Lula da Silva: "Fui vítima da maior mentira jurídica em 500 anos de história"

Na primeira declaração pública desde que viu anuladas as suas condenações na Lava Jato, Lula da Silva disse ter-se entregado à polícia federal em 2018 contra a sua vontade, para provar a própria inocência. O ex-presidente brasileiro considera ter sido vítima da "maior mentira jurídica contada em 500 anos de história", mas recusou sentir mágoa pelos 580 dias que passou na prisão, uma vez que "o sofrimento que os pobres brasileiros estão a passar é infinitamente maior".

RTP /
Sobre os 580 dias que passou na prisão, o ex-presidente do Brasil disse não sentir mágoa. Amanda Perobelli - Reuters

“Faz quase três anos que saí da sede do Sindicato dos Metalúrgicos para me entregar à Polícia Federal. Fui, obviamente, contra a minha vontade, porque sabia que estavam prendendo um inocente. Eu tomei a decisão de me entregar porque não seria correto um homem na minha idade (…) pudesse aparecer na capa dos jornais e na televisão como fugitivo”, disse Lula da Silva sobre a sua detenção.

“Como eu tinha a clareza das inverdades contadas sobre mim, eu então tomei a decisão de provar a minha inocência dentro da sede da polícia federal, perto do juiz Moro”, adiantou, admitindo ter na altura “tanta confiança e consciência que esse dia chegaria, e ele chegou”.

“Mas sei que fui vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história”, lamentou o antigo líder brasileiro.

Lula, que continua a garantir ser inocente, atribuiu às "falsas acusações" de corrupção contra si a morte da sua mulher, Marisa Letícia Lula da Silva, em 2017. "Sei que a Mariza morreu por conta da pressão e o AVC se apressou”.

Sobre os 580 dias que passou na prisão, o ex-presidente do Brasil disse não sentir mágoa. “Se tem um brasileiro que tem razão para ter muitas e profundas mágoas sou eu, mas não tenho, porque o sofrimento que o povo brasileiro e os pobres estão passando neste país é infinitamente maior do que qualquer crime que cometeram contra mim”, sustentou.

“Não há dor maior do que levantar de manhã e não ter a certeza de um café com pãozinho com manteiga para tomar, do que não ter um prato de feijão com farinha para dar ao filho, do que saber que está desempregado e não terá salário para sustentar a família”.

O ex-mandatário referia-se à crise de Covid-19 que assola o Brasil, um dos países mais afetados do mundo pela pandemia, e aproveitou para criticar o modo como o presidente Jair Bolsonaro tem gerido a crise.

“Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República e do ministro da Saúde, tome vacina”, pediu Lula à população, contrariando a faceta negacionista que tem sido revelada pelo chefe de Estado.

O ex-presidente, de 75 anos, disse que pretende receber a vacina contra a Covid-19 na próxima semana, com qualquer vacina que tenha à disposição. “Vou tomar a minha vacina, não importa de que país”, assegurou.

“Tome vacina, porque a vacina é uma das coisas que pode livrar você da Covid-19. Mas mesmo tomando vacina, não ache que você já [pode] tirar a camisa, já [pode] ir para o boteco [bar] pedir uma cerveja gelada, ficar conversando. Não! Você precisa de continuar a fazer isolamento, continuar a utilizar máscara, álcool em gel. Pelo amor de Deus. Esse vírus, essa noite, matou quase 2.000 pessoas. As mortes estão sendo naturalizadas”, disse o ex-presidente.

Lula afirmou ainda que foram as fake news as responsáveis pela eleição do presidente Jair Bolsonaro. “Esse país não tem governo”, defendeu. “Este país não cuida da economia, não cuida do emprego, não cuida do salário, não cuida da saúde, não cuida do meio ambiente, não cuida da educação, não cuida do jovem, não cuida da menina da periferia”.

O antigo mandatário disse, porém, ser cedo para pensar numa eventual candidatura às eleições de 2022. “Vai ser bem para a frente que a gente vai discutir”, afirmou, adiantando a possibilidade de uma ampla aliança para 2022, mas explicando que é necessária paciência para a discutir e construir nos próximos meses.
Condenações anuladas pelo Supremo
O juiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal brasileiro, anulou na segunda-feira todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela Justiça Federal no Paraná, relacionadas com as investigações da operação anticorrupção Lava Jato.

A anulação foi decretada na sequência da decisão de Fachin, de declarar a incompetência da Justiça Federal do Paraná nos processos sobre a posse de um apartamento de luxo no Guarujá e de uma quinta em Atibaia, ambos em São Paulo, que haviam levado a duas condenações do ex-chefe de Estado brasileiro, em decisões das primeira e segunda instâncias.Lula da Silva cumpriu 580 dias de prisão, entre abril de 2018 e novembro de 2019.

Isto não quer dizer que o antigo chefe de Estado brasileiro tenha sido inocentado, já que os processos serão remetidos para a justiça do Distrito Federal, que vai reavaliar os casos e pode receber novamente as denúncias e reiniciar os processos anulados.

Com a decisão, porém, Lula da Silva voltou a ser elegível e recuperou os direitos políticos.

Lula, de 75 anos e que governou o Brasil entre 2003 e 2010, cumpriu 580 dias de prisão, entre abril de 2018 e novembro de 2019. Desde então, o ex-presidente recorria da sentença em liberdade condicional.

c/ Lusa
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