Mark Thomson, próximo diretor do CERN. Inteligência artificial "pode mostrar como o universo acabará"

A IA está a possibilitar grandes avanços na física de partículas, ao fornecer novas leituras para se compreender o destino do Universo, afirma Mark Thomson, que assumirá a liderança do CERN em 2026. O físico britânico argumenta que as tecnologias avançadas estão a ser usadas para "detetar eventos incrivelmente raros" que são a chave de como as partículas chegaram a adquirir massa nos primeiros momentos após o "Big Bang". Em perspetiva estão "grandes descobertas" que "podem ocorrer após 2030", entre as quais o destino do universo.

Carla Quirino - RTP /
Fabrice Coffrini - AFP

“A inteligência artificial está a mudar a forma como olhamos para os dados em todas as áreas da ciência” sublinha Mark Thomson, professor britânico de física experimental de partículas no Laboratório Cavendish da Universidade de Cambridge e membro do Emmanuel College, Cambridge. Assumirá o cargo de diretor da Organização Europeia para a Investigação Nuclear, CERN, a 10 de janeiro do próximo ano.

Thomson afirma que a evolução da tecnologia da inteligência artificial está a permitir a recolher novos dados que contribuem para “avanços na física de partículas”.

“Essas não são melhorias incrementais”, explica Thomson, citado na publicação britânica The Guardian. “Essas são melhorias muito, muito, muito grandes que as pessoas estão a fazer, adotando técnicas realmente avançadas".

“Vai ser bastante transformador para o nosso campo”, acrescentou. “São dados complexos, assim como o dobramento de proteínas – isso é um problema incrivelmente complexo –, desta forma, se usarmos uma técnica bastante complexa, como a IA, vamos conseguir ganhar mais conhecimento”.
Um novo acelerador três vezes maior
Estas declarações do físico surgem num momento em que o Conselho da CERN acredita na aposta num novo acelerador de partículas de 90 quilómetros, multiplicando por três o atual engenho para a potência do Future Circular Collider.

O maior, mais complexo e potente equipamento do mundo - o grande acelerador de hadrões, LHC (Large Hadron Collider) pertence ao CERN, European Organization for Nuclear Research - começou a funcionar em 2008, após o trabalho conjunto de cientistas de 80 países. O LHD encontra-se a 100 metros abaixo do solo e atravessa os territórios francês e suíço, estando perto de Genebra.

O acelerador consiste num anel de 27 quilómetros e, no seu interior, dois feixes de partículas subatómicas, chamadas hadrões, movem-se a uma velocidade próxima da da luz carregados de energia, antes de colidirem um com o outro. Os feixes circulam em direções opostas, em tubos separados mantidos num vácuo extremo. Os hadrões são conduzidos à volta do acelerador por um poderoso campo magnético, produzido por electromagnetos altamente condutores.

Ao atingir a potência máxima, acontecem cerca de 600 milhões de colisões por segundo e sempre que os dois feixes colidem geram temperaturas 100 mil vezes mais quentes do que o núcleo do Sol.

Assim, passando de 27 para 90 quilómetros de circunferência, o Future Circular Collider superaria o LHC.

O investimento de 16,58 mil milhões de euros já foi descrito pela Alemanha como uma proposta inacessível. 

Entretanto, Thomson alega que a “IA forneceu um novo impulso à investigação de novas físicas à escala subatómica – e que grandes descobertas podem ocorrer após 2030, quando uma grande atualização aumentará a intensidade do feixe do LHC num fator de dez”.
Dois bosões de Higgs e a evaporação do universo

A nova tecnologia de IA permitirá observações sem precedentes do bosão de Higgs, diz o cientista. Trata-se da partícula teorizada em 1960 por Peter Higgs e descoberta em 2013, no LHC, que concede massa a outras partículas e une o universo.

“Há uma medida particular sobre o bosão de Higgs que é fundamental para a natureza do universo”, acentua Thomson. “O que vamos ver não é produzir um bosão de Higgs, mas dois bosões de Higgs ao mesmo tempo”, explica.

Tal desenvolvimento permitirá aos cientistas verificarem, pela primeira vez, como a partícula de Higgs ganha massa – um fenómeno chamado autoacoplamento de Higgs.

Atualmente, os dois bosões de Higgs aparecem muito raramente e como as partículas são tão evasivas – desintegrando-se rapidamente - não dão tempo para serem medidas. Se até aqui essa investigação estava longe das capacidades do LHC, “agora estou confiante de que vamos fazer uma boa medição”, disse Thomson.

A força do autoacoplamento de Higgs é crucial para entender como um trilionésimo de segundo após o Big Bang uma mudança no campo de Higgs resultou de repente em partículas, adquirindo massa.

Nas novas leituras, podem ser revelados dados sobre se o campo de Higgs atingiu um estado de repouso final e estável ou se outra transição drástica poderá ocorrer no futuro.

Este conhecimento pode abrir portas a um cenário onde se veria o universo como o conhecemos a evaporar quase instantaneamente. O Modelo Padrão da Física sugere que esta é uma possibilidade.
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