Mary Trump revela como a família criou o "homem mais perigoso do mundo"

por RTP
Jim Lo Scalzo/EPA

Depois de um dos irmãos de Donald Trump ter tentado impedir a publicação, o livro polémico sobre o presidente dos Estados Unidos e a família vai mesmo ser lançado. Da autoria da sobrinha, Mary Trump, esta obra retrata o carácter "narcisista" de Trump, moldado por uma infância "emocionalmente abusiva" e marcada pela má relação com um pai "sociopata".

"Too Much and Never Enough: How My Family Created the World’s Most Dangerous Man" ("Demasiado e nunca suficiente: Como a Minha Família Criou o Homem Mais Perigoso do Mundo", em portugês) vai ser publicado na próxima semana, mas a imprensa já teve acesso ao conteúdo. Escrito por Mary Trump, a sobrinha do presidente norte-americano e psicóloga clínica, o livro retrata Donald Trump como um homem "narcisista" que constitui um perigo para os EUA e para a democracia do país.

Baseado nas memórias de Mary Trump, em momentos reconstituídos por relatos que lhe foram feitos por outros membros da família e documentos oficiais, revela não só a disfunção familiar em que terá crescido o presidente como também algumas informações sobre o próprio, como ter pago a um colega para fazer os exames por si.

O carácter e as atitudes ultrajantes de Donald Trump "ameaçam a saúde, a segurança económica e o tecido social do mundo", escreveu Mary Trump, alegando que a personalidade de Donald Trump foi moldada na infância pelo pai "sociopata", Fred Trump.

Com um contexto parental disfuncional, a família Trump está muito marcada pela educação de um "patriarca assustador" que "destruiu" Donald Trump e a capacidade deste "desenvolver e experimentar todo o espectro de emoções humanas", escreve o Washington Post.

"A atmosfera de divisão que o meu avô criou na família Trump é a água em que Donald sempre nadou, e a divisão continua a beneficiá-lo às custas de todos os outros", lê-se no livro.

Donald Trump vivia numa constante tentativa para agradar ao pai, cuja aprovação era difícil. Fred Trump, descrito pela neta e autora do livro como um "sociopata", terá contribuído para que o atual presidente dos EUA tenha desenvolvido "comportamentos retorcidos", como por exemplo, o de avaliar e considerar as pessoas apenas "pelo aspeto monetário" ou usar o "engano como forma de vida", lê-se no  The New York Times.

"Desde o início, o interesse próprio de Fred distorceu as suas prioridades", escreveu Mary Trump. "O cuidado com os filhos, como era, refletia as suas próprias necessidades, não as deles. O amor não significava nada para ele, e ele não podia compreende a situação deles, uma das características definidoras de um sociopata. Ele esperava obediência, só isso".

A sobrinha de Donald Trump considera que o tio foi vítima de abuso infantil por parte de uma mãe ausente e de um pai que não lhe dava atenção e que não lhe transmitiu um sentido de segurança, o que o tornou na pessoa egoísta e narcisista, com as ideais de grandeza que ainda hoje revela ter.

"Tendo sido abandonado pela mãe durante pelo menos um ano e com o pai a falhar para lhe suprir as necessidades ou fazê-lo sentir-se seguro ou amado, Donald sofreu privações que o marcaram para a vida e adquiriu traços de personalidade, incluindo demonstrações de narcisismo, bullying e grandiosidade".

A filha de Fred Trump Jr. - o irmão mais velho de Donald Trump que morreu em 1981 devido a problemas de alcoolismo - revela ainda que à medida que Donald Trump foi crescendo e amudurecendo, o pai passou a invejar a "confiança e ousadia" do filho, e com o gosto de ambos por desrespeitar regras, acabaram por se aproximar mais tornando, assim, Donald o seu braço direito nos negócios da família.

Referindo-se à relação do pai e do avô, a autora acusa Fred Trump de ser o responsável pelo declínio do filho mais velho, tentando-o pressionar a trabalhar no império imobiliário da família e censurando-o por não ser "duro" o suficiente.

Por isso, Donald Trump tentou moldar-se e adaptar-se à imagem daquilo que o pai desejava, evitando assemelhar-se ao irmão e ser rejeitado pelo pai, tornando-se narcisista.

"A única maneira de Donald escapar ao mesmo destino era formar a personalidade dele para servir os propósitos do pai. É isso que os sociopatas fazem: atraem os outros e usam-nos para os seus próprios fins", escreveu Mary Trump, psicóloga clínica, sobre o avô e o tio.
Trump foge das regras como "modo de vida"

Fred Trump é referido pela neta como um "sociopata" com um desejo insaciável por contornar tudo o que eram regras, recorrendo aos mais diversos truques e artimanhas. Segundo Mary Trump, Donald Trump terá herdado essa característica do pai, o que "abraça como um modo de vida".

No livro é revelado que o presidente dos EUA terá pago a um amigo para que fizesse por ele os exames de admissão à universidade (SAT na sigla em inglês), com receio de não ter média suficiente para entrar na Wharton, a prestigiada faculdade de Gestão da Universidade da Pensilvânia.

"Donald temia que a sua média, que estava longe do topo da classe, impedisse os seus esforços para ser aceite", esclareceu a autora.

Por isso, Trump terá pedido a Joe Shapiro, "um rapaz esperto com a reputação de ser um bom aluno nos testes, para fazer os exames por ele".

Mary Trump escreve ainda que era a irmã mais velha, Maryanne Trump Barry, hoje juíza federal reformada, quem fazia os trabalhos de casa de Donald Trump.

Para Mary Trump a conduta do tio é resultado também das pressões que sofria por parte do pai.

"Mentir era defensivo. Não apenas uma forma de contornar a desaprovação do pai ou evitar castigos, mas uma forma de sobrevivência", escreveu.

A autora realça ainda que a carreira de Trump como empresário está cheia de fracassos, e que teve de ser o pai a salvá-lo da sua "inaptidão brutal", uma vez que já tinha investido demais para desistir.

"Ele sabe no fundo que não é nada do que diz ser", resume Mary, explicando que o tio é incapaz de assumir responsabilidades e que portanto jamais poderá ser bom.
Família Trump herdou desentendimentos

A autora deixa claro que a família Trump não convive harmoniosamente, acusando em parte o avô.

Para além da competição que Fred Trump incutia aos filhos e entre estes, a autora acusa a família de ter abandonado o seu pai quando este estava a morrer. Segundo Mary, Donald Trump terá ido ao cinema quando o irmão, Fred Trump, foi hospitalizado, sozinho, com um ataque cardíaco que o viria a matar no dia seguinte.

Mary e os irmãos acusam ainda os tios de os impedirem de receberem a sua parte da herança - destinada ao seu já falecido pai -, quando o avô morreu.

Mas os ressentimentos expressos neste livro não se ficam por aqui. Mary terá sido contratada por Donald Trump para ser "escritora-fantasma" de um dos seus livros, mas foi despedida pelo tio por não estar sempre de acordo com este.

Relatando ainda alguns episódio de convivência familiar, a autora relembra um episódio em que, ao vê-la de fato de banho no resort Mar-a-Lago, na Florida, o tio fez comentários com termos pouco delicados sobre o seu corpo e, nomeadamente, sobre o seu peito.

"Eu tinha 29 anos e não ficava envergonhada com facilidade. Mas o meu rosto ficou vermelho e de repente fiquei constrangida. Puxei a toalha para os ombros", contou.

É visivel que as relações entre os membros da família Trump são variadas. A autora agradece no livro à tia Maryanne Trump Barry, "por toda a informação esclarecedora" e cita várias vezes comentários pejorativos da juíza jubilada sobre Donald Trump.

A irmã mais velha nunca acreditou nem levou a sério a candidatura de Trump à presidência dos EUA.

"Ele é um palhaço", terá dito a juíza, citada pela autora. "Nunca vai acontecer".

O livro estará à venda a partir da próxima terça-feira, dia 14 de julho. A data inicialmente prevista para a publicação era 28 de julho, mas com a autorização judicial, a editora decidiu antecipar o lançamento.

Robert S. Trump pediu, há duas semanas, a um tribunal de Queens, em Nova Iorque, que impedisse a publicação do livro de Mary L. Trump, alegando que a autora teria violado um acordo de confidencialidade que assinou nos anos 1990, relacionado com a herança de Fred Trump, seu avô e pai de Donald Trump.

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