Marcha militar curta, sem discursos nem mísseis. Coreia do Norte celebra fundação do país

por Inês Moreira Santos - RTP
EPA

Foi durante a madrugada de quarta para quinta-feira que a Coreia do Norte celebrou o 73.º aniversário da sua fundação com um desfile militar mais discreto na capital, segundo informaram os meios de comunicação estatais, que divulgaram imagens de pessoas a desfilar com um fato laranja de proteção biológica e química. O líder norte-coreano, Kim Jong-un, esteve presente nas celebrações, mas não terá proferido nenhum discurso como nos anos anteriores.

A Coreia do Norte costuma comemorar datas importantes para o país com marchas militares em "passo de ganso" e exibindo o armamento mais recente, incluindo mísseis balísticos, em desfiles na Praça Kim Il-sung, em Pyongyang. Mas as celebrações do 73.º aniversário da fundação da Coreia do Norte, que decorreram esta madrugada, realizaram-se com um evento mais discreto em comparação a outras ocasiões, onde não foram mostrados mísseis ou enviadas mensagens aos opositores de Kim Jong-un.

Segundo a Agência Central de Notícias da Coreia do Norte, havia aviões militares a sobrevoar a praça durante o desfile, que começou à meia-noite, e alguns militares armados, mas não foram exibidos mísseis.

Alguns analistas políticos consideraram improvável que o regime apresentasse armamento pesado nesta ocasião, dada a curta duração do desfile (apenas uma hora) e depois de imagens de satélite não mostrarem a presença de grandes veículos militares nos ensaios da celebração. Horas antes de os meios de comunicação social norte-coreanos terem noticiado o desfile, os serviços secretos militares da Coreia do Sul detetaram atividade, indicando que o desfile militar tinha começado em Pyongyang após a meia-noite .

"Os detalhes específicos [do desfile] estão a ser analisados em estreita cooperação entre os serviços secretos sul-coreanos e norte-americanos", disse a agências um porta-voz dos Chefes do Estado-Maior Conjunto da Coreia do Sul.

O líder norte-coreano presidiu o desfile, ladeado pelos outros quatro membros fortes do partido único norte-coreano - incluindo o militar Pak Jong-chon, nomeado nesta semana membro do núcleo duro do partido -, embora durante o evento não tenha feito nenhum discurso, contrariamente a anos anteriores, segundo noticiaram a agência noticiosa estatal KCNA e o jornal Rodong. Quem discursou foi Ri Il-hwan, membro do comité central do Partido dos Trabalhadores, que insistiu que o país investirá no aumento de seu exército até "transformar todo o país numa fortaleza".
Desfile ao vivo e sem máscaras

É raro o líder norte-coreano aparecer ou ser visto, mas mas Kim Jong-un assitiu através de uma plataforma montada na praça Kim Il-sung, acenou às milhares de pessoas que apareceram no evento e sorriu para as câmaras. Segundo a CNN, alguns especialistas norte-coreanos deram conta de que o líder supremo do país perdeu peso, o que sustenta as notícias divulgadas pelos meios de comunicação estatais de que o líder tinha emagrecido.

"É impressionante como Kim Jong-un parece mais saudável nestas fotografias de ontem", afirmou à emissora Martyn Williams. "No entanto, ele está a aparecer - depois de várias teorias sobre a sua saúde - e parece muito melhor do que há alguns meses".

A televisão estatal não transmitiu imagens do desfile em direto, com manifestantes vestidos com fatos laranja de proteção e com máscaras de gás, e contrariamente aos anos anteriores as trasmissões gravadas não foram exibidas posteriormente.

"As equipas de prevenção de epidemias de emergência e o Ministério da Saúde Pública expressavam um entusiasmo patriótico a exibir as vantagens do sistema socialista em todo o mundo, enquanto protegiam a segurança do país e do seu povo contra a pandemia mundial", disse KCNA.

De facto, a Coreia do Norte não confirmou nenhum caso de Covid-19, mas fechou fronteiras e impôs medidas de prevenção rígidas logo após o surgimento dos primeiros casos na vizinha China no início de 2020, assumindo a pandemia como uma questão de sobrevivência nacional.

Embora não tenham sido transmitidas imagens, os media norte-coreanos relataram que nas celebrações participaram também a banda militar e a unidade de emergência para a prevenção de doenças. Além das figuras laranjas, não se vislumbraram mais imagens de pessoas com máscaras, sendo que a Coreia do Norte não divulgou a existência de grandes surtos de covid-19 até ao momento.

Segundo o KCNA, participaram na marcha militar membros da Guarda Vermelha Operária-Camponesa, pela primeira-vez desde 2013, depois de ter sido destacada como reserva após a guerra da Coreia de da década de 1950.

Yang Moo-jin, professor da Universidade de Estudos da Coreia do Norte em Seul, disse ao Guardian que a perceção da ausência de armas estratégicas e o foco nas forças de segurança pública mostraram que Kim Jong-un está focado nas questões internas como a Covid-19 e a situação económica do país.

"O desfile parece ser estritamente planeado como um festival nacional com o objetivo de promover a unidade nacional e a solidariedade do regime", disse Yang. "Não havia armas nucleares e Kim não deixou uma mensagem durante as celebrações, o que poderia ser feito para manter o evento discreto e deixar espaço de manobra para futuras negociações com os Estados Unidos e a Coreia do Sul".

O desfile, realizado na madrugada de quarta para quinta-feira, ocorreu quando o país está a enfrentar a pior crise económica dos últimos 25 anos por conta da pandemia do novo coronavírus. Além disso, este evento acontece numa altura em que parece que Pyongyang reativou instalações que utiliza para produzir combustível nuclear, enquanto as conversações de desnuclearização com os Estados Unidos, que recentemente propuseram um regresso incondicional à mesa de devida, estão suspensas desde 2019.
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