Líderes europeus reuniram-se em Paris para garantir uma voz nas negociações com Moscovo
O clarim tocou a reunir em Paris com o globo a girar numa direção oposta à Velha Europa, de súbito deixada à porta do bengaleiro das negociações marcadas entre Moscovo e Washington para decidir a nova ordem não apenas da Ucrânia mas também do Ocidente e do mundo. O presidente Volodymyr Zelensky pede para que a União Europeia não deixe que o novo mapa do seu país se decida nas costas de Kiev e Bruxelas, Emmanuel Macron tocou a reunir no Eliseu num último esforço para tentar preservar o estatuto de uma diplomacia que em tempos valeu mas que Donald Trump e Vladimir Putin atiram com desdém para o caixote do lixo da história.
O chanceler alemão foi o primeiro a falar à saída do encontro de Paris, reiterando a necessidade da União de manter o apoio a Kiev, o que implica, na visão de Olaf Scholz, em mais ajuda financeira.
Scholz defendeu, por outro lado, que os membros da União Europeia deverão aprovar novas regras orçamentais de forma a levarem a cabo o falado aumento para pelo menos 2 por cento nos orçamentos da defesa.
O chanceler vem assim ao encontro de uma ideia deixada por Von der Leyen à chegada à capital francesa. “A segurança da Europa encontra-se num ponto de viragem”, escreveu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, à chegada a Paris, acrescentando que é agora necessário “um salto em frente na nossa Defesa”, no que parece uma resposta aos desejos que vêm sendo incessantemente proclamados pelo secretário-geral da NATO, Mark Rutte.
Não apenas de Rutte mas também do novo poder do outro lado do Atlântico, com o próprio vice-presidente JD Vance a apresentar a nova doutrina, sem qualquer verniz, em Munique, na passada semana, perante líderes de um continente que parece apanhado de surpresa pelo novo ar dos tempos. Em resposta à intenção de Washington de embarcar a solo em conversações com a Rússia, o chanceler Scholz deixou ainda um apelo à unidade entre a Europa e os Estados Unidos relativamente à responsabilidade pela segurança da Ucrânia: “Não deve haver divisão de segurança e responsabilidade entre a Europa e os Estados Unidos”.
“Por outras palavras, a NATO baseia-se no facto de agirmos sempre em conjunto e partilharmos o risco, garantindo assim a nossa segurança. Isto não pode ser posto em causa”, declarou Scholz à saída do encontro de Paris.
Antes do início das conversações no Eliseu – onde eram esperados chefes de governo e de Estado da Alemanha, Itália, Grã-Bretanha, Polónia, Espanha, Países Baixos e Dinamarca, além das lideranças da União Europeia e da NATO – o presidente francês, Emmanuel Macron, falou ao telefone com Donald Trump, num momento em que pouco haverá a fazer para parar a iniciativa dos Estados Unidos.
Em contra-relógio e sem revelar o teor da conversa, Macron procurou esta segunda-feira contrariar o roteiro de Washington para a paz russo-ucraniana num momento em que o enviado americano Keith Kellogg, que viaja para a Ucrânia esta quinta-feira, já deixou claro que a Administração Trump quer os europeus longe da mesa das negociações.
No Kremlin a disposição é idêntica. O chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov, diz que a Europa não tem lugar nas futuras negociações porque quer “continuar a guerra”. Esta ideia deverá ter sido levantada na reunião por um dos Estados-membros que alinha mais com Moscovo do que Bruxelas: a Hungria.
Num claro sinal de que existem divisões na União Europeia, a Hungria de Viktor Orbán, parceiro declarado tanto de Putin como de Trump, criticou o que diz serem “líderes europeus frustrados, pró-guerra e anti-Trump [que] estão reunidos para impedir um acordo de paz na Ucrânia”, posição assumida pelo ministro húngaro dos Negócios Estrangeiros, Peter Szijjarto, já esta segunda-feira num vídeo em direto no Facebook, durante o qual saudou o início das conversações entre russos e americanos.
Keir Starmer quer Europa a assumir o seu papel
Alertando que o futuro da Ucrânia é uma questão existencial para a Europa, o primeiro-ministro britânico defendeu no final do encontro no Eliseu que “os europeus têm de aumentar os gastos com Defesa”.
“Estamos ainda numa fase inicial, mas a Europa tem de desempenhar o seu papel”, declarou, acrescentando estar a considerar “enviar tropas inglesas [para a Ucrânia], com outros países, se houver um acordo de paz duradouro”. Diz, no entanto, que é fundamental “haver uma salvaguarda americana” para evitar novos ataques da Rússia contra o território e que, nesse sentido, “para a semana irei a Washington para me encontrar com [Donald] Trump e encontrar esses elementos fundamentais de uma paz duradoura e irei encontrar-me com [Volodymyr] Zelensky e com colegas europeus depois de regressar dos Estados Unidos”.
“Estamos a viver uma nova era e não podemos acomodar-nos com o conforto do passado, chegou a altura de assumirmos responsabilidade pela nossa segurança e pelo nosso continente e a Inglaterra vai desempenhar um papel de liderança como sempre tem feito”, declarou, lembrando que “a Ucrânia e a Europa têm de ter um futuro seguro”.
Sánchez liga segurança da Europa à situação ucraniana
Sublinhando o modelo de respeito pelos Direitos Humanos desenvolvido pelos europeus, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, também a falar aos jornalistas após o encontro, lembrou “o porquê de a Espanha ter ido desde o primeiro momento em auxílio da Ucrânia: para defender a sua liberdade e a sua independência, mas também para defender a segurança europeia”.
“Falar da independência e paz na Ucrânia é também falar na segurança europeia”, afirmou o chefe do governo espanhol, considerando que “todo o esforço [dos ucranianos e dos europeus] está a dar resultado porque a Ucrânia está a resistir e Putin não conseguiu os objetivos que apontava com a invasão e isso significa que a Ucrânia continua a precisar do apoio da comunidade internacional e em particular da Europa”.
“E nós no governo em Espanha vamos continuar a apoiar a Ucrânia”, garantiu Pedro Sánchez, apontando o caminho à União Europeia.
A presidente da Comissão Europeia secundaria a posição de Madrid, ao considerar que a Ucrânia “merece a paz pela força, uma paz que respeite a sua independência, soberania e integridade territorial”.
“A Europa assume plenamente a sua quota-parte de assistência militar à Ucrânia. Ao mesmo tempo, precisamos de um reforço da defesa na Europa”, acrescentou Ursula von der Leyen, no final da reunião de emergência sobre a Ucrânia.
“A Europa assume plenamente a sua quota-parte de assistência militar à Ucrânia. Ao mesmo tempo, precisamos de um reforço da defesa na Europa”, acrescentou Ursula von der Leyen, no final da reunião de emergência sobre a Ucrânia.
Mais ácido do que os seus colegas europeus, Donald Tusk, o primeiro-ministro polaco, um dos principais aliados de Kiev, deixou o alerta para os novos tempos, dizendo que as relações da Europa com os Estados Unidos “entraram numa nova fase”.
“Todos os participantes nesta reunião percebem que a relação transatlântica, a Aliança do Atlântico Norte e a nossa amizade com os Estados Unidos entraram numa nova fase, todos vemos isso”, declarou.
Entretanto, as primeiras conversações russo-americanas estão marcadas para esta terça-feira em Riade – da qual ucranianos e europeus estão excluídos – com o objetivo, nas palavras de Moscovo, de “restaurar” as relações entre as duas potências.
Rumam à Arábia Saudita altos funcionários do Kremlin e da Administração, lançando as bases para negociações sobre a Ucrânia e um encontro entre Vladimir Putin e Donald Trump.
A delegação russa inclui Sergei Lavrov e o conselheiro diplomático do Kremlin, Yuri Ushakov, que já estarão em solo saudita, de acordo com a televisão estatal russa. “O principal é começar uma normalização real das relações com Washington”, reiterou Ushakov.