Um estudo publicado esta semana na Nature Food, conclui que a União Europeia alocou mais de 80 por cento do dinheiro público da Política Agrícola Europeia para a criação de animais e investiu muito menos no cultivo de plantas. Esta decisão tem impacto na transição alimentar, pois torna as dietas poluentes "artificialmente baratas".
“Mais de 80 por cento da Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia apoia produtos de origem animal com emissões intensivas” - é esta a conclusão do mais recente estudo que analisa o impacto dos subsídios agrícolas no sistema alimentar do bloco europeu.
Os dinheiros da PAC “favorecem os alimentos de origem animal, que utilizam 82 por cento dos subsídios agrícolas da União Europeia, dos quais 38 por cento diretamente e 44 por cento para alimentação animal”, explica-se na análise.Esta opção política está a pagar mais às explorações agrícolas que ocupam maior área. O gado ocupa mais espaço do que as plantas e é alimentado de forma ineficiente com culturas que poderiam ter ido para as pessoas.
Esta gestão desencadeia “resultados perversos para uma transição alimentar”, sobretudo quando há planos para tornar a Europa o primeiro continente climaticamente neutro até 2050, explica o estudo.
“A grande maioria deste montante destina-se a produtos que nos estão a levar ao limite”, sublinha Paul Behrens, investigador de alterações ambientais na Universidade de Leiden, nos Países Baixos, e coautor do documento, em declarações citadas na edição online do jornal britânico The Guardian.
Para produzir a mesma quantidade de proteína, a carne bovina requer 20 vezes mais terra do que nozes e 35 vezes mais do que grãos.
Acrescenta que “os mesmos alimentos de origem animal estão associados a 84 por cento das emissões de gases com efeito de estufa incorporadas na produção alimentar da UE, ao mesmo tempo que fornecem 35 por cento das calorias da UE e 65 por cento das proteínas”.
Os cálculos
Para determinar o somatório dos subsídios da UE aos produtos de origem animal, os investigadores associaram os registos de subsídios a uma base de dados académica sobre fluxos alimentares e rastrearam o dinheiro público ao longo da cadeia de abastecimento durante o ano de 2013, o último para o qual havia dados de abastecimento.
Na PAC, embora tenha sido reformulada duas vezes nos últimos dez anos, a divisão dos subsídios diretos – antes de ter em conta os fluxos comerciais – manteve-se praticamente constante para os alimentos de origem animal e vegetal.
Para quem não esteve envolvido no estudo, como Mario Díaz Esteban, ecologista do Museu Nacional de Ciências Naturais da Espanha, estes resultados são interpretados como “tão sólidos e claros quanto devastadores”.
Florian Freund, economista agrícola da Universidade de Braunschweig, reitera que “o estudo ilustra que a maioria dos subsídios não apoia uma transição urgentemente necessária para dietas saudáveis e sustentáveis”.
Outros especialistas alegam que há que ter cautela ao valor dos subsídios estimados dirigidos aos produtos de origem animal. Alan Matthews, professor emérito de política agrícola europeia no Trinity College Dublin, argumenta que a investigação simplificou excessivamente os mecanismos económicos em funcionamento porque foi assumido que os “subsídios estavam totalmente refletidos nos preços”, o que está “longe de ser o caso”.
Na reforma da PAC para 2023-27, a UE decidiu alocar um quarto dos pagamentos diretos a “regimes ecológicos”, o que implica incentivos dirigidos ao cultivo “amigo do ambiente”. Esta alteração foi introduzida porque a pecuária está descrita como a causadora da maioria das mortes no mundo selvagem em todo o planeta e é responsável por 12 a 20 por cento dos poluentes que aquecem a Terra.
Porém, a nova estratégia de introdução de várias políticas verdes não foi bem recebida pelos agricultores, que desencadearam uma onda de manifestações por toda a Europa.