Livro de ativista angolano Domingos da Cruz são 183 páginas de ideias pacíficas contra a ditadura

por Lusa

O livro do académico angolano Domingos da Cruz, um dos presos de consciência detido desde junho em Luanda, e organizador dos debates políticos que deram origem às prisões, defende o uso de ações pacíficas contra o totalitarismo.

A agência Lusa teve acesso ao manuscrito do livro "Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura -- Filosofia Política da Libertação para Angola", de Domingos da Cruz que estrutura o trabalho, sobretudo, a partir das ideias defendidas pelo filósofo e académico norte-americano Gene Sharp.

De acordo com o despacho de pronúncia do Tribunal Provincial de Luanda, de 15 de outubro, os seminários sobre o manuscrito de Domingos da Cruz puseram em causa a segurança do Estado.

"Foi nestes encontros onde os participantes tomaram a decisão de lutar contra o dito ditador, destituir e substituir e substituir, por pessoas da conivência do grupo, os titulares dos órgãos de soberania do Estado angolano e lavrar uma nova Constituição", refere o despacho judicial sobre as atividades em torno das ideias do livro que o autor vinca serem mecanismos não-violentos.

"Não tenho mérito nenhum sobre as ideias contidas neste livro. Com exceção de alguns capítulos, a maior das ideias são do filósofo norte-americano Gene Sharp, extraídas da sua obra, `Da ditadura à democracia`. Se tenho algum mérito, talvez decorrerá do facto de ter adaptado o seu pensamento à realidade angolana", escreve Domingos da Cruz na nota de introdução do trabalho que pretendia publicar em Angola, antes de ser preso.

No livro, Domingos da Cruz escreve que `A Filosofia Política para a Libertação de Angola` é radicalmente pacífica, fraterna, mas realista e acrescenta que na luta contra a opressão existem três caminhos possíveis: a guerrilha como a de Cabinda; a guerra convencional do tipo que a UNITA levou a cabo e o "desafio político" que é sinónimo de "desobediência civil".

De acordo com o texto, o "grupo hegemónico e ditador" atingiu um nível de ascensão no controlo da sociedade que o "único caminho" é a via pacífica e uma resistência civilizada ao estilo de Mahatma Gandhi que poderá, sublinha, prolongar-se durante muito tempo.

"Os democratas pacíficos deverão cultivar uma ética de libertação onde a paciência e a inteligência e o planeamento são fundamentais para ir destruindo a ditadura paulatinamente e, no momento exato, levar a cabo um movimento de grandes massas populares", escreve o professor universitário.

Domingos Cruz, cita Desmond Tutu, prémio Nobel da paz sul-africano, para reforçar a ideia de que o pior medo de um ditador não são as armas mas sim o desejo de liberdade.

"Pegar em armas levaria à ditadura a agradecer, na medida em que teria legitimidade interna (...) Usar armas demonstra que somos igualmente selvagens como o ditador", sublinha Domingos da Cruz.

No livro, que nunca foi publicado e cujas ideias eram discutidas pelos jovens de Luanda, o professor angolano refere que Angola esteve sujeita a um passado colonial e depois a uma "colonização interna" que se prolonga no tempo, rejeitando qualquer tipo de violência porque, sublinha "a guerra fortalece a ditadura".

Para Domingos da Cruz, a sociedade angolana e sobretudo os artistas, a igreja, os empresários, a oposição parlamentar, os órgãos de comunicação, estão "domesticados".

"Resta-nos desde logo contar única e exclusivamente com as nossas forças coletivas que se podem construir na base da solidariedade, tendo como fator de unidade, a luta pela liberdade, a democracia e a dignidade humana", defende, referindo-se ao que considera ser a realidade angolana.

O livro de 183 páginas inclui inúmeras citações sobre questões relacionadas com o poder totalitário e ditaduras e uma extensa lista bibliográfica sobre autores que se dedicam a questões relacionadas com processos de democratização ou denúncias de práticas ditatoriais, em todo o mundo.

Ao longo do texto, os autores mais citados são Gandhi, Nelson Mandela, Noam Chomsky ou Étienne de la Boétie e - de forma mais exaustiva - o norte-americano Gene Sharp.

Na parte final do trabalho de Domingos Cruz, são mesmo reproduzidos os "métodos de protestos e persuasão não violentos" de Gene Sharp: as conhecidas 198 medidas de desobediência civil a tomar face a regimes ditatoriais.

O académico angolano, que reforça a ideia de que em estados totalitários o direito "é essencialmente um instrumento dos mais fortes contra os mais fracos", está detido, acusado de rebelião e tentativa de assassinato do chefe de Estado José Eduardo dos Santos.

O seu julgamento e dos restantes detidos em junho está previsto começar no dia 16 de novembro.

Entretanto, o ativista angolano Rafael Marques vai difundir o livro na íntegra através da Internet.

 

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