enfatizou.

Aliás, o aumento do número de países que usam a moeda única apresenta-se como uma das prioridades de Jean-Claude Juncker. O luxemburguês sublinhou que o euro tem “vocação a tornar-se a moeda única a toda a União Europeia, tendo proposto a criação de um instrumento de adesão ao euro.

“Todos os Estados-membros – com exceção de dois – têm o direito e a obrigação de adotar o Euro desde que cumpram os requisitos”, recordou. No fim do discurso, Juncker disse mesmo ter a esperança que, em março de 2019, “ser membro por completo da Zona Euro, da União Bancária e do Espaço Schengen se tenha tornado a regra para cada Estado-membro”.

Em termos de funcionamento interno, Jean-Claude Juncker defendeu ainda que os cargos de presidente do Conselho Europeu e de presidente da Comissão Europeia sejam unidos num só. Atualmente, Jean-Claude Juncker preside à Comissão Europeia – que funciona como Governo da União Europeia - e Donald Tusk preside ao Conselho Europeu – que reúne os líderes dos 28 Estados-membros.

Juncker considera que a fusão dos dois cargos tornaria a União Europeia mais “compreensível” e faria “o navio europeu ser pilotado por um só comandante”.

Jean-Claude Juncker defendeu ainda o alargamento do Espaço Schengen, nomeadamente com a entrada “imediata” da Bulgária e da Roménia. O mesmo deverá acontecer com a Croácia, quando esta “cumprirá todos os requisitos”.
Porta fechada à Turquia

O presidente da Comissão Europeia insistiu ainda que os Estados-membros devem respeitar as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia. Juncker sublinhou ainda que é preciso uniformizar as normas sociais no espaço europeu para evitar “a fragmentação e o dumping social”.

“Devemos pelo menos trabalhar para uma união europeia das normas sociais, que defina o que é justo e injusto no nosso mercado interno”, justificou.

O chefe do executivo comunitário defendeu ainda a entrada dos países balcânicos na União Europeia, reforçando no entanto que os novos membros têm de respeitar “o Estado de direito, da justiça e dos direitos fundamentais”.Tal como Angela Merkel fez recentemente, Juncker excluiu a entrada da Turquia na União Europeia no futuro próximo e criticou Ancara. O ex-primeiro-ministro luxemburguês exigiu que a Turquia liberte os jornalistas presos e “pare de insultar os nossos Estados-membros”.
Março de 2019, a Europa a 27

Com os olhos postos no pós-2019, Jean-Claude Juncker não esqueceu a saída do Reino Unido da União Europeia. O presidente da Comissão recordou que a União terá 27 membros depois do dia 29 de março de 2019. “Será um momento muito triste e trágico. Iremos sempre lamentá-lo mas temos de respeitar a vontade do povo britânico”, assinalou.

Jean-Claude Juncker quer que os 27 se preparem para o Brexit, tendo recordado que as eleições europeias se desenrolarão em maio de 2019 – poucos meses depois da concretização da saída britânica.

Juncker pede por isso ao presidente do Conselho Europeu que seja organizada uma cimeira europeia precisamente no dia 30 de março, tendo proposto que a mesma se realize na cidade romena de Sibiu. “Este deverá ser o momento para nos reunirmos e tomarmos as decisões necessários para a construção de uma Europa mais unida, mais forte e mais democrática”, defendeu.

Mantendo a metáfora da navegação, Jean-Claude Juncker terminou o discurso, recordando que a Europa criou mecanismos como o mercado único, o espaço Schengen e a moeda única, que pareciam simples ideias.

“Temos de começar a terminar o trabalho imediatamente. Agora que está bom tempo, e enquanto ainda fizer bom tempo. Porque, quando as nuvens regressarem – e irão regressar – será tarde demais”, afirmou.

Fechou com um apelo aos deputados: “Soltemos as amarras. Icemos as velas. E aproveitemos os ventos favoráveis”.

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